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InícioCarl Brashear, o primeiro negro mestre em mergulho da Marinha dos Estados Unidos

Carl Brashear, o primeiro negro mestre em mergulho da Marinha dos Estados Unidos

Seu pioneirismo começa em 1970 e sua história é tão especial que, trinta anos depois, é revivida no filme “Homens de Honra”.

Carl Brashear
Carl Brashear, fotografia do Memorial Service Pamphlet, 2006. (Official U.S. Navy Photograph).

Carl Maxie Brashear nasce em 19 de janeiro de 1931, em uma pequena fazenda em Toinville, 75 anos depois, em 25 de julho de 2006, morre em Portsmouth, devido a problemas cardíacos e respiratórios. No meio da jornada, aos 39 anos, conquista o lugar de primeiro mergulhador-mestre afro americano da Marinha dos Estados Unidos.

Mas este não foi  seu único pioneiro. Ele é também o primeiro mergulhador da Marinha a voltar ao serviço ativo apesar de ter sofrido a amputação de uma perna em consequência de ferimentos sofridos durante uma operação de salvamento.

Ele se alistou na Marinha dos Estados Unidos em 25 de fevereiro de 1948 e em 1954 se torna  mergulhador oficial da Marinha – antes dele, houveram três afro americanos mergulhadores na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas Brashear é  o primeiro a se formar na U.S. Diving & Salvage School – o Centro de Treinamento de Mergulho e Salvamento Naval dos Estados Unidos, a maior instalação de mergulho do mundo, que prepara mergulhadores militares em todas as forças.

Sonho de igualdade

Filho de McDonald e Gonzella, camponeses de Sonora, no estado de Kentucky, ele sonhava, desde pequeno, entrar para a Marinha dos Estados Unidos e, em 1948, quando tinha 17 anos, deu o primeiro passo, levando o desejo de ser mergulhador na bagagem.

“O recrutador da Marinha foi muito mais simpático que os do Exército. Acho que ali encontrei minha vocação” – lembrou, certa vez, em uma entrevista no ano 2000.

Carl Brashear e Alberto José do Nascimento.
Carl Brashear em fotografia com outros mergulhadores, entre eles, o brasileiro Alberto José do Nascimento. (Autor desconhecido).

Seria utopia um jovem negro sonhar tornar-se mergulhador?  Naquela época, naquela América, sim. 

No tempo de Brashear, nos Estados Unidos, o racismo era escancarado, transparente, público. E, na Marinha, os negros eram recrutados  para trabalhar na cozinha do navio, com direito a banhos de mar  às segundas-feiras.

Mas ele queria ir além das panelas e, para mostrar seu potencial como mergulhador, desrespeitou as regras. Vai ao banho de mar fora do horário e dia determinados os negros. 

Sim. Ele consegue mostrar aos superiores seus dotes como nadador, mas tem de pagar pela indisciplina, amargando um tempo na prisão. Em seguida, conquista uma vaga como marinheiro salva-vidas e, após dois anos de tentativas, chega à escola de mergulho. E, em seis anos,  conclui com sucesso os estudos.

Para ele, no entanto,  emoções em alto-mar e desafios em terra firma pareciam não ser suficientes. Acontece Palomares.

Pesadelo

Janeiro de 1966. Uma bomba nuclear B28 é perdida na costa de Palomares, Espanha, depois do B-52G Stratofortress dos Estados Unidos se colidir com um KC-135 durante o reabastecimento em vôo.  Brashear, servindo a bordo, é chamado para ajudar na procura da bomba para a força aérea .

São dois meses e meio de procura até que a ogiva é encontrada no dia 23 de março de 1966, quando uma linha usada para o reboque arrebenta e causa um estrago irreparável na sua perna, logo abaixo do joelho.

Infecções persistentes, necrose, anos de fisioterapia e amputação – assim, pode-se resumir o que acontece com Brashear após o que ficou conhecido como o Incidente Palomares.

A superação

De maio de 1966 a março de 1967, sua vida se limita a cuidados médicos. Mas de março de 1967 a março de 1968, ela se divide entre cuidados médicos e o treinamento para participar de operações avançadas, parte do plano de carreira de mergulhador.

Em abril de 1968, depois de uma longa luta com seu próprio corpo, o racismo e a burocracia militar, ele se torna o primeiro amputado a ser reintegrado como mergulhador. E, em 1970,  conquista o cargo de mergulhador chefe da Marinha dos Estados Unidos, o primeiro afro-americano mergulhador chefe da Marinha dos Estados Unidos.

Brashear esteve a serviço da Marinha durante mais de 10 anos. E seguiu conquistando pioneirismos. É dele o título de primeiro contramestre negro da Marinha dos Estados Unidos.

Brashear como mergulhador mestre
Brashear como mergulhador mestre assistindo a um companheiro, 1971. (Foto: National Museum of the U.S. Navy).

Sua aposentadoria, pela Marinha, acontece em 1º de abril de 1979, como Comandante Dirigente Chefe – pioneiro, naturalmente.

Como civil,  segue trabalhando para o governo na Naval Station Norfolk, na Virginia, e se aposenta em 1993.

Determinação

No total, foram 42 anos de serviço militar e serviços civis federais, apesar de todo o preconceito, de todo ódio, de toda a descrença, Brashear dizia:

“Eu não vou deixar ninguém roubar meus sonhos.”

E não deixou. Seu sonho da juventude se realizou – de cozinheiro a mergulhador. De tão rápido, tornou-se  nadador de resgate e tentaram acomodá-lo nesta condição. Mas ele quer ir à escola de mergulhadores que, até a sua chegada, só tinha formado homens brancos. E vai e se forma.

Na sua história, como na de muitos pioneiros e não pioneiros negros e negras,  tem um “racista especial” no caminho:   a pessoa mais áspera, tirana e com poder para tornar impossível qualquer desejo, que representava toda a Marinha e foi vencida.  

Tentaram desencorajá-lo, minar suas ambições, isolá-lo, destruí-lo…  Sua coragem e determinação, no entanto, lhe deram forças para seguir adiante, chegar ao topo da carreira que escolheu para viver. 

men of honor
Legenda: cena do filme que retrata a luta judicial que Brashear enfrenta para continuar a ostentar o cargo de mergulhador, mesmo com a perna amputada.

O filme e o legado

A história de Brashear inspirou o filme Homens de Honra (Men of Honor), rodado em 2001. Seu personagem é interpretado por Cuba Gooding Jr. e mostra o tamanho dos desafios que viveu, as barreiras que superou. 

Brashear casou e se divorciou três vezes: A primeira com Junetta Wilcoxson (1952-1978), Hattie R. Elam (1980-1983), e Jeanette A. Brundage (1985-1987). Ele teve quatro filhos: Shazanta (1955-1996), DaWayne, Philip e Patrick.

Depois de sua morte, seus filhos DaWayne e Phillip Brashear iniciaram a fundação Carl Brashear, em sua homenagem.

Em 24 de outubro de 2007, o Newport News Fire Department, dedicou um barco de 10m de alta velocidade, com o nome de Carl Brashear para ser usado para mergulhadores da Marine Incident Response Teams.

Os navios de carga The Lewis e Clark-class da USNS Carl Brashear (T-AKE-7) foram batizados em sua homenagem em San Diego, Califórnia, dia 18 de Setembro de 2008.

Carl Brashear, mestre de mergulho e com sua prótese da perna
Carl Brashear, mestre de mergulho e com sua prótese da perna, se prepara para o mergulho, 1971. (Foto: National Museum of the U.S. Navy).

Em 21 de Fevereiro de 2009, Nauticus,  um museu de ciência marítima no centro de Norfolk, Virginia, abriu uma exibição chamada “Sonhos de um mergulhador: A vida do Comandante Dirigente Chefe Carl Brashear“. 

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Escrito em 15 de maio de 2021

23 comentários em “Carl Brashear, o primeiro negro mestre em mergulho da Marinha dos Estados Unidos”

  1. É um filme que me inspirou a querer entra na marinha e mostra que mesmo não sendo negra, mais luto contra o preconceito contra os negros apoio e sei que o que faz o ser humano não e sua cor e sim o que esta disposto a fazer e até onde pode e quer chegar então esse filme me levo a querer entra na marinha e mostra que não e somente homens que podem conseguir … quero lutar por que sou mulher e por que luto a favor dos negros como ele … eu também quero ser reconhecida e mostra que independente de sua condição financeira podemos sim chegar aonde queremos!!!

  2. A história de Brashear é, de fato, inspiradora. Sua fidelidade ao seu pai, ao seu sonho e à sua honra é comovente e nos leva a pensar em nossas atitudes diante dos obstáculos que surgem ao longo da vida

  3. Morreu ontem, aos 91 anos, Alberto José do Nascimento, o nosso *Homem de Honra*, que nos anos 50 realizou, pela Marinha do Brasil, o Curso de Mergulho na U.S. Navy juntamente com o negro americano Carl Brasher, eternizado no filme *Homens de Honra*, estrelado pelo ator Cuba Goonding Jr. e tendo no elenco Robert De Niro como o Chefe Billy Sunday.
    O testo abaixo é de uma reportagem do jornal A Tribuna feita no ano de 2004.
    Quem já assistiu ao filme “Homens de Honra”, de 2000, sabe que aquela história é baseada em acontecimentos reais: na vida do primeiro negro (Carl Brashear) a se tornar mergulhador de resgate da Marinha americana, no início dos anos 50. O que ninguém faz idéia é que um natalense tenha vivido grande parte daqueles episódios. Inclusive, na escola de mergulho de resgate foi ele o único a se aproximar e ficar amigo de Carl, quando todos os aspirantes brancos americanos o hostilizavam e até perseguiam.

    No filme, o natalense Alberto José do Nascimento – hoje com 77 anos – seria aquele único aspirante que, logo nas primeiras cenas da escola de mergulho, permanece no alojamento após a entrada de Brashear, enquanto todos os outros se retiram, sentindo-se ofendidos e dizendo que “não dividem o mesmo espaço com um negro”. Porém, não é feita nenhuma referência à presença de brasileiros na turma. O personagem que representa o potiguar foi substituído por um americano gago.

    “Fui eu quem fiquei no alojamento, então aquele cara do filme está me representando. Agora, aquela gagueira, todo o resto que acontece ao personagem é fantasia. Um cara como ele não entraria nunca em uma escola de elite feito aquela. Ali só entravam os melhores”, diz.

    Alberto conta que foi ele quem participou junto com Carl Brashear do salvamento de um colega preso no fundo do mar. Inclusive, o natalense recebeu todos os méritos quando a maior participação no feito foi do marinheiro negro. O filme retrata esse episódio, mas o aspirante que estava ajudando Brashear, na ficção, era outro, que, inclusive, acabou fugindo. Ainda assim, ele foi condecorado com medalha de honra.

    “Teve esse salvamento, mas ele não aconteceu assim. Não houve medalha e também não foi um americano que participou da operação, e sim eu. Como no filme, Brashear ficou muito irritado diante da injustiça”, lembra o ex-mergulhador potiguar.

    Natalense desconhece episódio de disputa com o comandante

    Alberto fala que desconhece o episódio em que Brashear venceu o comandante, diante dos outros aspirantes, numa disputa para ver quem ficava mais tempo com a cabeça submersa na água. “Acho difícil de ter acontecido, até porque o filme mostra que o episódio se deu num bar, com todos juntos. “Os americanos não ficavam no mesmo espaço que Brashear nem falavam com ele. Uma vez fizemos um rateio para uma festa e não deixaram ele participar. A segregação racial era muito forte nos EUA nessa época. Nos ônibus, os negros só podiam ir na parte de trás. Já lá na escola da Marinha, os americanos se referiam a ele como negro filho da p.”.

    Para Alberto José do Nascimento, o filme retrata bem a determinação de Brashear de se tornar mergulhador da Marinha americana. A parte técnica (equipamentos e situações vividas naquele tipo de ambiente) está impecável, segundo ele.

    Porém, ele presenciou o episódio do teste final da escola. Para conseguir ser aprovado como mergulhador de resgate, os aspirantes tinham que montar, no menor tempo possível, várias ferramentas pequenas (parafusos, porcas, ruelas) em uma peça maior jogada ao fundo do mar. O detalhe é que as sacolas com as ferramentas de todos os brancos foram jogadas fechadas. A de Brashear foi rasgada e suas peças espalhadas no fundo do oceano para que ele não completasse a prova. “Aconteceu daquele jeito do filme: ele ficou por mais de nove horas embaixo d’água, quase congelou, mas somente subiu com a peça montada”.

    Ex-marujo integrou a turma 56 da escola

    O ex-marujo natalense Alberto José do Nascimento tem muita história para contar. E não é conversa de pescador não, é de mergulhador mesmo.

    1. Fiquei muito feliz de saber que Carl brashear mergulhou com um brasileiro pois sou brasileiro e branco mais eu respeito os negros pois na bíblia diz que somos todos iguais e essa história TB está me ajudando a superar racismo Aki na Europa por eu ser brasileiro e não falar a língua deles mais a Bíblia diz que todos somos mais que vencedores em Cristo Jesus que Deus tenho o Carll e o Alberto em seus braços meus heróis de vida que Deus abençoe a todos

  4. Na verdade o filme só representa a verdadeira história desse homem de honra. A título de curiosidade o militar na primeira foto um pouco a frente de bashie é brasileiro, um marinheiro do Rio grande do norte.

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  6. Esse filme me ajudou a passar em um concurso público. Cheguei a estudar quase 14 por dia. Nas muitas vezes em que fraquejei e pensei desistir eu lembrava deste filme. Depois no meu trabalho me tornei o primeiro supervisor da minha turma (150 pessoas que foram aprovadas no concurso) e cheguei a ser o diretor adjunto (segundo posto mais importante da instituição atrás apenas do diretor geral). Hoje estou perto de me aposentar. O serviço público é um dos poucos lugares em que um negro pode fazer valer o seu mérito.

  7. Pingback: A História Naval e o Cinema: 'Homens de Honra' (2000) - Poder Naval

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