“Não comprável e Não mandável” – este é o slogan da primeira mulher negra a candidatar-se à Presidência da República dos Estados Unidos pelo Partido Democrata e, também, a primeira negra a chegar ao Capitólio, o Congresso Nacional americano, como deputada federal.
O que este artigo responde: Quem é Shirley Chisholm? Por que Shirley Chisholm é pioneira? Quando Shirley Chisholm candidatou-se à Presidência dos Estados Unidos? Qual a formação de Shirley Chisholm? Contra quem Shirley Chisholm concorreu? Como Shirley Chisholm conseguiu a indicação do Partido Democrata? Shirley Chisholm teve filhos? Por que fizeram um filme para contar a história de Shirley Chisholm? Quais as principais bandeiras políticas de Shirley Chisholm?
por Cinthya Gomes*
E este é só um pedacinho da história da filha mais velha de um casal de imigrantes que nasceu nas primeiras décadas do século XX e que é contada no filme “Shirley para presidente”, do diretor John Ridley, lançado em março de 2024.
Shirley Chisholm se apresenta como candidata à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata no ano de 1972 – é a primeira mulher, e negra -, depois de se tornar a primeira deputada negra do país.
No filme, Shirley Chisholm é vivida pela atriz Regina King. E, pelo trailer, já se percebe a ousadia e os desafios enfrentados pela líder política:
- “Tenho uma coisa para lhe contar. Eu vou concorrer à Presidência” – afirma Shirley para um interlocutor branco, jovem e perplexo, que pergunta:
- “Dos Estados Unidos?”…
“Estou abrindo caminho para que pessoas iguais a mim sejam eleitas” – avisa à sua plateia sem melanina, em outro momento.
E, dos seus iguais, chama atenção:
“Tudo que vocês têm é seu único voto.”
(Pessoas negras conquistaram o direito ao voto nos EUA só em 1965)
Mas o filme, bem como este artigo, não trata só da carreira política de Shirley Chisholm, mas de sua vida, profissão, amores, do racismo e do preconceito que pessoas de origem africana, nascidas em todas as partes do mundo, enfrentam no cotidiano.
Shirley Chisholm é símbolo da luta pela conquista de direitos. Ela nasce nos anos 1920, de segregação racial explícita, rompe as barreiras impostas pela cor da sua pele e por ser mulher e supera as expectativas de sua comunidade durante sete mandatos consecutivos, entre 1969 e 1982, como representante do 12° Distrito de Nova Iorque.
Política americana Shirley Chisholm, 1972.
© Pictorial Parade/Arquivo de fotos/Getty Images
A Presidência
Desbravadora, Shirley Chisholm começa elegendo-se a primeira deputada federal mulher e negra, no ano de 1968. Quatro anos depois, conquista outro pioneirismo como a primeira mulher negra, do Partido Democrata, candidata à Presidência dos Estados Unidos.
É o ano de 1972, ela está com 47 anos e anuncia sua candidatura para as prévias internas do partido com um slogan que define quem ela é como pretende trabalhar:
“ Unbought and Unbossed”
(em tradução livre, “‘não-comprável’ e ‘não-mandável'”)
A campanha enfrenta dificuldades de organização e financiamento desde o começo – ela tem acesso a 300 mil dólares durante todo o processo. E pensar que, passados 52 anos, outra mulher negra do mesmo partido, Kamala Harris, concorrendo à mesma Casa Branca, tinha 346 milhões de dólares nos cofres dos seus comitês um mês antes das eleições!
Mas voltemos a Shirley… Como candidata, ela aborda questões cruciais para os Estados Unidos, de ontem e de hoje, como sistema judicial, violência policial, reforma prisional, controle de armas e combate ao abuso de drogas. Luta, de forma apaixonada e incansável, por justiça e igualdade.
Todo seu esforço é para ser escolhida como candidata do Partido Democrata. E ela concentra suas forças nas primárias no estado da Flórida. Acredita que os movimentos de negros, mulheres e jovens vão favorecer a sua candidatura. Ignora a disputa inicial em New Hampshire, estado mais conhecido pela prática de esportes de inverno. Acaba em sétimo lugar entre os candidatos do seu partido, contabilizando 2,7% do total dos 16 milhões de votantes.
Mas a sua derrota não acontece só por erro de estratégia. Durante a campanha, tem de lidar com três ameaças de morte e passa a receber segurança pelo Serviço Secreto dos Estado Unidos. Até então, seu guarda-costas era o detetive particular Conrad O. Chisholm, seu marido.
Quando questionada sobre o resultado da eleição, entretanto, ela aponta em outra direção:
“Quando concorri ao Congresso, quando eu concorri à Presidência, encontrei mais discriminação por ser mulher do que por ser negra. Homens são homens”.
A candidata sente o preconceito duplamente em sua trajetória política. Seus poucos colegas negros, em quem ela esperava confiar, apoiaram homens brancos a ajudar uma mulher que lutava contra a segregação racial.
Shirley perde as primárias para George McGovern, que concorre à Presidência e é derrotado por Richard Nixon, do Partido Republicano.
Mas a luta continua. E como cofundadora da Organização Nacional de Mulheres dos Estados Unidos, Shirley Chisholm reforça sua bandeira feminista:
“As mulheres neste país devem se tornar revolucionárias. Devemos nos recusar a aceitar os velhos papeis e estereótipos tradicionais”.
Língua afiada
Uma das características de Shirley Chisholm é o domínio das palavras. Antes de entrar na política, ela conquista prêmios em competições de debate, no Brooklyn College, onde se forma em Artes, e “atrai” os colégios da elite branca e nacionalista dos Estados Unidos, que a querem como aluna.
Diplomada, a ativista se torna referência como profissional da educação – autoridade em educação infantil – e constroi sua sua base política participando de clubes majoritariamente brancos no Brooklyn e na Liga de Mulheres Eleitoras. Isso, entre 1959 e 1964.
No poder
Sua jornada de mulher com poder político, entre 1965 e 1969, é na Assembleia Estadual de Nova Iorque. Seu sucesso na legislatura inclui uma espécie de seguro-desemprego a trabalhadores domésticos desempregados e o programa SEEK – Search for Education, Elevation and Knowledge, que garante, a alunos desfavorecidos, a chance de entrar na faculdade, enquanto recebem ensino de recuperação intensiva.
Pelo Partido Democrata, também, em 1968, ela conquista o pioneirismo de ser a primeira mulher negra eleita para o Congresso dos Estados Unidos e – depois da experiência frustrada da pré-candidatura à Presidência da República – segue com seu mandato e é reeleita seis vezes.
Depois da posse no Capitólio, em Washington, como deputada federal, Shirley é nomeada para o Comitê Agrícola da Câmara, mas considera a indicação uma afronta – ela é educadora – e ao seu eleitorado. E, após apoiar Hale Boggs para líder do Congresso, consegue a transferência para a Comissão de Educação e Trabalho, onde ocupa o terceiro posto mais importante.
Seu gabinete é formado exclusivamente por mulheres – metade delas negras. Mais que isso: ela desempenha papel fundamental na criação de organizações comprometidas com a igualdade racial e de gênero.
É membro fundadora da bancada negra do Congresso americano, a Congressional Black Caucus, em 1971, e contribui para a fundação da National Women’s Political Caucus, que tem o foco em recrutar, treinar e apoiar mulheres que buscam cargos públicos.
Ao longo de seus 14 anos como deputada federal, Shirley Chisholm trabalha para melhorar as oportunidades para os residentes do centro da cidade; apoia o aumento de gastos com educação, saúde, serviços sociais, e a redução dos gastos militares; se opõe ao envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã (1959-1976) e à expansão do desenvolvimento armamentista; defende tratamento digno para os refugiados do Haiti; pressiona para que o governo expanda o programa de auxílio alimentação para pessoas de baixa renda e faz campanha pela adoção do salário mínimo..
Junto com a advogada e amiga Bella Abzug, aprova projeto de lei que envia US$10 bilhões de dólares para fundos federais em serviços de cuidados infantis até 1975, para atender 1.262.400 crianças menores de cinco anos que recebem assistência social – o presidente Richard Nixon veta a iniciativa, que considera cara.
Fora do Congresso
Shirley é esposa do jamaicano Conrad O. Chisholm, com quem se casa logo após a formatura. Uma união que dura quase 30 anos – de 1949 a 1977. O diagnóstico para o fim: falta de compreensão mútua sobre os desafios e compromissos políticos.
Mas Shirley não fica só por muito tempo. No mesmo ano da separação, se casa com o líder empresarial Arthur Hardwick, que está ao seu lado na política desde 1966. Os dois vivem juntos até 1986, quando ele morre.
Três anos antes, em 1983, aposentada do Capitólio, sem um mandato político para cumprir, ela retoma sua carreira como educadora. Leciona disciplinas na área de ciência política e sociologia, ministra palestras em universidades por todo o país e atua como embaixadora dos Estados Unidos na Jamaica.
A família
Filha de Charles St. Hill, trabalhador da Guiana, na América do Sul, e Ruby Seale, costureira de Barbados, no Caribe, nossa pioneira é a primeira estadunidense da família, registrada hirley Anita St. Hill, nascida em Nova Iorque, em 30 de novembro de 1924.
É a mais velha das quatro filhas do casal. Suas irmãs são: Odessa, Muriel e Salma. Com dificuldades para conciliar o trabalho com a criação das filhas, em 1929, Charles e Ruby mandam as meninas para a casa de parentes em Barbados.
As quatro meninas vivem com a avó materna e as tias por cinco anos.
Nesse período, aprendem a ler e a escrever – uma experiência que Shirley menciona ao longo de sua carreira política, ao reforçar a importância de uma educação precoce.
Ao retornar ao Brooklyn, com 10 anos, durante o ensino fundamental, a menina Shirley percebe que seu sotaque forte de Barbados pode lhe trazer dificuldades – principalmente por ser uma jovem negra e inteligente em uma escola de alunas brancas e ricas.
Não é por acaso que ela projeta como quer ser lembrada no futuro:
“Eu quero que a história se lembre de mim… não como a primeira mulher negra a ter feito uma oferta pela Presidência dos Estados Unidos, mas como uma mulher negra que viveu no século 20 e ousou ser ela mesma. Eu quero ser lembrada como um catalisador para a mudança na América”.
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Shirley Chisholm morre aos 80 anos, no dia 1º de janeiro de 2005, em Ormond Beach, Flórida, devido a múltiplos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). Seu corpo está na Forest Lawn Cemetery, em Buffalo, Nova Iorque.
Sobre sua vida, ela deixa publicados os livros “Unbought and Unbossed”, de 1970, e “The Good Fight”, de 1973.
Em 2015, o ativismo de Shirley Chisholm é reconhecido, pelo então presidente Barack Obama, com a Medalha Presidencial da Liberdade, considerada a maior condecoração civil dos Estados Unidos.
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Escrito em 2 de novembro de 2024
*Com a Redação
Fontes: Geledés,
Netflix, CNN Brasil, Marie Claire, Aventura na história, Portal Terra, Wikipédia, Negrê, Wayback Machine