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Josephine Baker, a mulher mais exótica do mundo

Bissexual, vedete, uma das artistas afro-americanas de mais sucesso na história da França e primeira grande estrela das artes cênicas. Espiã durante a 2ª Guerra, ativista de primeira linha, ergue a voz pelo fim da segregação racial.

Josephine Baker em Nova York, 1950 (Imagem: AP Photo File)
Josephine Baker em Nova York, 1950 (Imagem: AP Photo File)

Sinônimo de poder sob todos os pontos de vista. Freda Josephine McDonald, entre 1906 e 1975, vive vários eu’s: cantora, vedete, atriz de cinema, artista de rua, bailarina, pura sedução, jazzista, modelo, espiã, escritora, cantora, ativista, multiartista, mãe, esposa, amante de mulheres e de homens, carismática, reconhecida como vênus, pérola e deusa negra.

Na Grande Marcha de Washington por Empregos e Liberdade, em 1963, a do discurso de Martin Luther King, “I Have a Dream” (Eu tenho um sonho), na cidade de Washington,  Josephine Baker é a voz feminina a falar para os 200 mil  homens pretos presentes na manifestação. 

Espiã durante a Segunda Guerra Mundial, ela repassava segredos dos soldados alemães para a Resistência Francesa, através da música e das roupas íntimas.

Os holofotes a iluminam, pela primeira vez, em 3 de junho de 1906. Como todos os bebês, nasce nua e escolhe eternizar-se em trajes sumários, provocando no público um misto de fascínio e estranheza

Transgressora nata, de energia extasiante, supera todas as expectativas destinadas a uma mulher negra, de origem humilde, da América dos anos 1920, ao desrespeitar convenções sociais e, ao mesmo tempo, canalizar sentimentos de ativismo e resistência.

Saint Louis, no estado de Missouri, é sua cidade natal, seu ponto de partida. E ela começa a carreira tendo as ruas como palco em espetáculos de vaudeville – gênero de entretenimento de variedades – e com grupos mambembes.

Como corista,  atua no Gibson Theater na Filadélfia e, pelos circuitos da Broadway, participa de teatros de revista negros como The Chocolate Dandies e Plantation Club – apresentações que rendem convites para atuar no espetáculo La Revue Nègre, exibido no Theatre des Champs Élysées, de Paris, em 1925.

Ilimitada

Entre Saint Louis e Paris, o coração bate mais forte pela cidade luz – menos intolerante com as questões raciais, se comparadas aos EUA. 

E na primeira música que interpreta,  “Tenho dois amores, o meu país e Paris”, em 1930, no cassino da capital francesa, os franceses retribuem o amor  – grandes  personalidades como Christian Dior, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Pablo Picasso a colocam na categoria de musa.

Josephine Baker com sua icônica saia de bananas (Imagem: Reprodução)
Josephine Baker com sua icônica saia de bananas (Imagem: Reprodução)

Josephine encanta Paris e protagoniza momentos icônicos com a variação da dança charleston em topless – chamada Black Bottom -, coreografias cheias de  trejeitos arrojados e volúpia, o som do jazz e as atuações no cabaré Folies Bergère apenas com um cinto de bananas, ao lado de seu animal de estimação, um guepardo que atendia pelo nome de Chiquita!

Seu rosto,  não demora, estampa outdoors, campanhas publicitárias e cartazes, enquanto a carreira de palco alcança as telas de cinema. Ao todo, foram oito películas. A primeira,  La Sirene de Tropique, de 1927, conta a história de uma garota nativa apaixonada pelo branco europeu.

Vedete sagaz

Josephine, com seu talento, se transforma na vedete negra mais bem paga no mundo e é, geralmente, considerada a primeira grande estrela negra das artes cênicas.

Contudo, tais conquistas são mediadas, por ela, com grande perspicácia. Josephine sabe que brilha apenas em espaços de representação permitidos ao negro. Tem consciência do papel esperado nas suas atuações e usa da comicidade em suas performances para posicionar-se. Aí reside a sua sagacidade.

A partir da visão primitivista, exótica, atribuída ao seu corpo negro, por exemplo, ela subverte a ordem abusiva de empresários e agentes do showbiz.

A mídia, muitas vezes, define a performer como agressiva, “animalesca”, “grotesca”, de passos “toscos”, “bárbaros”. E ela se defende, irônica, colocando-se como alguém avessa a moldes tradicionais e fiel à sua intuição

O lado espiã

A serviço da mesma França, Josephine Baker aceita o papel de contra-espiã. Assim, aproveita os convites de embaixadas e países estrangeiros para se apresentar em diferentes lugares e recolher informações para a Resistência.

Os mesmos deslocamentos serviam para a transmissão de mensagens codificadas, escritas em suas partituras com tinta invisível, passando-as clandestinamente através das fronteiras em sua roupa íntima e contando com sua fama para não ser revistada.

Josephine Baker durante a Marcha de Washington, em 1963, da qual participou a convite de Martin Luther King Jr. (Foto: Reprodução)
Josephine Baker durante a Marcha de Washington, em 1963, da qual participou a convite de Martin Luther King Jr. (Foto: Reprodução)

Em sua casa, Josephine acomoda refugiados e revolucionários, “camuflando-os” como integrantes de sua banda.

Passada a 2ª Guerra, ela é condecorada pelo general Charles de Gaulle com a Cruz de Guerra, das Forças Armadas Francesas, e a Rosette de la Résistance (Medalha da Resistência) – duas das maiores honrarias que podem ser conferidas a uma pessoa. 

Em homenagem por sua atuação como informante do governo francês durante a resistência à ocupação na Segunda Guerra, adquire o grau de Cavaleiro da Legião de Honra. 

Durante esse período, ainda, Josephine faz turnês nas colônias francesas do Norte da África, onde coleta informações para os movimentos da resistência.

Mesmo com o fim da guerra, segue fiel e não silencia – quando o rei do Cairo pede que faça um show para seus cidadãos, ela se recusa porque o Egito não apoiou o movimento de libertação da França. 

Ativismo negro

Na América, combate a segregação racial, que havia experimentado em sua terra natal e em Nova York, no início da carreira, e na Berlim pré-nazista, quando foi chingada de “macaca”. 

É fato que nos início do século XX, intelectuais discutiam as questões raciais em peças teatrais como The Emperor Jones, de 1920, e Abraham’Bosom, de 1926, mas somente na década de 1960, as pautas antirracistas, pelos direitos civis, ganham fôlego. E Josephine diz “presente”, realizando viagens de retorno aos EUA com objetivo de articular-se com lideranças negras.

Ela se associa à  Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), participa de comícios e passeatas, contribui para a mobilização de milhares de norte-americanos, enquanto cumpre sua agenda de shows, sempre evitando hospedar-se em hotéis adeptos à segregação

Em 28 de agosto de 1963, participa em uniforme militar e com medalhas de guerra da Grande Marcha de Washington por Empregos e Liberdade a convite e ao lado do pastor ativista  Martin Luther King, no Lincoln Memorial. 

Mais de duzentas mil pessoas ouviram suas palavras neste momento decisivo na história do Movimento Americano pelos Direitos Civis, por uma coexistência harmoniosa entre negros e brancos.

A viúva do Luther King chegou a pedir que Josephine seguisse em frente como líder do movimento, em 1968, após o assassinato de seu marido. Ela se recusa.

Grande final

Josephine Baker estreia no Carnegie Hall, de Nova York, em 1973, ovacionada –  algo inédito por lá. 

De volta a Paris, revisita seus 50 anos de carreira Théâtre Bobino, em curta temporada que atrai o público cativo e saudoso de sua “pérola negra”. 

Josephine Baker em Paris (Imagem: Reprodução)
Josephine Baker em Paris (Imagem: Reprodução)

Dias depois, morre em sua cama, cercada por jornais que noticiam o sucesso absoluto de sua turnê.

Causa mortis:  hemorragia intracerebral

É 12 de abril de 1975. E ela gera outros pioneirismos:

  • A primeira afro-americana a receber honras militares francesas em seu enterro, lotando as ruas de Paris. Ela está no Cemitério de Mônaco, em Monte Carlo.
  •  A primeira pessoa negra da história a integrar o Panteão de Paris –  sexta mulher e primeira mulher negra -, entre as 80 personalidades ali, simbolicamente, reunidas, em um dos maiores monumentos da capital.

Cenotáfio

Os restos mortais de Josephine permanecem no cemitério de Mônaco, não muito longe do túmulo da Princesa Grace, que a apoiou nos últimos anos da sua vida. 

O que foi construído no Panteão é um monumento sepulcral em memória de um morto sepultado noutra parte, chamado “cenotáfio”.

Sua entrada neste espaço de celebração da vida bem vivida acontece 46 anos após a sua morte, como reconhecimento de sua luta permanente por liberdade e direitos para todos, em tempos de guerra e de paz. 

Ao aumentar o leque de franceses com honras de Panteão – na maioria estadistas, heróis de guerra ou escritores -, o presidente Emmanuel Macron quebra a norma e consegue ter o consenso de toda a classe política.

De volta ao começo

A vida de Josephine Baker é  repleta de altos e baixos, glórias e decepções, persistência e vitalidade. Aos oito anos, criança, precisava trabalhar para ajudar financeiramente a família. 

Pobre, negra e mulher não é bem tratada por seus patrões. Em um de seus empregos, a patroa a coloca para dormir na casinha do cachorro e queima suas mãos toda vez que comete um erro.

Josephine Baker (Imagem: Reprodução)
Josephine Baker (Imagem: Reprodução)

Aos treze anos, é forçada a se casar com Willie Wells, bem mais velho que ela uns 10 anos. Consegue divorciar-se, mas, aos 15, de novo, é forçada a se casar.

Na mesma idade, muda para Nova York e segue apresentando-se como artista de rua e segue sua jornada, driblando e enfrentando preconceitos e problemas financeiros que, inclusive, a forçaram a retornar aos palcos no fim da vida.

Amor

Após casar-se em 1937 com o judeu Jean Lion, empresário, que a auxilia com a agenda de espetáculos pela Europa, Josephine naturaliza-se francesa. 

Com o quarto marido, o compositor Jo Bouillon, constitui a “tribo arco-íris” –  como chama sua numerosa família numerosa -, com 12 crianças adotivas de várias partes do mundo: Janot, coreano; Akio, japonês; Luís, colombiano; Jari, finlandês; Jean-Claude, canadense; Moïse, judeu francês; Brahim, argelino; Marianne, francesa; Koffi, costa-marfinense; Mara, venezuelana; Noël, francês, e Stellina, marroquina

Após divorciar-se, as criou sozinha – um enorme peso financeiro, suportado com o apoio dos fãs. 

De seu ventre, um bebê natimorto, em 1941.

A face bissexual é percebida nas amizades e nas relações sui generis, como o encontro com a pintora mexicana Frida Kahlo em Paris, despertando rumores sobre uma possível relação homossexual.

Embora muitos historiadores e biógrafos neguem sua bissexualidade, seu filho, o historiador Jean-Claude Baker, declara em sua biografia, que a mãe era uma “amante de mulheres”, sem jamais negar seus muitos casos ao longo da vida.

Na outra América

Por quatro vezes no país, Josephine se apresenta no Rio de Janeiro, em São Paulo, Recife e João Pessoa.

Na primeira vez, em 1939,  contracena com o ator Grande Otelo, no espetáculo “Casamento de Preto”, no Teatro Cassino da Urca, na então capital do Brasil, o Rio de Janeiro. Juntos,  eles cantaram músicas como “Boneca de Piche”.

Na segunda, em 1952, é apresentada pelo Diário de Pernambuco como a “artista mais cara contratada para atuar no Nordeste“, popstar e uma das personalidades midiáticas mais controversas do século.

Josephine Baker por volta de 1970 (Imagem: David Redfern)
Josephine Baker por volta de 1970 (Imagem: David Redfern)

O detalhe bacana é que ela se apresenta no Teatro Santa Isabel, construído sem o uso da mão de obra de pessoas escravizadas, a pedido do engenheiro francês Louis Léger Vauthier – uma iniciativa progressista para o Brasil de 1841. 

Após arrebatar a plateia pernambucana, Josephine segue para João Pessoa (PB) e, depois, em excursão pela América Latina.

Por onde passa, denuncia o racismo.

Nos anos de 1963 e 1971, ela retorna ao Brasil.


Fontes: Wikipédia, Revista Híbrida, BN, JN, Metrópoles, Diário de Pernambuco

escrito em maio de 2022

3 comentários em “Josephine Baker, a mulher mais exótica do mundo”

  1. UM VERDADEIRO ÍCONE FEMININO!!
    UMA ETERNA MUSA SIMBOLO MÁXIMO DA RESISTÊNCIA NEGRA E FEMININA!!
    👸🏿💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖👸🏿
    🤜🏿💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖💖🤛🏻

  2. Bem diferente dos negros brasileiros, que se reúnem no conforto da academia para floreadas discussões sobre o racismo, mais que se engajam muito pouco em ações afirmativas concretas junto a bolsões de violência, pobreza, desinformação e racismo. Nesses lugares é mais fácil vermos a atuação de ativistas brancos que a presença de colaboradores negros.

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