Hélia Rogério de Souza Pinto, pioneirismo de raça e gênero, acostumada a fazer história em quadra, desbrava novos territórios como treinadora da seleção feminina sub-17.
O que este artigo responde: Quem é Fofão no mundo do vôlei? Quais foram as conquistas de Fofão como jogadora? Qual é a importância de Fofão como técnica da seleção feminina sub-17? Como Fofão vê sua posição como técnica da seleção feminina sub-17?Quais são os objetivos de Fofão como técnica?
Quem relaciona o personagem infantil Fofão, com a Fofão do vôlei – nascida Hélia Rogério de Souza Pinto em 10 de março de 1970, na capital paulista – está absolutamente certo ou certa. A jogadora recebe esse apelido do técnico João Crisóstomo, que a vê jogando nas categorias de base no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, no Ibirapuera, e a leva para o Pão de Açúcar/Paineiras Esporte Clube. O treinador acha suas bochechas caídas parecidas com as do alienígena do programa Balão Mágico.
No Paineiras, José Roberto Guimarães, treinador do time adulto, sugere que ela mude de posição em quadra. Fofão concorda e, um ano depois, em 1991, chega à Seleção Brasileira de Voleibol.
Assim, ela deixa de ser atacante. E, como levantadora, disputa cinco edições dos Jogos Olímpicos – entre 1992 e 2008. Aliás, Fofão é a única jogadora de vôlei da história do Brasil a acumular três pódios olímpicos, incluindo duas medalhas de bronze.
A estreia acontece em Barcelona 1992. Mas é a despedida olímpica, em Pequim 2008, que marca a sua carreira: capitã do time, ela conquista a medalha de ouro.
A trajetória como jogadora – eleita a melhor do mundo na sua posição – encerra em 2015, aos 45 anos, com o título da Superliga Feminina pela equipe do Rio de Janeiro e a disputa do Mundial de Clubes, em Zurique, na Suíça.
Pioneira
Aos 52 anos, em 17 de fevereiro de 2023, uma sexta-feira, Hélia/Fofão se torna, outra vez, pioneira ao ser anunciada técnica da seleção feminina sub-17, a primeira mulher, a primeira negra, na história da seleção brasileira de vôlei. Isso desde 16 de agosto de 1954, data em que foi criada a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV).
Ao ser perguntada em entrevista à revista de negócios e economia Forbes como é ser a primeira mulher no comando de uma seleção brasileira de voleibol, ela se refere a uma ‘alegria triste’:
“Por um lado é uma honra muito grande, mas por outro é um pouco triste, até porque há muitos anos a gente vê mulheres no esporte e só agora isso está acontecendo. Então é uma mistura de felicidade com tristeza, de saber que isso não aconteceu anteriormente”.
O lado bom é que, ocupando a posição de técnica, Fofão acredita que haverá uma “mudança da noção de realidade”. Para ela, uma técnica consegue liderar a equipe feminina com mais sensibilidade. Sem contar que sua presença à frente da seleção pode ajudar no desenvolvimento e na formação das novas gerações:
“Uma mulher técnica consegue entender o lado feminino. Até porque eu fui atleta, vivi muitas coisas dentro de quadra. Acho que o ganho é ter esse entendimento do que é ser atleta e do que é ser uma atleta mulher… Muitas vezes, o que está acontecendo não é um problema dentro de quadra, é um problema de mulher… Essa minha vivência como jogadora vai me dar lucidez para entender tudo isso e poder contribuir para que não interfira no resultado dentro de quadra”.
Linha de restrição
É verdade que, neste mais de meio século de existência, a CBV transformou o voleibol brasileiro em uma máquina de títulos dentro de quadra e uma referência de gestão fora delas. Mas, mulheres, só em campo!
Mulheres integrando comissões técnicas de seleções nacionais, na CBV, tornam-se realidade em 2022 com Karina de Souza, auxiliar da seleção feminina sub-20, e Mirtes Benko, da sub-18 feminina.
E, em 2023, na também chamada “zona da frente” – linha pontilhada nos quatro lados da quadra, conhecida como “linha de restrição do técnico”, local onde ela ficará durante o jogo -, o desafio de Fofão será levar a seleção sub-17 feminina de vôlei à disputa do Sul-Americano, em busca de uma vaga no Mundial de 2023.
A ex-jogadora chega ao inédito – para mulheres e negras – posto de técnica da seleção feminina de vôlei com a certificação de treinadora e com a experiência de já ter sido coordenadora das seleções de base do Brasil.
“Ela é uma referência no esporte e, como primeira mulher à frente de uma seleção brasileira, será inspiração além das quadras”, projeta Jorge Bichara, diretor técnico da CBV.
“Fofão é uma profissional preparada, além de ter sido uma das jogadoras mais técnicas e inteligentes com quem tive a oportunidade de trabalhar. Ela vai ajudar na formação de novos talentos. Que seu pioneirismo no cargo sirva de exemplo, que surjam cada vez mais treinadoras no voleibol”, confirma a expectativa José Roberto Guimarães, que comanda a seleção principal.
E Fofão não deixa por menos:
“Tive identificação imediata com o desafio apresentado pela CBV. Estou no momento certo da minha carreira para aceitar esse cargo. Essa categoria é a porta de entrada para o universo das seleções brasileiras”.
Sub-17
O desafio de conquistar a vaga no Mundial, pode-se dizer, é o desafio macro. Fofão sabe que vai existir muita pressão. É a primeira mulher dirigindo uma seleção, as pessoas vão estar de olho, vão querer ver resultado e isso pode gerar muita ansiedade…
Não existe a exigência de ganhar o título do campeonato sul-americano, mas Fofão vai trabalhar para isso, para ter um bom desempenho e formar excelentes jogadoras:
“A expectativa é ver a evolução delas do momento em que elas chegarem até o momento em que elas saírem. Quero fazer com que tenham muita vontade de voltar, que não desanimem, não se desmotivem”.
E, antes de entrar em quadra, já ensaia uma preleção, buscando o melhor de suas comandadas:
“No esporte precisa ter muito foco e dedicação. Sem isso, fica muito difícil chegar em algum lugar ou alcançar algum objetivo. Então, se dedique muito, corra atrás de verdade daquilo que deseja, não é um caminho simples, mas quando a gente entende que é isso que quer pra vida, a gente vai lutar por esse espaço, não desistir quando as pessoas falarem não, e entender que cada um sabe onde pode chegar e tem o seu limite”.
Treinar x Ser treinada
Como atleta, Fofão viveu vitórias e derrotas, mas entende que o ensinamento maior vem das derrotas. Como técnica, fazer uso desse aprendizado, bem como compartilhar a experiência de ser parte da seleção brasileira de vôlei serão fundamentais no seu trabalho:
“Quando a gente treina, a gente tem uma visão dentro de quadra, eu tinha uma visão mais ampla como levantadora, tinha que tomar atitudes em milésimos de segundo. Como técnica, talvez tenha um tempo maior para pensar e agir. Agora do lado de fora, vou ter que observar o conjunto e não só a minha estratégia. Tenho de olhar tanto as jogadoras que estão em quadra quanto as que vão estar no banco”.
Quanto às referências para realizar o trabalho, não tem jeito, masculinas, “um pouquinho de todos os técnicos” que passaram pela vida de Fofão e que, de alguma forma, foram importantes e contribuíram para o seu desenvolvimento enquanto atleta.
Além do esporte
Fofão é do vôlei, mas Helia vai além do esporte: é sócia e embaixadora da marca de cosméticos Beleza Negra, de produtos desenvolvidos especialmente para pessoas pretas.
“Por muitos anos nós sofremos por não poder escolher aquilo que vamos consumir”, diz ela sobre sua identificação pessoal com o propósito da marca. “Como mulher negra, sei muito bem como funciona esse mercado e a necessidade que a gente tem de produtos de qualidade e mais variedade.”
Fontes: Ge.Globo, Gazeta Esportiva, Super Esportes, Forbes, COB, Metropoles
Maio 2023