Pular para o conteúdo

Partilha da África

Representação da Partilha da África (Imagem: Reprodução)

Não satisfeitos em escravizar o povo africano, os europeus invadiram o continente e tomaram para si as riquezas naturais , saqueando seus mais de 30 milhões de quilômetros quadrados.

Confira os ebooks do primeiros negros

"Elevando a autoestima" e "Ebó de Palavras", nossos dois ebooks pensados para impulsionar nossas potências negras.

O que este artigo responde: O que foi a partilha da África? Qual o objetivo da partilha da África? Quais países participaram da Partilha da África? Como foi feita a partilha da África? O que aconteceu com os africanos depois da partilha da África? Como o continente africano foi dividido?

No dia 15 de novembro de 1884, representantes de 14 países reuniram-se em Berlim, na Alemanha, na Conferência Internacional Africana que entra para a história como “Conferência de Berlim” ou “Partilha da África”.

Sentados a uma mesma mesa, com o mapa do continente africano reproduzido em 5 metros de comprimento e afixado na parede, homens brancos definiram os “princípios” que deveriam regular os direitos de navegação nos grandes cursos d’ água do continente, bem como a sua configuração geográfica, sem levar em conta – mais uma vez – o povo habitante da terra, suas dinâmicas locais e étnicas, história, tradições, cultura.

Trataram a África como terra de ninguém e a deixaram em pedaços, com o saque de todas as riquezas naturais do território… Na pilhagem, uma maioria de europeus. Mas norte-americanos também fizeram parte desta história da vida real da categoria “ali babá e os quarenta ladrões”. 

Sofisticados, porém, os membros de tal facção criminosa, chamados “diplomatas”, se sentiam motivados por interesses econômicos, políticos e estratégicos. Daí se encontrarem para formalizar a pilhagem.

Durante 15 meses, eles negociaram e delimitaram áreas de influência, estabeleceram novas fronteiras, criaram um novo código de direito internacional e regras para navegação nos principais rios do continente.

A este tempo, 12,5 milhões de escravizados – os números variam – já haviam sido raptados em África e traficados para a Europa e para as Américas.

A convocação

Quem faz o chamamento para a Conferência é o chanceler alemão Otto Von Bismarck. Ele quer evitar guerras entre as potências europeias pelos territórios africanos. O diplomata, entretanto, não convida nenhum mandatário africano para a reunião e “justifica” isso ao assinar uma caricatura satirizando o evento. 

Todos os europeus buscavam novas fontes de matérias primas e mercados para seus produtos manufaturados – o que existia, em abundância na África. Mas a competição entre as nações europeias por prestígio e poder estava atrapalhando os negócios.

Resumindo: a partilha serviria para pacificar os ânimos, sem transformar os participantes em “amiguinhos”. Até porque a posse de vastos territórios na África era vista como símbolo de poder, superioridade, sinal de grandeza e influência global.

Alto preço

Na época, os reinos africanos eram divididos por fronteiras naturais, definidas conforme os grupos étnicos que os compunham. Após a Conferência, entretanto, se criam fronteiras artificiais, segundo a vontade do colonizador europeu. Deste modo, etnias inimigas têm de conviver dentro de uma mesma região.

As tensões e conflitos presentes na África, hoje, têm suas raízes nessas divisões artificiais. Muitos países africanos enfrentam desafios na formação de identidades nacionais coesas devido à diversidade étnica e cultural forçada pelas decisões acordadas durante esta conferência.

A extração de recursos naturais, sem uma contrapartida de benefícios para as populações locais, também gera impacto profundo nas sociedades africanas e resulta na supressão de culturas locais, na imposição de línguas estrangeiras e na disseminação de práticas culturais europeias. Tradições e identidades originais se perderam.

Além disso, a ocupação europeia provoca resistência e insurreições de nações massacradas no decorrer do século XX. Igualmente, através da visão europeia, se espalha o mito de cunho racista de que os africanos são amaldiçoados por não aceitarem o cristianismo. Daí, serem  incapazes de prosperar.

A exploração econômica desigual resulta em disparidades no desenvolvimento das diferentes regiões do continente – algumas são beneficiadas, enquanto outras são deixadas em condições de pobreza e subdesenvolvimento.

Atualmente, o continente africano é o mais pobre do mundo e ainda há forte pressão sobre suas riquezas naturais, como petróleo, ouro, fosfato e diamantes.

Partilha da África

Camuflagem

O objetivo declarado da conferência era “organizar” a partilha, mas “por debaixo dos panos” cada país europeu queria mesmo é garantir as melhores porções do continente para si – todos queriam “se dar bem” às custas da África. Aliás, como “se deram bem” às custas dos africanos – o foco era o saque, o roubo, a pilhagem..

“Ocupação efetiva” é um dos princípios que eles estabelecem. Assim, uma potência europeia só poderia reivindicar um território na África se estivesse efetivamente ocupando e administrando a região. 

Aí, Portugal sai em primeiro lugar, uma vez que se encontrava no continente desde o século XV – utilizava a África como fornecedor de mão de obra escravizada,   um comércio lucrativo em que participavam Inglaterra, Espanha, França, Holanda e Dinamarca.

Civilizar o território africano (?!) é outro ponto contemplado para a partilha. Isso porque, no século XIX, existia a crença na superioridade de raças e de civilizações!!!

Leia o artigo As primeiras invenções africanas, datadas de antes da Era Comum, também conhecida como “antes de Cristo”.

As notícias do continente africano chegam à Europa por meio de relatos de expedições, que tinham finalidades diversas, tais como: mapear terrenos, medir o potencial geográfico e botânico, detalhar etnia; identificar matérias-primas e avaliar possibilidades de exploração; acabar com o politeísmo, com a antropofagia e instaurar o cristianismo…

Quer dizer, aspectos econômicos, religiosos e culturais têm influência sobre o desejo de posse dos mais de 30 milhões de quilômetros quadrados do nosso território. O europeu acreditava que era preciso “salvar” o africano da selvageria, do atraso e das práticas que eram tidas como condenáveis no Ocidente branco e “civilizado”. 

E, aqui, me permito reproduzir parágrafos do artigo Qual é a nossa identidade? sobre civilização e selvageria: 

Selvagem x civilizado

É comum as pessoas relacionarem tudo que é de África com o “selvagem”. E enfatizo o “selvagem”, entre aspas, porque, na minha cabeça, selvagem é quem escraviza, quem tortura, desrespeita, viola. 

A ideia de civilizado x selvagem é completamente distorcida e nós temos “comprado” essa ideia por não darmos conta das demandas de viver o cotidiano em uma sociedade racializada e racista.

Às vezes, a gente não percebe, inclusive, “parceiros antirracistas”, como o sociólogo Florestan Fernandes, que identificava problemas psicológicos nos escravizados e não conseguia identificar os mesmos problemas nos brancos, por ser o povo que estava escravizando.

Nos anos 1970, o MNU – Movimento Negro Unificado celebrava este intelectual branco que chegou a afirmar que, pelos problemas causados pela escravização, o negro não teve condições de competir em igualdade de condições com os imigrantes, que chegaram muito inteligentes e dispostos ao trabalho.

Essa distorção das pessoas brancas sobre si mesmas são a base, até hoje, de seu existir. É o livro de Cida Bento sobre o acordo dos brancos, no que diz respeito ao nosso existir, Pacto da Branquitude. Eles, os brancos, não têm coragem de ir para o divã e se colocar cara a cara com o próprio existir. Existir branco tão bem descrito por Monteiro Lobato, em trechos de O Presidente Negro, livro de ficção escrito em 1921, que reproduz a fala de um presidente branco no poder, impactado e indignado por seu sucessor ser o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos: 

“Não fala neste momento o presidente Kerlog (presidente da República dos Estados Unidos)… Fala o branco de crueldade fria, o mesmo que vos arrancou das minas, o mesmo que vos torturou… o mesmo que vos espezinhou… Como há razões de Estado, há razões de raça. Razões sobre-humanas, frias como o gelo, cruéis como os tigres, duras como o diamante, implacáveis como o fogo. O sangue não raciocina… E não trepidará o branco esmagar a América se for a condição para esmagar o negro. Acima da América… acima da justiça… acima das leis políticas… a voz do Sangue Branco… sempre”

Não deixe de ler o último intertítulo deste artigo, Caricatrura da verdade.

No centro da rivalidade entre os europeus estava a bacia do rio Congo, na região central da África, até então dominada por Portugal. Isso porque os rios eram as principais vias de acesso ao interior do continente, sobre o qual nada se sabia nada!

Até a década de 1880, apenas as regiões litorâneas da costa da África haviam sido ocupadas pelos europeus. Mesmo os portugueses, desde o século XV, mantinham contato com populações africanas ao sul do deserto do Saara – no interior, havia poucos postos. Tal realidade, inclusive, impôs a Portugal a perda de muitas regiões. Isso porque a conferência criou um novo conceito de direito internacional colonial, baseado não no direito histórico da descoberta mas sim na ocupação de fato.

Pela ata geral da Conferência de Berlim fica estabelecido: o livre comércio em toda a bacia do Congo e seus afluentes; a proibição do tráfico de escravizados e a definição de regras comuns nas relações internacionais. 

Dessa forma, a circulação de navios comerciais ou de transporte de passageiros permanece livre. E se impede a criação de monopólios ao longo de um dos principais rios do continente, garantindo que as mercadorias circulem pela região isentas de taxas de entrada.

Para garantir o cumprimento das regras, é acordada, ainda, a criação de uma comissão internacional de fiscalização para a bacia do Congo, de 4 milhões de quilômetros quadrados, a segunda maior bacia hidrográfica do mundo, depois da bacia do rio Amazonas, e que abrange dez países da África Central e Austral – Angola, Burundi, Camarões, Gabão, República Centro-Africana, República do Congo, Ruanda, Tanzânia e Zâmbia.

Caricatura da verdade

A África não é dividida “irmamente” entre os europeus, como sugere a charge de Otto Von Bismark do início deste artigo. Nada fica definido sobre as antigas ocupações nem tão pouco sobre os territórios do interior. Estipulam-se regras apenas para o futuro e limitadas aos territórios nas costas do continente africano.

Feita a partilha, as nações europeias seguem invadindo, de maneira gradativa, o território africano. Portugal, após a independência do Brasil, consegue manter suas possessões africanas, como Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique.

A Espanha ocupa as ilhas Canárias, Ceuta, Saara Ocidental e Melilla. E, para abastecer suas colônias caribenhas de escravizados, conta com o comércio feito por portugueses, franceses e dinamarqueses. 

A Bélgica estabelece a Associação Internacional da África, em 1876, com o objetivo de explorar o território correspondente ao Congo, que se tornaria sua propriedade pessoal. O país também ocupa Ruanda e ali instaura um sistema de divisão étnica, entre hutus e tútsis, com consequências desastrosas, como o genocídio em Ruanda, em 1994.

Por conta da Revolução Industrial, o Reino Unido, a maior potência econômica do século XIX, ocupa os atuais Nigéria, Egito e África do Sul, em busca de matérias-primas baratas para manter o ritmo do seu crescimento. E ainda invade áreas entre esses territórios como o Quênia, o Sudão e Zimbábue, entrando em conflito com quase todos os outros países europeus para expandir suas possessões.

A França ocupa o Senegal, em 1624, para garantir o fornecimento de escravizados para suas colônias no Caribe. Entre 1819 e 1890, assina tratados com chefes africanos, expande seus domínios para Argélia, Tunísia, Marrocos, Chade, Mali, Togo, Benin, Sudão, Costa do Marfim, República Centro Africana, Djibuti, Burkina Faso e Níger.

A ocupação da Holanda começa no século XVII na atual Gana. Ali, permanecem até 1871, quando vendem a possessão aos ingleses. Por meio de investidores privados, ainda, exploram o Congo em 1857. No entanto, é na África do Sul que permanecem mais tempo. 

Em 1871, a Itália parte para conquistar o mundo. No entanto, sem um exército poderoso, o país ocupa os territórios da Eritreia, parte da Somália e da Líbia. Tenta conquistar o reino da Etiópia, mas fracassa.

Leia Etiópia, a África não colonizada

A Alemanha, sede da Conferência de Berlim, ocupa os territórios correspondentes à Tanzânia, Namíbia e Camarões.

. . . . . .

No último dia da conferência, em 26 de Fevereiro de 1885, estavam presentes 19 representantes de 14 países que assinaram seu Ato Geral, composto de 4 declarações, 2 atos de navegação, 7 capítulos e 38 artigos. Tudo publicado em março do mesmo ano.

. . . . . .

Fontes: Mundo Educação, Brasil Escola, Toda Matéria, Ciência Hoje, RTP – Rádio e Televisão de Portugal

Escrito em 15 de novembro 2024

Compartilhe com a sua rede:

2 comentários em “Partilha da África”

    1. Alex, obrigada. Quando penso uma pauta, acredite, também me surpreendo com tanta história da gente que nem imaginamos. Temos muito a aprender sobre quem somos, sobre a força dos nossos que, de verdade, é a nossa força

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *