O primeiro a brilhar em uma telenovela no horário nobre nos anos 1960, faz da história do seu povo sua razão de existir como cineasta.
Zózimo Bulbul, por suas interpretações na televisão e no cinema, é um dos ícones negros século XX. Ele interpretou Rodney, o ator principal de Vidas em Conflito, da extinta TV Excelsior, em 1969, a primeira telenovela com protagonismo negro da televisão brasileira, além de ser uma importante referência do Cinema Novo.
Ator, cineasta, produtor e roteirista, participa da nossa história negra como um dos maiores expoentes da Cinematografia Afro Brasileira nas décadas de 1960 e 1970. Zózimo fez da história do povo negro no Brasil o seu caminho através do cinema.
Toda a sua produção cinematográfica denuncia as diferenças, a solidão, a discriminação e a desigualdade que o povo preto vive no Brasil, mas sempre com um olhar de luta e de desafio.
Zózimo desenvolve sua arte crítica em um tempo em que se vivia o período do “milagre econômico” e de “ufanismo modernizante”, com o Brasil, governado por militares, montando o mais cruel sistema repressor que o país já viveu – os chamados “anos de chumbo” – e também “anos áureos ” do cinema.
Em cena
Como ator, Zózimo desponta em filmes muito importantes na História do Cinema Brasileiro. Em 1963, trabalha em Ganga Zumba, de Cacá Diegues; em 1967, atua em Terra em Transe, dirigido por Glauber Rocha; em 1968, é a vez de A Compadecida, de George Jonas.
Ao todo, são mais de 30 filmes, clássicos como Compasso de Espera, de 1969, de Antunes Filho – que ficou quatro anos sob censura -, e As Filhas do Vento, de 2005, primeiro longa-metragem dirigido pelo pesquisador e cineasta negro Joel Zito Araújo.
As estreias
A estreia da carreira de Zózimo como ator, entretanto, não se dá na tela grande e, sim, no teatro, no palco do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes – UNE, nos anos 1960.
E, no cinema, seu primeiro trabalho – Pedreira de São Diogo dentro do filme Cinco Vezes Favela, de 1962 – sela, registra, um encontro fundamental, na base de toda a sua trajetória. No mesmo set de filmagem está Abdias do Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro – TEN, em 1940.
Nas palavras do cineasta e pesquisador mineiro Joel Zito Araujo, o também político Abdias do Nascimento foi fundamental na produção artística de Zózimo, em depoimento à Revista Raça, em novembro de 2016 :
“É possível ver uma continuidade entre a obra cinematográfica e a ação artística e militante de Zózimo Bulbul com a herança deixada por Abdias do Nascimento. Foram metas comuns aos dois denunciar o falso mito da democracia racial, combater a discriminação contra o negro e promover sua autoestima. É o que podemos ver tanto na obra dramatúrgica e plástica de Abdias Nascimento quanto nos filmes de Zózimo Bulbul.”
Na direção
Como produtor e roteirista, Zózimo realizou, até 2009, inúmeros curtas e um longa, todos com o foco na valorização da cultura negra no Brasil, no olhar para o negro. Entre eles, Aniceto do Império (1981), Samba no Trem (2000) e Pequena África (2002).
Sua primeira obra de autoria, o curta-metragem em preto-e-branco Alma no Olho, de 1974, é uma metáfora sobre a escravidão, com a música “Kulu Se Mama”, de Julian Lewis, interpretada pelo saxofonista John Coltrane. O filme é fruto da influência do livro do pantera negra Eldridge Cleaver, Soul on Ice – no Brasil, traduzido como Alma no Exílio.
Zózimo Bulbul dirige filmes importantes, mais conhecidos no exterior do que no Brasil, como o documentário Abolição, que acumula prêmios em festivais internacionais.
Lançado em 1988, o documentário propõe uma reflexão crítica sobre o centenário de assinatura da Lei Áurea, registrando as imagens e o pensamento dos mais importantes personagens do movimento negro brasileiro na segunda metade dos anos de 1980.
Em 2010, por ocasião dos anos da 50 anos de independência do Senegal, a pedido do governo daquele país, Zózimo roda o filme Renascimento Africano.
Encontros de Cinema
2007 tem como marca a fundação do Centro Afro Carioca de Cinema Zózimo Bulbul, que desenvolve um trabalho de conscientização, memória e referência para a Cinematografia Afro Brasileira.
Com oficinas, debates, seminários, lançamentos de livros e mostra de filmes nacionais e internacionais, o espaço incentiva a busca de novos caminhos no cinema, aumento de autoestima e da compreensão do mundo.
As mostras, aliás, conhecidas como Encontros de Cinema Negro são seu principal legado e representam um marco na história do Cinema Negro no país, pois não só retomam a discussão sobre a consolidação do campo das cinematografias negras no mundo como representam um posicionamento político a respeito destas produções.
Na perspectiva de Bulbul, para ter um filme exibido em seus Encontros, o realizador ou realizadora tinha de ser negro ou negra.
Cinema Negro, tal como ele concebia, é o fruto de subjetividades negras projetadas na tela.
Jorge da Silva, o pioneiro
Zózimo Bulbul é o nome artístico de Jorge da Silva. ‘Zózimo’ era apelido de infância, e ‘Bulbul’, palavra de origem africana incorporada ao nome artístico mais tarde como forma de manifestação política, semelhante ao que fizeram Muhammad Ali e Malcolm X.
Ele nasce e morre no Rio de Janeiro – de 21 de setembro de 1937 a 24 de janeiro de 2013, em consequências de um câncer no colo do intestino.
Setenta e seis anos de vida plena de realizações, de personagens, como o homem da pedra, em Quilombo; Carmichael, em Veneno da Madrugada; Babatunde, em A Deusa Negra; Ariranha, em O Cangaceiro Sem Deus, entre outros.
Setenta e seis anos de luta para garantir um lugar ao negro brasileiro nas artes e uma triste e sintomática “curiosidade” sobre o seu pioneirismo na televisão brasileira:
- Foram precisos 18 anos para que um negro fosse o ator principal desde que a telenovela foi criada, em 1951;
- Mais 29 anos para que este mesmo ator participasse da segunda e última novela – Xica da Silva, na TV Manchete, em 1996.
Como registro de uma passagem pela tv, ainda, a participação na minissérie Memorial Maria Moura, na TV Globo.
Conheça também o pioneirismos de Chadwick Boseman, Lupita Nyong’o, Lena Horne e Will Smith.
Fontes:
Tese “Cinema e Representação racial: o cinema negro de Zózimo Bulbul”, defendida no departamento de sociologia da USP em 2006 e reportagem realizada por Pamela Valente
Zózimo Bulbul: cineasta negro pioneiro – RFI
Zózimo Bulbul: esse é o cara! – NewYorKibe
https://pt.wikipedia.org/wiki/Z%C3%B3zimo_Bulbul
Escrito em agosto de 2009
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