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Ariana Miyamoto, a Miss Japão negra

Primeira negra representante da beleza na terra do sol nascente, top 10 no concurso Miss Universo, a miss mais comentada de todos os tempos e a mais discriminada em seu país de origem por sua vitória.

Ariana Miyamoto (Imagem: Jonathan Addler)
Ariana Miyamoto (Imagem: Jonathan Addler)

No dia 12 de março de 2015, a representante de Nagasaki, Ariana Miyamoto, vence o concurso Miss Japão em Tóquio, competindo com outras 44 finalistas japonesas. Sua vitória inicia uma controvérsia estética. Ariana, 20 anos, é a primeira Miss Japão miscigenada, preta.

Filha de mãe japonesa e pai afro-americano, a pioneira tornou-se alvo de muitas críticas e mais racismo! Várias pessoas foram à internet reclamar do júri por ter escolhido alguém que “não é japonesa o suficiente”

Na desaprovação, ainda, justificativas como parecer “muito estrangeira” (gaijin), com  “muito sangue negro para ser japonesa”, ser “pouco japonesa”, não representar a “típica beleza japonesa”, caracterizada por olhos mais puxados e pele branca…

“A Miss Japão não deveria pelo menos ter um rosto japonês de verdade?”,

questionou um jornalista.

Mas por que uma pessoa nascida e criada no Japão não pode ser considerada nativa?

(vale perguntar)

Os repórteres sempre perguntam que parte dela é mais japonesa e sua resposta é única:

 “Eu sou japonesa”. 

Ariana nasceu –  em 12 de maio de 1994 –  e cresceu em Sasebo, província de Nagasaki, Japão. 

Seus pais se divorciaram quando ela tinha um ano de idade e ficou com a mãe.  Aos 13 anos, emigrou para os Estados Unidos, estudou por lá durante dois anos, morando com o pai em Jacksonville, Arkansas.

De volta à pátria, habilitou-se para pilotar motos de grande porte, especializou-se em Shodô, caligrafia japonesa, e conquistou o título de Miss Nagasaki, representando a prefeitura no concurso Miss Japão.

Abaixo o racismo

No ano de sua maior conquista,  declarou que a discriminação a deixava ainda mais motivada, “torcendo”para que sua aparência – e, melhor ainda, sua vitória – faça a população aceitar os japoneses que consideram diferentres.  Mas Ariana sabe que há um longo caminho a ser percorrido, uma vez que o seu povo tem orgulho de sua aparente homogeneidade.

Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)
Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)

Nada diferente do que acontece com a tenista nipo-haitiana Naomi Osaka, que chegou a ser retratada em uma animação da empresa Nissin, fabricante de macarrão instantâneo, com a pele branca

A experiência como Miss Japão negra a levou a usar a vitória no concurso como bandeira para conscientização das dificuldades enfrentadas por outros mestiços em um país que ainda se considera monoétnico.

“Até hoje não sou vista como japonesa; acham que sou estrangeira. No restaurante sempre recebo o cardápio em inglês e vira e mexe me elogiam por saber comer com hashi. Quando digo que sou japonesa, as pessoas não acreditam, dizem ‘ah, não pode ser’.

Quero mudar o coneito do que é ser japonês. ”, 

afirma a moça que usa sua língua mãe e é exímia caligrafista de ideogramas.

“Meio-negra”?!

Apesar de todo o preconceito, há quem afirme – incluindo as outras concorrentes do concurso – que foi exatamente por ser meio-negra que ela chamou tanta atenção. 

Quando Ariana Miyamoto foi coroada Miss Japão 2015, muitas participantes disseram que ela roubou a cena com seu gingado, sorriso contagiante e autoconfiança tranquila e  surpreendente para seus 21 anos. Não foram só sua beleza e atitude que chamaram a atenção.

Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)
Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)

Outros estudiosos do jeito de ser japonês comentam que sua vitória acabou com a hierarquia implícita de que quem tem pele mais clara é mais bonito.

“Ariana é a Miss Japão mais comentada de todos os tempos. Sem contar que não deu chance às outras candidatas com sua dança, a elegância do vestido de noite e o corpo perfeito no desfile de biquíni”, afirma Stephen Diaz, repórter do Missosology, site que cobre concursos de beleza.

Infância discriminada

Durante suas entrevistas como miss, Ariana conta que é racialmente discriminada desde a infância:  

“Sempre que o professor nos dizia para darmos as mãos, as outras crianças pensavam que minha pele negra iria passar para elas, então elas diziam: ‘Não me toque‘”.

 Alguns de seus colegas de classe em Sasebo, Nagasaki, falavam coisas como: 

“Não nade na mesma piscina porque sua pele vai passar para mim”. 

Ariana se lembra de pessoas jogando lixo nela na escola. De colegas de classe e até pessoas  adultas comentarem de forma pejorativa seus cabelos encaracolados e a chamarem de “kurombo”, uma expressão racista usada no Japão.

A dor que faz morrer

Ariana cresceu e viu um de seus amigos  – filho de casamento multirracial também – cometer suicídio depois de vivenciar experiências de exclusão social e não se sentir encaixado na imagem de um japonês tradicional.

“Ele tinha 20 anos e sofria com problemas de identidade. Quando ele morreu, decidi que tinha de fazer algo a respeito”,  disse ela à agência de notícias EFE.

A decisão de participar do concurso, aliás, foi tomada por causa desta tragédia. E muitos encaram o resultado do concurso, a vitória de Ariana, como prova de que, aos poucos, o Japão começa a aceitar uma imagem mais “colorida” de si mesmo.

Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)
Ariana Miyamoto (Imagem: Reprodução)

Há quem considere, no entanto, que o fato representa apenas o início da discussão sobre multiculturalismo, com o Japão abrindo mão de tradições arraigadas e deixando de lado preconceitos que só causam dor e matam.

“Ariana nos dá uma nova oportunidade de desafiar a antiga máxima de que é preciso ter cara de japonês para ser japonês”, diz Megumi Nishikura, a cineasta meio-japonesa, meio-americana que codirigiu o documentário de 2014 “Haafu”.

Mas o fato de ser a primeira japonesa mestiça a representar o país no Miss Universo 2016 e ficar entre as dez finalistas no concurso 2016, por exemplo, não diminuiu a rejeição, apesar de, antes dela, a melhor posição para o Japão no concurso mundial ter ocorrido em 2007.

DNA

“Haafu” – este é o termo, que vem da palavra inglesa “half” (metade) – utilizado para designar japoneses mestiços que, cada vez mais, ganham destaque social, principalmente nos esportes e na TV.

Mesmo assim, no Japão, sociedade fundada em estéticas e características seculares, a aceitação e convívio com os “haafu” ainda é um desafio para muitos.

Praticamente toda a diversidade japonesa vem dos filhos das uniões com estrangeiros, mas representam uma porção pequena, embora crescente, da população. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 20 mil crianças com um dos pais não japonês nascem todos os anos, o que corresponde a 2% do número total.

E é senso comum a predominância das características físicas orientais nos descendentes de famílias multirraciais. Só que esta verdade não vale para a Miss do Japão 2015: sua herança genética faz com  que pareça “não tão japonesa assim” aos olhos dos mais conservadores. 

Ariana possui fortes características negras, feições, cor de pele, olhos e cabelos, dentro de um país onde a população não está habituada com a diversidade e estranha características físicas de pessoas de nações próximas, como Coréia do Sul e China. 


Depois das passarelas, em agosto de 2017, Ariana tornouse- embaixadora honorária do turismo de sua cidade natal, Sasebo, que abriga a base naval dos EUA em que seu pai estava estacionado, quando conheceu sua mãe.

Entre dezembro de 2017 e abril de 2021, a ex-miss anunciou seu casamento com um homem de Hong Kong e o nascimento de dois filhos.


Fontes: BBC, Cultura Japonesa, pt.Wikipedia; en.Wikipedia, Cidade Verde, O Tempo, Correio Nago 

Escrito em 19 de agosto de 2022

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