Surfistas negras, pioneiras do Brasil
– Primeiros Negros
Yanca Costa, Erica Prado e Nuala Costa (Imagens: Divulgação)
“Chegamos pelo mar, escravizados.
Uma mulher preta dominando uma onda, dominando o mar, para nós,
é a imagem da cura.”
Este o sentimento escancarado na fala de uma das participantes da série documental Janainas: Deusas do Mar. E “Janaína”, vale saber, significa “deusa do mar”, “rainha do mar”, “mãe dos peixes”, “sereia dos rios”, uma forma de se referir à Iemanjá.
Quantas surfistas negras estão na elite do surfe mundial?
Quantas surfistas negras estão na elite do surfe nacional?
Quantas surfistas negras estão nos programas de televisão sobre surfe? Quantas surfistas negras você conhece?
As respostas para essas perguntas denunciam a falta de visibilidade e apoio que meninas e mulheres negras sofrem em nossa sociedade, incluindo no mundo do surfe.
Mas existe o Movimento Surfistas Negras – responsável pela abertura deste artigo -, criado em maio de 2019, com o objetivo de mudar esse cenário. E Érica Prado é o nome por trás desta ação transformadora, uma espécie de vitrine para mulheres e meninas negras do surfe.
Leia o artigo com a história de Érica Prado com mais detalhes sobre o Movimento Surfistas Negras.
Questão de pele
“Sabe o que determina quem vai ter patrocínio no surfe?” – pergunta Érica, para ela mesma responder: o número de seguidores no Instagram e a cor da pele.
E se alguém questiona a falta de patrocínio para surfistas negras, a justificativa, de sempre, é: “não existem surfistas negras”!
Só que a verdade é que sempre existiu preconceito, sempre existiu racismo, como denuncia Nuala Costa, a primeira a representar profissionalmente seu estado no circuito brasileiro, ainda na década de 1990, e a trazer o ativismo negro feminino para o mundo do surfe, com o coletivo antirracista TPM – Todas para o Mar, em 2016.
Leia o artigo com a história de Nuala Costa.
Além das ondas
Nuala Costa e Érica Prado decidiram ir além das manobras do surfe para transformar a história do surfe feminino e negro. Érica com o Movimento de Surfistas Negras e Nuala com a TPM.
Jornalista carioca e ex-surfista profissional, Érica conquistou o título de campeã baiana em 2006 e percebeu que, como jornalista especializada em esportes, sua vida seria “mais fácil” – pelo menos com mais conforto – e movimentou-se para, atuando na imprensa especializada, colocar luz sobre meninas e mulheres que surfam no Brasil e fora dele, sejam elas competidoras ou não.
As duas têm contas no Instagram, mas vão além fazendo a ponte entre quem precisa de patrocínio e quem quer apoiar atletas, desconstruindo a ideia de que não existem surfistas negras, ao mesmo tempo que investem na formação de novas gerações de surfistas.
As duas concordam que é inaceitável, por exemplo, uma líder no ranking de surfistas profissionais estar sem patrocínio.
Yanca Costa
Érica conta que a primeira surfista negra a ganhar espaço em sua página nas redes sociais foi Yanca Costa, uma das melhores surfistas do Brasil, que começou a competir aos 9 anos de idade.
Com o apoio dos pais, Yanca tornou-se referência no Ceará, onde nasceu – ela é da capital Fortaleza – e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde venceu um campeonato aos 14 anos, qualificando-se para uma competição internacional.
Na sua jornada, Yanca lembra, em entrevista na série documental Janaínas, que “a família comia arroz com farinha para ela poder participar de campeonatos nos quais o prêmio era uma camiseta e um troféu”. Quando ela soube que no surfe profissional se ganhava dinheiro, decidiu investir ainda mais na carreira, mirando o posto de primeira negra na elite do surfe.
Erica conta que Yanca foi quem motivou o surgimento do Movimento Surfistas Negras. Isso porque apesar de um desempenho excelente nas competições nacionais – campeã brasileira em 2021 e um dos principais nomes da modalidade no país -, Yanca enfrentava falta de patrocínio e investimento:
“Percebi que ela, como eu no passado, sofria com a falta de patrocínio. Depois do @surfistasnegras e do documentário ‘Janaínas: deusas do mar’, de 2021, com surfistas como protagonistas, ela conseguiu patrocínio. Com o Movimento, marcas e empresas começaram a entrar em contato, a buscar atletas para patrocinar, fazer publicidade, fechar parcerias…”
“Elite”
Antes de Yanca, a deusa do mar de Paracuru, no Ceará, Silvana Lima, durante muito tempo, a única atleta negra a segurar a bandeira da representatividade no mundo do surfe.
Silvana Lima é a brasileira – e negra – que chegou mais perto do título – duas vezes vice-campeã – e passou dez anos na elite.
Teve bons patrocínios, mas nada à altura das suas conquistas. Passou diversos perrengues na carreira. Chegou a vender rifas para conseguir viajar e participar de etapas do Circuito Mundial.
De origem humilde, na infância, Silvana surfava com pedaços de madeira ou pranchas emprestadas. Aos 13 anos, ganhou sua própria prancha, presente de aniversário de um dos irmãos.
Em 2002, aos 17 anos, Silvana mudou para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades para se tornar surfista profissional.
No primeiro ano, participou de duas competições, venceu, ganhou um carro como prêmio, vendeu e comprou uma casa para a mãe e os irmãos, que até então viviam em uma barraca na praia.
A partir de 2003, consegue alguns patrocínios e, em 2006, está na cena do surfe profissional, conquistando primeiras posições em campeonatos mundiais. Isso até 2012, quando lesiona ligamentos do joelho e não consegue participar das competições.
Em 2014, ela cria a campanha #FreeSilvana para arrecadar fundos e fala publicamente sobre o problema com os patrocinadores, que, segundo ela, só queriam investir em surfistas que tem o corpo de modelos.
Para continuar participando das competições, mesmo sem patrocínio, ela vende apartamento, carro e até os filhotes de seu bulldog.
Em 2016, apesar das dificuldades, ela é novamente campeã e retorna ao campeonato mundial, onde permanece por mais três anos e, em 2020, se classifica para representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Se a história da maior surfista que o País já teve é essa, como será a história de outras surfistas negras no Brasil?
Outras deusas
Maria Tita Tavares escreve seu nome na história do surfe como a primeira mulher a tirar uma nota 10 feminina no Circuito Mundial. Também cearense, ela integra a elite do surfe mundial durante uma década e conquista quatro títulos brasileiros.
Sua história está em um dos cinco episódios da série documental Janaínas: Deusas do Mar, ao lado de Tilamarri Santos e Suelen Naraísa.
Suelen Naraisa, bi-campeã brasileira, presente no ranking mundial aos 26 anos, conta dos desafios de ter enfrentado um câncer no início de sua carreira no surfe aos 10 anos e de como chegou aos 37 anos, com uma escola de surfe:
“Após muitos anos como competidora, sofrendo preconceito de cor e de peso, conseguindo patrocínios de valor muito baixo por ser mulher, hoje o surf faz parte do meu trabalho, sou professora. E o meu objetivo é colocar o maior número de pessoas em pé numa prancha para sentirem a sensação maravilhosa que é surfar”.
Tilamarri Santos é a única mulher a pegar onda de pranchão. Ela é longboarder, rapper e empreendedora, enfrentou a maternidade na juventude e um marido que não a deixava surfar.
De Itacaré, na Bahia, aprendeu a surfar dando aula de surfe!!! Ela trabalhava como guia turístico para estrangeiros. Não tinha prancha e os turistas queriam aprender a surfar. Assim, ao mesmo tempo ela ensinava e aproveitava para treinar com as pranchas que eles alugaram. Ela era a única mulher preta.
Hoje ela tem seu negócio – aluga pranchas.
Nuala, Érica, Silvana,Tita, Yanca, Tilamarri, Suelen e tantas outras enfrentaram e enfrentam ondas de preconceito, discriminação, racismo e seguem vencendo dentro e fora das água sob as bênçãos de Iemanjá, projetando a cura do nosso povo.
Questão de gênero e raça
Mas que não se pense que, no surfe, as mulheres brancas “nadam de braçada”: a situação do surfe feminino nunca foi confortável!
Na lista Top 10 do Brasil consta o nome de oito homens e duas mulheres, brancas.
“Enquanto um homem com um título ganha 10 bilhões em patrocínio, uma mulher com oito títulos ganha 2 bilhões”, compara Érica Prado, indicando o tamanho da luta que a mulher negra tem pela frente. “Tem várias meninas negras com patrocínios, mas patrocínios significativamente menores”.
Para a jornalista, hoje a sociedade está mais aberta para a discussão do racismo, mas não se pode esperar uma mudança efetiva da sociedade do dia pra noite:
“O surfe é um esporte machista e racista, apesar da maioria dos praticantes negarem. Por isso a representatividade no surfe importa.”
Bloco final, com resumo e CTA
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Fontes: Terra, Canais Globo, Mundo Negro, Mana Surf, Estadão, Blog Redley, Instagram – Nuala Costa, TPM Todas para o mar, Wikipédia – Silvana Lima, entrevistas com Nuala Costa e Erica Prado em maio 2023
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