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Pilhagem de Natal: a história de Jesus é um mito africano

– Tania Regina Pinto

Ausar, Auset e Heru – pai, mãe e filho. (Imagem: Reprodução)


Com o nascimento de Jesus de Nazaré  “inaugurou-se” a Era Comum e o tempo passou a ser contado como “antes de Cristo”, a.C., e “depois de Cristo”, d.C.  Mas a narrativa que conta a história de sua mãe, Maria, e de como ela ficou grávida, está inscrita na Mitologia Africana, de antes da Era Comum. É conhecida como “Mito da Cosmogonia Kemética” e detalha a história de Auset, Auser e Heru que, no Cristianismo, foram nomeados Maria, Espírito Santo e Jesus.

Ah, sim, a cosmogonia busca explicar a realidade com base em mitos

E a palavra “kemética” é referência a Kemet, complexo de civilizações formadas por diversas nações africanas, comunidades agrícolas, ao redor do Rio Nilo, em uma área que se estendia desde a Núbia, Sudão, até ao rio Eufrates.

Evidências desse complexo datam de  3.300 antes de Cristo, 3.300 anos antes da  Era Comum, de acordo com achados da cultura Núbia. Kemet se desenvolveu por milhares de anos e se tornou a civilização com mais influência em sua época

Kemet é amãe” de todas as civilizações modernas.

Os antigos gregos foram os que chamaram Kemet de Egito antigo, mas as duas palavras representam identidades diferentes de um mesmo espaço – no período pré-dinástico, as culturas keméticas eram formadas pelas comunidades ribeirinhas ao longo do Rio Nilo;  depois, começaram a se unificar e formar pequenos Estados. E tudo começou há mais de 6.000 anos! 

Planalto de Gizé, Cairo.
Planalto de Gizé, Cairo. (Imagem: Ubisoft)

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Mito do herói humano

Ausar era um governante justo e sábio, amado por seu povo. Seu reinado é marcado pela paz e prosperidade. Ele desenvolve a palavra escrita, a agricultura, as artes, o direito e a teologia e quer espalhar seus ensinamentos.

Ele deixa Kush, o lugar onde vivia e segue ao longo do Vale do Nilo e ao redor do mundo, em viagens de ensino. No caminho, conhece Auset,  uma bela mulher núbia, a deusa do amor, se casa com ela, mas a deixa  em sua terra natal para seguir com seu propósito de professor.

Ausar é visto como um homem de ordem e virtude, um erudito exemplar. Toda a admiração que conquista, no entanto, provoca a inveja e o ódio de seu irmão, Set

Enquanto Ausar viaja por Kemet, unificando as tribos selvagens e dispersas no primeiro estado-nação do mundo, seu irmão o segue como um vento forte, tentando desfazer todas as suas realizações.

Set provoca animosidade entre os que estão sob o domínio de Ausar e proclama:  

“Que cada um faça como quiser!”

Assim, a  ilegalidade explode  em toda a região e a ordem que Ausar trouxe para Kemet começa a se deteriorar

Mesmo assim, Set não se dá por satisfeito: ele quer o fim do irmão, o poder do irmão. Não basta o caos que criou! 

Para conquistar o poder e o controle do reino, Set  mata Ausar, desmembra seu corpo em 14 pedaços e os espalha por Kemet, para que não pudessem ser encontrados. 

(Diferente de pênis, o falo estabelece uma relação direta com o poder, conflito masculino-feminino. Sem falo, sem poder. Por isso, inclusive, os escravizados eram capados.)

Quando Auset fica sabendo do assassinato do marido, parte para encontrar seu corpo e restaurá-lo à vida. Ela viaja por todo Kemet coletando os restos espalhados do corpo do amado e encontra todas as partes, exceto o falo, que tinha sido lançado no Nilo e comido por um crocodilo.  

E ela sofre duplamente com o assassinato de seu amado. Isso porque  os dois não haviam consumado o casamento e não haveria mais como fazê-lo.

Mesmo assim, Auset limpa cada pedaço do corpo de Ausar, ungi-o com óleo, envolve-o em lençóis e usa magia para trazer o marido de volta. Mas ele não é capaz de retornar à terra dos vivos e torna-se o deus do mundo dos mortos. 

Concepção e “subida aos céus”

A história original da família da Santíssima Trindade e das divindades africanas Heru (criança) à esquerda da foto, Ausar (pai) no meio da foto e Auset (mãe) à direita da foto.
A história original da família da Santíssima Trindade e das divindades africanas Heru (criança) à esquerda da foto, Ausar (pai) no meio da foto e Auset (mãe) à direita da foto.

Auset se desespera. Ele ouve os gritos da esposa durante a noite e, em espírito, a visita… 

Nove meses depois, Auset dá à luz Heru, dotado com o espírito de seu pai, que recebe a missão de derrotar seu perverso tio Set e restaurar a ordem no reino, como legítimo herdeiro de um Kemet unificado.

Heru cresce escondido – para evitar que Set descobrisse que Ausar tinha um filho ungido –,  mas o tempo todo prega sobre o reino de seu pai e prepara seus discípulos para o dia da batalha. 

A batalha entre as forças de Set, no Norte, contra as forças de Heru, no Sul, foi apocalíptica. E, no final, em vez de matar seu tio, Set,  Heru o amarra em correntes e o lança em um abismo.

No momento de sua vitória, Heru é transformado em um falcão e é chamado ao céu para ficar diante de seu pai e dar testemunho.

Ausar satisfeito, o abençoa e o envia de volta à Terra para governar como o legítimo faraó de um Kemet unificado. 

Com Heru no trono, Ausar também pôde descansar e assumir seu lugar como o Senhor do Submundo.

Nenhuma coincidência

Qualquer semelhança não é mera coincidência, a Bíblia é repleta de histórias da mitologia africana, bem como as mitologias grega e romana.

Leia, na coluna Sem Mordaça,  Racismo Religioso, entre a cruz e o chicote.

A história de Jesus foi tirada do Egito, de Heru, africano nascido de uma virgem. Heru nasceu antes de Cristo, antes da Era Comum,  filho de  Auset e Ausar. 

Há cerca de 3.500 anos, portanto, antes da Era Comum,  nas paredes do Templo de Luxor, no Egito, já havia imagens da Anunciação, da Imaculada Conceição (do latim, concepção), do Nascimento e da Adoração; de Hórus, com Thoth, anunciando à Virgem Ísis que ela conceberia Hórus; com Kneph, o “Espírito Santo”, engravidando a virgem, e com a criança atendida por três reis, ou magos, trazendo presentes.

Templo de Luxor
Templo de Luxor, Egito (Créditos: Diego Delso CC BY-SA delso.photo)

Este drama , a primeira história do Mito do Herói Humano, é um antigo conto de amor, traição, morte e renascimento que gira em torno das antigas divindades egípcias Ausar, também conhecido como Osíris, e sua consorte Auset, também conhecida como Isis , e seu filho Heru, também conhecido como Horus.

Em outras palavras:  a história dos negros Ausar, Auset e Heru foi recontada e adaptada de muitas formas diferentes.  Antes de se tornar em história de pessoas brancas: Maria, Jesus e o Espírito Santo; Ísis e Osiris da mitologia grega. Além de ter inspirado inúmeras obras de arte, literatura e música, e influenciado crenças e práticas de milhões de pessoas em todo o mundo.

Separando o joio do trigo

Destaque-se que na cosmogonia e na ciência africanas não existe culpa, não existe dívida a ser paga, nem fraude nem favor e, muito menos, “Jesus morreu para nos salvar”, ideia de amor-sacrifício… 

Como ensina o doutor em Filosofia e professor Renato Noguera, de quem ouvi a história de Ausar, Auset e Heru pela primeira vez, “o amor é uma canção do espírito, é frequência de vida confortável, sem modelo de perfeição”.

“Nos tempos modernos, a história de Ausar, Auset e Heru continua a ser celebrada e lembrada como um testemunho do poder duradouro do amor, da devoção e do espírito humano na construção de uma civilização com suas origens no Antigo Kemet”, avalia o professor.

Ao explicar o mito, o filósofo chama a atenção para o fato de cada um dos personagens do mito representar um elemento do nosso psiquismo:

“Set, deus do caos, representa o nosso desejo de poder e controle. Diante do medo, nosso desejo de prazer e satisfação se transforma em necessidade de controle. Desejo de poder e controle destrói a nossa conexão com a afetividade, nossa integridade, nossa capacidade de equilíbrio.”

Sobre o amor, ele afirma:

“Amor é afeto de restituição, mantém a vida em movimento, não nos paralisa. O medo existe, mas não precisa paralisar. É preciso se conectar com as emoções negativas, não dá para ficar mentindo para si mesmo.”

E propõe:

“No lugar do autoconhecimento, a auto intimidade, o contato com tudo que sentimos todo o tempo, sem auto sabotagem”.

Fontes: Afrokut, The African Explorer Magazine, Afrika Woke, The African Gourmet, curso “Filosofias africanas – passado, presente e futuro (ancestral)”, com Renato Nogueira e Katiúscia Ribeiro, em 16/7/2023

Dezembro 2023

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2 comentários em “Pilhagem de Natal: a história de Jesus é um mito africano”

  1. Lucila Helena Oliveira

    Bom seria se tivéssemos a.coragem dr praticar todo o nosso conhecimento. Sigo divulgando os saberes que atravessam meu caminho e agradeço aos primeirosnegros.com, por contribuir dando robustez ao meu repertório. Parabéns aos envolvidos.

  2. Lucila Helena Oliveira

    Bom seria se tivéssemos a.coragem de praticar todo o nosso conhecimento. Sigo divulgando os saberes que atravessam meu caminho e agradeço aos primeirosnegros.com, por contribuírem dando robustez ao meu repertório. Parabéns aos envolvidos.

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