Estilo negro de alfaiataria – o dandismo resiste como linguagem de expressão e autoafirmação negra.
Tudo começa na Europa – séculos XV e XVI: crianças pequenas da África – principalmente meninos – eram carregadas pelas elites para serem “adestradas” e se tornarem um “tipo especial” de escravizados.
Educados com padrões diferenciados, formados para serem acompanhantes, serviam seus senhores com modos e posturas europeizadas, vestidos com trajes sofisticados da moda masculina europeia.
Século XVIII
Surge o estilo dândi, como uma reação à imposição de um padrão de vestimenta por Napoleão Bonaparte, ex-imperador francês.
O visual dos dândis era composto por:
- Terno bem cortado e alinhado
- Calças e coletes justos
- Paletó de corte impecável
- Camisas de gola alta empertigada e engomada
- Plastron, um lenço amarrado ao pescoço
- Bengala
- Cartola
- Sapatos de bico fino
“Escravos de luxo” e negros livres, na Europa e nos Estados Unidos, se apropriam desses modos e posturas.
Século XIX
Anos 1830
A figura do dândi negro emerge como modelo libertário para a diáspora africana. A branquitude pobre reage, pintando seu rosto de preto para estereotipar, ridicularizar, satirizar e desumanizar pessoas em espetáculos teatrais populares. Assim surge o blackface!
1861
Black dandies chegam ao poder. Um deles é o estadista americano Frederick Douglass (1818-1895). Sempre vistoso e elegantemente trajado, com sua poderosa oratória, se torna consultor de Abraham Lincoln, então presidente dos Estados Unidos, entre 1861 e 1865.
1865
No Mississipi – grande centro agrário caracterizado pela exploração de escravizados –, se estabelece os chamados Códigos Negros, que impõem diversas sanções judiciais a antigos “escravos de luxo”, como penas de prisão e constrangimento.
Em alguns lugares dos Estados Unidos, também, a lei determina que tipo de roupas os escravizados podem usar – só de tecidos baratos e nas cores bege, cinza ou amarelado.
Século XX
1914
Com o término da primeira guerra mundial, uma série de releituras e manifestações privilegiando a cultura e a história dos afro-americanos ocupa a cena. Entre os articuladores, homens negros de rara elegância defendendo uma política inclusiva e questionadora da exclusão imposta aos negros..
Anos 1918/1930
Floresce a literatura negra com o movimento Harlem Renaissance, uma espécie de “modernismo negro americano” que toma todas as regiões urbanas dos Estados Unidos, consolidando a base do que hoje fundamenta a visão afirmativa e identitária sobre a cultura afro-americana.
1925
O filósofo e intelectual dândi negro Alain LeRoy Locke, uma espécie de profeta da democracia social e racial nos Estados Unidos, lança, pela primeira vez, uma a antologia The New Negro: An Interpretation, reunindo, ficção, poesia e ensaio de e sobre africanos, com especial incidência na produção afro-americana. E surge o New Black Movement (Novo Movimento Negro).
1928
W.E.B. Du Bois publica a novela Dark Princess em que o protagonista, um ativista-dândi negro, lidera uma revolução do Povo Escuro do Mundo, na qual as pessoas de cor negra podem reivindicar seu lugar e seus direitos de igual para igual.
1934
É criado o conceito “dandismo negro”, por Zora Neale Hurston, no ensaio The Characteristics of Negro Expression, como referência a homens negros que, assim como os dândis brancos europeus, adotaram um estilo de vida marcado pela elegância, sofisticação e uma estética altamente refinada.
Anos 1960
James Marshall “Jimi” Hendrix, guitarrista, cantor e compositor norte-americano, esbanja androginia – ambiguidade em relação à própria aparência – refinada em peças de roupas – estampas floridas, babados, veludo, lenços esvoaçantes… – e ocupa o primeiro lugar na grande maioria das listas já publicadas de melhores guitarristas da história, é um dos mais influentes músicos de sua era, em diversos gêneros musicais.
Anos 1970/1980
Prince é considerado o maior dandy andrógino moderno, se torna um astro pop e impressiona por seu talento. Chega ao auge em 1984 com Purple Rain, vendendo mais de 20 milhões de cópias.
Anos 1980
Dapper Dan, considerado o maior alfaiate da história da moda negra, oficializa o look dandy para artistas e público do hip hop ao abrir sua confecção de roupas customizadas e unir o renome de grifes européias ao estilo de rua dos bairros negros de Nova York.
Século XXI
2009
Lançamento do livro Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity – Escravos da Moda: Dandismo Negro e o estilo da identidade negra diaspórica, da professora Monica L. Miller, presidente de Estudos Africanos no Barnard College, da Universidade de Columbia.
2020
Em plena pandemia causada pelo coronavírus, o dandismo se faz presente, em flash mob, com homens negros, elegantemente trajados, tomando as ruas de várias cidades dos Estados Unidos, com o objetivo de desconstruir a imagem pejorativa causada pelo racismo e reforçada com o assassinato de George Floyd.
2025
O Metropolitan Museum of Art de novas Iorque enegrece e todos os holofotes iluminam o vestir do homem negro, em um dos eventos de moda mais importantes do mundo, com o tema “Superfino: Estilo Negro de Alfaiataria”, inspirado no livro Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity – Escravos da Moda: Dandismo Negro e o estilo da identidade negra diaspórica.
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O dandismo negro, presente na contemporaneidade, segue a serviço de desconstruir o modo como nos vemos e como os outros nos vêem.
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Escrito em 20 de janeiro de 2025