O nome completo é Jean-Michel Basquiat. Polêmico, rebelde, chega ao topo nas artes, como o mais importante do movimento neo-expressionista, capa de revista! Pioneiro ao levar influências da arte de rua para galerias e museus, ele desafia convenções, faz política e contagia artistas de todo o mundo.
O que este artigo responde: Quem é Basquiat? Qual é a importância de Basquiat nas artes? Qual é o pioneirismo de Basquiat? O que é SAMO? Qual é a importância do grafite na vida de Basquiat? Quanto tempo durou a carreira de Basquiat? Qual é a causa da morte de Basquiat?
Estudante de jornalismo na Uninove desde 2023, Cinthya Gomes nasceu e mora em SãoPaulo, capital, filha de professores, ama fotografia, conteúdos sobre Diversidade e Inclusão e pretende fazer pós graduação em Fotojornalismo.
Jean-Michael Basquiat é um dos primeiros artistas negros a alcançar reconhecimento global, rompendo com a hegemonia da elite cultural branca no mundo da arte. Ganha notoriedade inicialmente como grafiteiro no coração de Manhattan e, depois, como pintor neo-expressionista. Nos leilões de arte, as obras com a sua assinatura valem ouro!
Seus quadros contam, de modo inovador, histórias sobre o racismo cotidiano sofrido por pessoas negras que vivem nos grandes centros urbanos, especialmente em Nova Iorque, nos Estados Unidos, na década de 1980.
Ainda jovem, aos 17 anos, Jean-Michel passa a viver como sem-teto, dormindo na casa de amigos e sobrevivendo da venda de camisetas e cartões postais autorais – um de seus clientes, abordado em um restaurante, o pintor e cineasta Andy Warhol, que comprou um de seus cartões. Nessa época, ele não era o reconhecido como gênio, ainda.
Seu pseudônimo é “SAMO” – “Same old shit” (em tradução livre, “sempre a mesma porcaria”. Marketing inquestionável, que chama atenção do público mais alternativo, quando aparece assinando grafites espalhadas nas paredes do metrô e das galerias de arte do So-Ho e na parte baixa de Manhattan, de 1978 a 1980.
A piada, o projeto
“SAMO, certo? ‘Imagine isso, vendendo maços de SAMO!’ Começou assim — como uma piada particular — e cresceu.”
Esta a história do pseudônimo que deu certo – conta o escritor do livro SAMO… Since 1978, de 2006, Al Díaz, conhecido por sua amizade com Jean-Michel Basquiat e pela colaboração no SAMO(c).
SAMO(c), na verdade, é um projeto de graffiti, que começa como uma piada cínica – mas inteligente -, entre amigos e se torna pedra angular criativa para dois artistas e permanece como um marco importante na história do grafite e da cultura urbana.
Al Díaz e Basquiat deixaram as pessoas intrigadas, quando começaram a etiquetar seus escritos com SAMO(c)… Escritos que falavam às pessoas, falavam sobre pessoas e, às vezes, não falavam de nada.
“SAMO como um fim para a lavagem cerebral religiosa, política ineficaz e filosofia falsa” – é um deles.
E todos na cidade perguntavam:
“Quem é SAMO?”
Em dezembro de 1978, por 100 dólares, a dupla cede o anonimato ao The Village Voice, um jornal alternativo de Nova Iorque, o primeiro periódico alternativo dos Estados Unidos, fundado em 1955.
Dois anos depois, a abordagem crítica e desafiadora do projeto, para temas como desigualdade, racismo, hipocrisia, valores da elite artística, entre outros, com a assinatura SAMO(c), desaparece das ruas.
“SAMO IS DEAD”
(“SAMO ESTÁ MORTO”)
Escreve Jean-Michel, em 1980, nas paredes dos prédios de So-Ho, em Nova Iorque. E, em seguida, foca exclusivamente na sua carreira.
Basquiat, por ele mesmo
E o talento do artista invade o mundo das artes quando participa de sua primeira mostra coletiva, a influente Times Square Show – enfatize-se, um mundo dominado por brancos. Não há espaço para que o jovem negro, simplesmente, desfrute do sucesso – a elite, com seu preconceito tenta moldá-lo, mas ele mantém a autenticidade.
Em 1981, em exposições individuais, vê suas obras serem vendidas por milhares de dólares. Aos 24 anos, seu trabalho ocupa espaços no Museu Whitney de Arte Americana e no Museu de Arte Moderna. Importantes colecionadores também adquirem suas obras. O mundo quer conhecê-lo: da Costa do Marfim à Alemanha.
A arte de Basquiat
No mesmo ano, o artigo The Radiant Child (A Criança Radiante), na revista Artforum, dá uma nova alavancada na sua carreira. O crítico de arte René Ricard escreve:
“Jean-Michel Basquiat é um artista que não pode ser ignorado. Sua obra é uma explosão de cor, uma mistura de grafite, pintura e escultura que desafia as convenções… A criança radiante é um príncipe, um herói…”
(Artforum, Dezembro de 1981, Vol. 20, Nº 4.)
A partir daí, Basquiat é celebrado como um dos grandes nomes da nova geração de artistas, em especial, por sua originalidade, ao trazer elementos como anatomia, pinturas, grafismos e intervenções de objetos – como máscaras africanas -, crítica social e racismo como temas.
Carregada de símbolos repetidos, como caveiras ou coroas – que recebem inúmeros significados dos historiadores -, sua arte é vista como “popular”, por dialogar com diferentes classes e grupos demográficos. Tudo isso o torna diferente dos outros artistas, o torna único.
Micro e macro agressões
A notoriedade não poupa Basquiat das práticas racistas da polícia americana – e isso é vivido de forma intensa por ele. No primeiro ano como artista renomado, em 1980, ele foi parado pela polícia mais de 20 vezes em Nova Iorque.
A mídia também dá a sua “contribuição”, ao questionar com frequência o seu sucesso. Em 1982, a revista Art News publica uma crítica afirmando que seu sucesso se deve mais à sua imagem do que à qualidade artística das suas obras.
Em setembro de 1981, Jean-Michel é convidado pela italiana Annina Nosei, negociante de arte, para fazer uma exposição. Ele aceita o convite, mas depois desiste. Tinha de criar oito pinturas em uma semana, no porão de sua galeria! À exploração, o artista disse: “Não.”
Com o pintor e cineasta Andy Warhol – eles se conheceram antes do SAMO(c) -, Basquiat cria várias obras. Os dois eram amigos. A mídia, entretanto, questiona e critica a parceria deles, ao afirmar que Basquiat era, apenas, uma “ferramenta” para revitalizar a carreira de Warhol.
E tudo só piora quando, em 1985, eles inauguram uma importante mostra conjunta, para marcar a volta de Warhol à pintura, que recebe críticas negativas na imprensa, que afetam a relação entre os dois.
O sucesso estrondoso é como uma “unanimidade não unânime”! – parecia inaceitável, demais!!! Era um constante desconfiar, desqualificar, duvidar… O sentimento que ele nutria é de que nada, nunca, seria o suficiente.
A namorada
No final de 1982, Basquiat inicia um período de trabalho no estúdio de Larry Gagosian, em Venice, Califórnia. Cria obras para sua segunda exposição na Galeria Gagosian, em West Hollywood.
Neste período, conhece Madonna – eles namoram. Basquiat prevê que a cantora se tornará uma grande estrela pop. O relacionamento dos dois é curto e ele não ganhava 1,4 milhão de dólares por ano, em média, ainda.
“Exótico”
Em 1985, Jean-Michel aparece na capa da The New York Times Magazine, um feito inédito para um artista negro tão jovem. A matéria reafirma seu status como figura central do movimento neo-expressionista.
Irreverente, ele aparece em público com ternos caros e roupas respingadas de tinta. Tem seu lado dândi negro, a elegância no trajar que incomoda e que é usada como arma de resistência. Inadmissível para a branquitude até hoje.
A mídia o mantém sob holofotes e segue “fazendo estragos” na sua vida, ecoando o mercado das artes, que quer reduzi-lo a um “artista exótico”.
Sua resposta é usar de sua arte também para combater a segregação racial e celebrar, entre seus ídolos, Jimmy Hendrix, outro dândi negro.
Matar a dor
O uso de drogas se transforma no “lenitivo”, no caminho, para lidar com a não aceitação, com o sentimento de solidão, de isolamento, apesar de toda a fama.
No meio da turbulência, ele conhece Jennifer Goode, modelo e artista. Os dois vivem um intenso romance, de amor e drogas. Após o término do relacionamento, ele cria a obra Riding with Death (Cavalgando com a morte).
A morte de Andy Warhol por arritmia cardíaca, em 1987, e a pressão constante do mercado artístico contribuem para o declínio de sua saúde mental e física. Ele se torna mais recluso e mergulha em seus vícios.
São muitas as narrativas sobre como ele chegou a isso. Existem os que afirmam que Basquiat agia de forma “errática”, distraído pelo peso da fama. Outros se referem ao “estímulo” dos distribuidores de arte, que ofereciam drogas em troca de suas pinturas…
O fato, no entanto, é que ele enfrentou o complexo mundo da arte da sua época, como uma das poucas pessoas negras atingir nível tão alto de sucesso. E enfrentou tudo sozinho como homem negro.
Leia Suicídio negro, a dor que faz morrer.
Em 12 de agosto de 1988, Jean-Michel Basquiat morre de overdose no seu estúdio em Manhattan, aos 27 anos.
Pequena vida
Jean-Michel Basquiat nasce no dia 22 de dezembro de 1960, no Brooklyn, Nova Iorque, em um lar bilíngue, cercado de ricas influências culturais. Filho de Gérard Basquiat, um haitiano rigoroso e contador bem-sucedido, e de Matilde Andrades, uma porto-riquenha apaixonada por arte.
A mãe percebe o talento artístico do filho e o incentiva, levando-o a museus e o encorajando a desenhar. Os dois têm uma relação próxima, mas turbulenta – Matilde tem problemas psicológicos e é internada várias vezes. Com o pai, há muitos conflitos, por conta de sua rigidez.
Aos sete anos, ele é atropelado por um carro e passa meses se recuperando. Durante esse tempo, sua mãe lhe dá um livro chamado Gray’s Anatomy, que o fascina e influencia sua arte, repleta de referências a corpos humanos.
Depois do divórcio dos pais e de várias mudanças de cidade, incluindo uma estada curta em Porto Rico, Basquiat torna-se um jovem rebelde. Foge de casa constantemente. Aos 17 anos, é expulso por má conduta da escola alternativa City-As-School, de Nova York. Não conclui o ensino médio nem qualquer escola de arte formal. Sai de casa.
Franklin Sirmans, diretor do Museu Pérez, em Miami, nos Estados Unidos, curador de diversas exibições sobre o artista, define o artista:
“Ele é um gênio. Suas pinturas não são apenas obras de arte únicas. Elas têm a capacidade de traduzir problemas e preocupações de uma época, além de um sentido histórico profundo” .
Inspiração
A produção artística limitada de Basquiat faz com que o preço de suas obras atinjam valores recordes em leilões de artes. Em 2017, quase 30 anos após a sua morte, sua pintura Untitled, de 1982 – mostrando uma caveira colorida pintada com linhas grossas – foi leiloada por US$110,5 milhões. Na época, foi o valor mais alto pago a um artista americano.
Diversos documentários e livros são produzidos sobre sua vida e obra, como o filme Basquiat, de 1996, dirigido por Julian Schnabel, e o documentário Jean-Michel Basquiat: The Radiant Child, de 2010.
Exposições ao redor do mundo celebram seu legado, incluindo retrospectivas em grandes museus como o MoMA – Museu de Arte Moderna e a Fondation Louis Vuitton.
As criações de Basquiat aparecem em trabalhos de outros artistas, camisetas, objetos diversos, filmes… São mencionadas em músicas de artistas contemporâneos, como BBC e That’s My Bitch, dos rappers americanos Jay-Z e Kanye West, respectivamente.
Mas o que não tem preço é a inspiração que ele deixa para gerações de artistas, especialmente artistas negros, para ocupar espaços que nos são negados.
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Jean-Michel Basquiat permanece um ícone, uma prova de que a arte pode transformar vidas e desafiar sistemas.
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Fontes: RG, Interview Magazine, BBC, Terra, Village Voice, Christie’s
Escrito em 14 de janeiro de 2025