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Planeta Fome!

- Elza Soares

E a nossa cantora do milênio, Elza Soares, do alto de seus 91 anos, se espalha em primeirosnegros.com: é pioneira, é sem mordaça, é eterna, ancestral – seu coração parar de pulsar em 20 de janeiro de 2022 é apenas um detalhe.

No texto abaixo, o resumo de uma história muitas vezes cantada, do dia em que sua estrela nasceu.

“Um dia descobri que cantava

meu filho mais velho João Carlos estava morrendo.

E eu já tinha perdido dois filhos. Não queria perder mais um.
Eu não tinha dinheiro pra cuidar do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros, Nota 5, estava com o prêmio acumulado.

Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse prêmio!
Fiz a inscrição e me avisaram que eu precisava ir bonita.

Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada!

Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60, 65 kg e vesti – só que eu pesava 32 kg, já viu né? Ajustei com alfinetes.
Tudo bem que agora é moda né?

Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu?

Alfinetes na roupa é muito meu, é coisa de Elza!

No pé coloquei uma sandália que a gente chamava de “mamãe tô na merda” – você andava e a sandália arrebentava e a gente dizia “que merda!” – e fui!
Quando me chamaram, levantei e entrei no palco do auditório.

O auditório estava lotado.

Quando chamaram ‘Elza Gomes da Conceição‘, que sou eu, o auditório deu uma gargalhada, mas uma gargalhada de ensurdecer… mas eu não liguei não. Fui andando. Aí seo Ary disse: “Aproxime-se”, sem nem um sorriso.

Elza Soares nos anos 60 (Imagem: Reprodução)

Elza Soares em 1967 (Foto: Editoria Globo / Agência O Globo)

Quando cheguei perto dele, ele perguntou:

– O que você veio fazer aqui?
– Aqui é onde as pessoas vêm cantar.

E ele retrucou:

– E quem disse que você canta?
 Eu sei que eu canto, porque eu canto desde pequena.
– Então me responda uma coisa: de que planeta você veio?

E o auditório rindo cada vez mais forte.

– Do mesmo planeta seu, ‘seo’ Ary.
– E qual é o meu planeta?
 PLANETA FOME!

Aí eu já estava quase que chorando de raiva.

Quem estava rindo muito já foi pondo a bundinha na cadeira, foi ficando calado, viu que a coisa era séria.
Cantei a música “Lama“.
O gongo não soou.

Perto do final da música, ele me abraçou e disse:

 Senhoras e senhores, neste exato momento acaba de nascer uma estrela.

Imagina o medo que eu fiquei.

Eu não sabia que nascia estrela a qualquer hora, à toa…

Pra mim só tinha estrela no céu. Muito inocente mesmo.

Aí, ficamos esperando e eu ganhei Nota 5, que era o prêmio maior.

Levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus!
De lá pra cá, sempre levo comigo um alfinete.
Naquela época, eu achava que se tivesse alimento pros meus filhos não teria mais fome.

O tempo passou e eu continuei com fome, fome de culturade dignidadede educaçãode igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim.

Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher e, talvez, seja essa mesma a razão da nossa existência.”

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1 comentário em “Planeta Fome!”

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