Cota não é esmola
-Bia Ferreira
A cantora, compositora e multi-intrumentista Bia Ferreira é quem assina a coluna Sem Mordaça com a letra da sua música Cota Não é Esmola, de 2011, um de seus maiores sucessos por envolver temática ligadas ao então inédito sistema de cotas raciais, consolidado em março de 2018, quando foi lançado o seu registro acústico pela equipe brasileira do Sofar Sounds.
É MMP – Música de Mulher Preta , como ela define.
Existe muita coisa que não te disseram na escola
Cota não é esmola
Experimenta nascer preto na favela, pra você ver
O que rola com preto e pobre não aparece na TV
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Opressão, humilhação, preconceito
A gente sabe como termina quando começa desse jeito
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Desde pequena fazendo o corre pra ajudar os pais
Cuida de criança, limpa a casa, outras coisas mais
Deu meio-dia, toma banho, vai pra escola a pé
Não tem dinheiro pro busão
Sua mãe usou mais cedo pra correr comprar o pão
E já que ela tá cansada quer carona no busão
Mas como é preta e pobre, o motorista grita: Não!
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E essa é só a primeira porta que se fecha
Não tem busão, já tá cansada, mas se apressa
Chega na escola, outro portão se fecha
Você demorou, não vai entrar na aula de história
Espera, senta aí, já já da uma hora
Espera mais um pouco e entra na segunda aula
E vê se não se atrasa de novo, a diretora fala
Chega na sala, agora o sono vai batendo
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E ela não vai dormir, devagarinho vai aprendendo
que
Se a passagem é três e oitenta, e você tem três na mão
Ela interrompe a professora e diz: Então não vai ter pão
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E os amigos que riem dela todo dia
Riem mais e a humilham mais, o que você faria?
Ela cansou da humilhação e não quer mais escola
E no natal ela chorou, porque não ganhou uma bola
Ela cansou da humilhação e não quer mais escola
E no natal ela chorou, porque não ganhou uma bola
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O tempo foi passando e ela foi crescendo
Agora lá na rua ela é a preta do sovaco fedorento
Que alisa o cabelo pra se sentir aceita
Mas não adianta nada, todo mundo a rejeita
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Agora ela cresceu, quer muito estudar
Termina a escola, a apostila, ainda tem vestibular
E a boca seca, seca, nem um cuspe
Vai pagar a faculdade, porque preto e pobre não vai pra USP
Foi o que disse a professora que ensinava lá na escola
Que todos são iguais e que cota é esmola
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Cansada de esmolas e sem o dim da faculdade
Ela ainda acorda cedo e limpa três apartamentos no centro da cidade
Experimenta nascer preto, pobre na comunidade
Cê vai ver como são diferentes as oportunidades
Experimenta nascer preto, pobre na comunidade
Cê vai ver como são diferentes as oportunidades
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E nem venha me dizer que isso é vitimismo
Não bota a culpa em mim pra encobrir o seu racismo
E nem venha me dizer que isso é vitimismo
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São nações escravizadas
E culturas assassinadas
A voz que ecoa no tambor
E culturas assassinadas
A voz que ecoa no tambor
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Chega junto, e venha cá
Você também pode lutar
E aprender a respeitar
Porque o povo preto veio para revolucionar
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Não deixem calar a nossa voz não!
Re-vo-lu-ção
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Nascem milhares dos nossos cada vez que um nosso cai
(Marielle Franco, presente)
E é peito aberto, espadachim do gueto, nigga samurai!
Vamos pro canto onde o relógio para
E no silêncio o coração dispara
Vamos reinar igual Zumbi e Dandara
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Eu disse, cota não é esmola.”
Palavra de preta artivista que faz arte para se comunicar com a sociedade:
“Eu vivo de música desde os meus 16 anos. Precisei de dez anos para lançar meu primeiro disco. Fiquei seis anos tentando… Mas a gente é mulher preta. E mulher preta falando de política não tem muita gente que abraça…“
Bia Ferreira, por enquanto, tem um disco gravado, Igreja Lesbiteriana: um Chamado.
“Chamado” que, em alguma medida, vem de sua religiosidade.
Para ela, Jesus é preto e, por isso, foi crucificado.
“Chamado” que implica compromisso:
“Nunca me calar enquanto tiver alguém sendo oprimido. Enquanto tiver um preto com menos direitos, enquanto houver racismo, enquanto as cotas ainda forem negadas, eu não vou me calar…“
Para ela, Jesus é preto e, por isso, foi crucificado.
Filha de tradicional família evangélica, com mãe cantora, regente de coral e pianista, iniciou na música aos 3 anos de idade, estudando piano, depois violão e, atualmente, domina 24 instrumentos musicais, entre contrabaixo elétrico, cavaquinho, atabaque, djembe e bateria.
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