Ela é a primeira em Sampa, a capital paulista, sétima cidade mais populosa do mundo. Foi ela quem montou o primeiro grupo formado só por seres humanos do sexo feminino, em 1986, o “Rap Girl’s” e participou da “Coletânea Consciência Black Vol.1”.
O que este artigo responde: Quem é Sharylaine? Qual foi o primeiro grupo de rap feminino em São Paulo? Quais são os principais temas abordados nas músicas de Sharylaine? Qual é a contribuição de Sharylaine para o hip hop feminino? Como Sharylaine combate o machismo e o racismo?
O hip hop da Zona Leste, onde nasce Sharylaine, conta há mais de três décadas com as suas rimas. Ela criou e consolidou o Fórum Nacional de Mulheres do Hip Hop e vem construindo e consolidando a atuação da mulher nesse gênero musical predominantemente masculino.
Música de macho
O hip hop emerge na década de 1970 nos subúrbios de Nova Iorque e chega fortemente ao Brasil no final da década de 1980 – com encontros semanais no pátio da estação São Bento do metrô de São Paulo -, tendo como grandes representantes os Racionais MC’s, Sabotage, Rappin Hood e Planet Hemp.
Desde seu auge, sempre em um contexto muito masculino, com letras que trazem à tona a realidade do sistema, refletida na periferia e, em alguns casos específicos, e refletem ódio, aversão às mulheres.
O hip hop chega como música de resistência, inclusive ao feminino. E Sharylaine, para ir à luta e se diferenciar dos manos, elegeu um figurino cor-de-rosa, um basta às avessas para a ideia de que a mulher não pode tudo:
“O papel da mulher é aquele que ela quiser.
Ninguém diz o papel que o homem deve desempenhar”.
Rosa choque
Como rapper, cantora, compositora, arte-educadora, produtora cultural, ativista cultural, social e política – assim ela se define -, Sharylaine é referência na luta contra o machismo e o racismo, realidades que se apresentam como os principais desafios das mulheres negras que fazem arte na periferia da cidade.
A invisibilidade é a principal barreira no processo de divulgação do que não é produzido nos grandes centros. Desafio aumentado sobretudo na cena hip hop e com protagonismo de mulheres negras: “Temos que ser magras, loiras, de cabelo liso. Temos a publicidade trabalhando contra nossa identidade”.
Outros sons
Suas composições abordam, ainda, o feminismo e a valorização da identidade de quem vive longe dos centros urbanos, nas bordas da capital.
Por isso, naturalmente ela passeia pelos ritmos e faz com que todos dialoguem. Em 1998, por exemplo, ela se dedicou ao reggae cantando no grupo Naybing Brothers, explorando outros aspectos da música negra.
“Em 1999 – ela confessa -, entrei no Coral da USP – Universidade de São Paulo e fiquei por três anos. Foi uma experiência muito boa, mas eu continuei fazendo rap.”
O samba chamou em 2005 e ela mergulhou de cabeça: concorreu na escolha do samba enredo para o Grêmio Recreativo e Cultural Flor de Vila Dalila, na zona Leste.
Em 2012, ela se incorpora ao coletivo Amigas do Sambas e começa a levar os seus raps em ritmo de samba. Dá certo.
“A minha música tem um pouco dos sons que eu ouvi a minha vida inteira. Eu era cercada por música. Ouvia os discos do meu tio DJ. Escrevia letras de músicas no caderno de repertório do meu pai. Na época de escola, tocava caixa na fanfarra”, recorda.
Atualmente, ela faz parte do corpo de intérpretes da escola, seguindo os passos de seu pai, intérprete de escola de samba Unidos de Santo Estevão, e da mãe, cantora, fã de Elza Soares.
A virada pro rap
O início no rap veio por conta da dança break. Ela fez parte Gangue Nação Zulu, uma das quatro primeiras crews de breaking. O ambiente da música de rua a levou na direção do microfone. “Na época, o b-boy Marrom fazia umas produções em K-7.
“Ele me deu uma fita para ouvir e eu adaptei para o ‘eu’ feminino, completei a letra e fiz o meu primeiro rap”.
Depois, com sua prima City Lee, decidiu criar o Rap Girls, que durou três anos. Em 1989, aos 20 anos, foi convidada para participar da coletânea Consciência Black, do selo Zimbabwe, que é até hoje um marco no rap nacional.
O vinil chegou às lojas um ano depois do centenário da abolição inconclusa da escravidão no Brasil. Veio com críticas pesadas contra o racismo, a violência policial e ao genocídio da população negra.
“Eu comprava discos com instrumental e fazia as minhas letras sobre essas bases. Mesmo sem um disco próprio, os baileiros me chamavam para os shows.”
E ela seguiu nessa pegada até 1996, uma figura atuante no hip-hop , engajada, cantando com grupos importantes como DMN, Guetto ZO e Vítima Fatal, entre outros.
Arte política
No início dos anos 2000, ela ajudou a criar o coletivo Minas da Rima, um projeto para pensar a mulher da cultura hip-hop em um cenário muito 90% masculino.
“Juntava eu, a Rúbia do RPW, a Lady Rap e trouxemos mais meninas para fazer a roda girar”.
Sharylaine também é uma das idealizadoras da Frente Nacional de Mulheres no Hip-Hop, que tem força e representantes em 17 estados brasileiros.
Sua produção musical tem ligação forte com a literatura marginal de Carolina de Jesus, autora do clássico Quarto de Despejo:
“Eu canto Carolina. É uma questão de identidade de vivência e do que vejo no dia-a-dia. É fascinante o olhar o que ela tinha e como tudo permanece atual. Tem muito a ver com as crônicas que a gente escreve como rapper”.
Nas eleições municipais de 2016, a rapper foi candidata à vereadora de São Paulo pelo PC do B – Partido Comunista do Brasil.
Registros
Sharylaine nasce Ildslaine Mônica da Silva, em São Paulo, capital paulista, no dia 10 de abril de 1969. Na trilha sonora de sua vida blues, jazz e samba.
Em comemoração aos 30 anos da cultura hip hop, no ano de 2015, a rapper lançou o videoclipe “Missão”, um aperitivo do disco “Sou Soul” da cantora. A ideia da música está no título: trazer o despertar da missão de cada um na vida, reforçando a ideia de que ninguém está sozinho e que todos temos muito a compartilhar.
A rapper Sharylaine, pioneira em várias frentes de batalhas, compôs clássicos como: “Saudade”, “Poderosa”, “Mina”, “Missão” e “Livre no Mundo”.
Confira alguns sons de Sharylaine, incluindo “Amigas de Verdade” com as “Rap Girl’s”, de 1986, no site do Noticiário Periférico.
Em 2010, sua garra é reconhecida com um prêmio pela carreira na cultura hip-hop.
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Fontes: Afreaka, Blog do Beto Zulu, Periferia em Movimento, O rebucete
Escrito em abril de 2021