A proposta da Pauta Pública é transformar leitores em colaboradores na produção de histórias pioneiras que precisam ser contadas em detalhes.
Por Tania Regina Pinto

Quando postamos o primeiro artigo do Primeiros Negros, em 9 de maio de 2009, não imaginávamos a jornada que iríamos viver, que nos tornaríamos grandes, sob o nosso ponto de vista! Escrevo “nós”, mas, de verdade, no começo, era só eu-zinha…
Depois de mais de 25 anos trabalhando na redação dos grandes jornais de São Paulo – repórter, redatora, pauteira, chefe de reportagem, editora -, migrei para a área de comunicação em um instituto voltado à defesa do setor elétrico brasileiro privatizado. Uma mudança desafiadora, para mim, trabalhar para o capital. Foram muitas as sessões de terapia.
Me mandaram embora do jornal no dia em que voltei de férias. Eu tinha um menino de 6 anos – hoje, homem de 30 – para criar e 43 anos de idade nas costas. A percepção era de que o mundo e, em especial, o mercado de trabalho não sorriam para mim. Estava velha!
Vem à minha memória que estava disposta a aceitar qualquer trabalho. Precisava de dinheiro. Na época, eu não tinha consciência sobre nossa interação no Cosmos, a partir da coexistência, da cosmo percepção, da ancestralidade… Mas, as que vieram antes – e são muitas mulheres – já caminhavam comigo.
E alguém chamou a minha atenção:
“O Universo não dá porcaria pra ninguém. O que você quer?”
Entenda “Universo” como Deus, Oxalá, Cosmos, a Energia, nosso força latente…
Na hora, eu entendi a mensagem. E – pasmem – veio para mim um emprego para trabalhar de segunda a sexta-feira, 6 horas por dia, com um salário de causar inveja e outras mordomias em uma agência de comunicação. Me contrataram para “transformar um cantor de pagode em Jorge Aragão” – este era o sonho do cliente. Mas, no final, não conseguimos fechar contrato com o artista e, neste processo, acabei no setor elétrico.
Acostumada a trabalhar com jornalistas, passei a ver meus textos editados por engenheiros!!! E texto – para quem escreve – é como filho. Só que não havia plano B no escritório. Eu era a única da área de comunicação.
Frustrada – mas com as contas em dia -, pensei em fazer um blog – meu espaço livre de censura. Mas escrever sobre o que? Amores? Espiritualidade? Pensares? Pioneirismo Negro!!!!
E cá estamos nós…
“Não vai durar.”
Isso foi exatamente o que eu ouvi, quando comentei com uma colega de profissão, uma antiga chefe, que tinha iniciado um blog sobre pioneirismo negro.
Nem eu nem ela tínhamos ideia do tamanho da lacuna, do vácuo, da impossibilidade imposta ao povo negro. É verdade que, na época, lutávamos por visibilidade na TV, por uma paquita negra no loiríssimo programa infantil Xou da Xuxa, mas não olhávamos para a questão racial pela lente do pioneirismo negro, embora questionássemos a história contada sobre este país e o que se escrevia nos livros didáticos sobre a nossa presença nele.
Na atualidade, sobram manchetes que anunciam pessoas negras pioneiras e nós, pioneiros na construção de um acervo com este foco, já não temos braços para contar todas elas.
Por isso, no nosso aniversário de 16 anos, lançamos a coluna Pauta Pública, com a indicação de histórias pioneiras nas quais não conseguimos mergulhar, ainda.
Uso o verbo ‘mergulhar’ porque nosso propósito ao escrever, sempre, é contar da nossa humanidade, a partir da história de cada pioneiro, de cada pioneira, o que inclui o nome dos pais, a data de nascimento, as conquistas, os desafios, tropeços… Não julgamos. Usamos a nossa lente, de povo de origem africana, cidadão do mundo e de pátria nenhuma, ensinado a se odiar e em busca de amor.
Tania Regina Pinto
PN COLUNAS
📢 Pauta Pública, 1ª edição
Você vai ler:
• Invenção preta
• Formatura em Harvard
• Pioneirismo na direção cinematográfica
• A bispa, gênero e raça
• O barão negro do Brasil Imperial
• A rainha repentista
📢 Invenção preta
A queniana Beth Koigi, de XX anos, é reconhecida como uma das principais representantes da nova geração pela revista Time. Ela criou a Majik Water, uma inovação que produz água potável a partir da umidade do ar.
A tecnologia é um sistema de filtragem que extrai água do ar rarefeito. Seus geradores de água atmosférica extraem a umidade, condensam, filtram quaisquer bactérias e adicionam minerais essenciais para água potável.
O sistema funciona virtualmente, com energia solar e permite a instalação em áreas remotas, incluindo lugares com umidade relativamente baixa.
Em um cenário onde mais de 1,8 bilhão de pessoas enfrentam a escassez hídrica, seus dispositivos de captação atmosférica, implementados em comunidades, já oferecem 200 mil litros de água mensalmente, beneficiando centenas de famílias no Quênia.
📢 Formatura em Harvard
Arthur Abrantes é o primeiro estudante negro brasileiro a se formar em Ciências da Computação e Psicologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A instituição de ensino, considerada uma das melhores do mundo, está perto de completar 400 anos de existência.
Entre a formatura do advogado e diplomata Richard Theodore Greener – primeiro negro a receber um título de bacharel pela universidade americana, e o diploma do mineiro de Paracatu, se passaram exatos 152 anos! Arthur Abrantes se inscreveu em um programa de intercâmbio para estudantes da embaixada americana no Brasil, conquistou bolsa integral e, hoje, trabalha como engenheiro de software na terra do Tio Sam.
📢 Pioneirismo na direção cinematográfica
A cineasta mineira Adélia Sampaio é a primeira diretora preta a dirigir um longa-metragem no Brasil. “Amor Maldito”, de 1984, é um filme que conta a história de amor entre duas mulheres, baseado em uma história real. Sua estreia no cinema acontece quando dirige o curta-metragem “Denúncia Vazia” em 1979.
📢 A bispa, gênero e raça
Barbara Harris é a primeira mulher consagrada bispo nos 450 anos da Igreja Anglicana. A cerimônia, em 12 de fevereiro de 1989, foi assistida nos Estados Unidos por mais de sete mil pessoas. Tradicionalistas tentaram impedir a sua consagração, sem sucesso. Até então, a Igreja Anglicana não admitia a ordenação de mulheres. Como cereja do bolo, ainda, o fato de a bispa ser divorciada e considerada muito liberal.
📢 O barão negro do Brasil Imperial
O empresário mineiro Francisco Paulo de Almeida é o primeiro barão negro do Brasil Império, Barão de Guaraciaba. O título lhe foi concedido pela princesa Isabel. Almeida fazia parte de um pequeno grupo de mestiços de origem africana que conseguiram ascender financeira e socialmente. Dono de imensas fazendas de café, empresas, palácios, estradas de ferro e usina hidrelétrica, o nobre negro mantinha em cativeiro cerca de mil escravizados.
📢 A rainha repentista
A poetisa e repentista, nascida na Paraíba, na segunda metade do século XIX, Chica Barrosa, ícone no campo das poéticas orais no Nordeste brasileiro, é reconhecida como a “Rainha Negra do Repente”. Em suas apresentações, se identificava como “mulher negra e atrevida”, e dava ênfase à pronúncia do sufixo feminino de seu sobrenome, dizendo-se “Barrosa”, com letra “A”.
Sua história está registrada na dissertação de mestrado da musicista Mariana do Nascimento Ananias, e foi defendida em janeiro de 2023, no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
Para nós, esta coluna é o embrião de uma parceria com você.
A ideia é que todas, todos e todes leitores se tornem colaboradores na produção de histórias pioneiras que precisam ser contadas em detalhes.
Nosso e-mail é [email protected] – Envie sua sugestão de pauta!
Elaborada em abril de 2025