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A virtude do presente preto

– Tania Regina Pinto

Criança preta não é só criança, e toda criança sabe disso – o racismo é apreendido e reproduzido de forma assustadora. Nossas crianças negras ainda são preteridas, rejeitadas, isoladas, humilhadas, achincalhadas e sentem desejo de morte, tamanha a dor que têm de suportar, sem entender.

A criança preta, vítima desde sempre, leva essa cicatriz para a vida – quando sobrevive -, um trauma que se instala, invade sem pedir licença e que, talvez, anos de terapia possam curar.

Como seria bom se a criança negra pudesse ser apenas criança…

Por que não?

Por que não resgatar o poder das nossas crianças fazendo com que ela se sinta existir no seu mundo infantil? 

Por que não criar nossas crianças contando a elas quem somos por meio de livros, de histórias da vida real, de príncipes, princesas, fadas, reis e rainhas que as represente? 

Por que não? 

Princesa Tiana em preto e branco com bolinhas pontilhadas em padrão ao fundo.

Viva à diferença

Ensinar as crianças a não perceber a diferença de cor, de raça, de cabelo, de história, não é um bom caminho para educar seres humanos fortes e também sem qualquer tipo de preconceito.

Não perceber as diferenças é tornar o outro invisível. Não somos iguais: as pessoas têm tons de pele, traços, altura, peso, corpo, cabelo, pés, mãos, dedos, tudo diferente e a diferença é uma riqueza. Aí, o aprendizado.

Valorizar a diferença na infância é cultivar igualdades.

Nossos pontos de vista se ampliam quando conseguimos internalizar este valor.

Pessoas de alturas diferentes olham em uma mesma direção e enxergam coisas distintas. Da soma dos olhares, uma ideia enriquecida do todo, os detalhes. E este é só um exemplo dos mais básicos, mas que vale para tudo.

Assunto espinhoso

É preciso falar sobre racismo. É preciso identificar o racismo. Não para acusar, mas para conscientizar, reeducar, aprender junto

Todos temos atitudes, pensamentos, vocabulários, crenças, valores, racistas. Somos, todos, foco, público-alvo do racismo estrutural. Só conscientes desta realidade vamos ressignificar o nosso viver e o viver de nossas crianças.

Diálogo é vida. Falar de racismo não vai tornar ninguém racista. E é assim que vamos cuidar da infância preta.

Recorte de criança brincando com carrinho e brinquedos ao lado (sobre padrão pontilhado no lugar do chão)

DNA racista

Crianças não nascem discriminando e são muito sensíveis a questões do que é justo e injusto. Utilizemos o senso de justiça infantil para explicar sobre desigualdades. E vamos incluir a ideia de justiça restaurativa, que é um conceito bárbaro para se colocar as coisas no lugar.

Quando uma criança faz algo errado, podemos escolher entre corrigenda, castigo, bronca, grito ou perguntar o que ela poderia fazer para que tudo ficasse bem de novo, para reparar o mal feito… – já que não se pode mudar o ontem nem mesmo o segundo que passou.

Toda e qualquer forma de preconceito pede reparação, pede justiça restaurativa. Uma atitude infantil racista, discriminatória, preconceituosa, pede justiça restaurativa. E isso é educar com responsabilidade. 

Não nos iludamos acreditando que jamais nossos filhos vão discriminar outro negro pela cor da pele. Para que isso não aconteça temos que, pelo menos, nos propor a educá-los para a inclusão, para o acolhimento, para o respeito.

Potência e diversão

Com foco na educação dos nossos filhos e na nossa reeducação como pais, mães, como sociedade, vale marcar este Natal como largada para uma ação potente e divertida e transformadora e inclusiva e preta.

Discriminação positiva, para mim, é justiça restaurativa, é reparação. 

A minha criança quer bonecas abayomis e outras com todos os tons de pele – e mais as que tenham a  minha cor, na minha casa e na casa das minhas primas, amiguinhas e vizinhas.

A minha criança ama livros e quer ler, ouvir, histórias de príncipes encantados de cabelo black power, como O Pequeno Príncipe Preto, de Rodrigo França; histórias reais como a contada pelo rapper Emicida em Amoras, que problematiza as relações étnico-raciais desfazendo ideias enraizadas, como a de costumes, modos de vida, relacionamento, tradições e fábulas diversas, pessoas negras em papéis de submissão ou limitadas à período da escravidão. Conhecer contos africanos como o do macaquinho que foi o primeiro ser vivo a chegar na lua.

E ainda desenhos animados com personagens como o Super Choque e o bebê guerreiro Kiriku. Isso sem falar dos jogos como Mancala, considerado o “pai dos jogos”, da África.

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1 comentário em “A hora do presente preto”

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