Ministra Negra Já!!!
– Primeiros Negros
Cartaz produzido por Robinho Santana/@robinho_santana para a mostra “Juízas Negras Para Ontem” (Reprodução/Revista Gama)
Movimentos negros de todo o país lançam campanha para pressionar o presidente da República a escurecer o Supremo Tribunal Federal (STF). Se é um governo de reconstrução, é urgente colocar uma mulher negra na mais alta corte do país.
O que este artigo responde:
- a importância de uma ministra negra no STF,
- ações do movimento negro para que a primeira mulher negra chegue ao STF,
- o perfil dos ministros da maior corte do Brasil
Agosto de 2023. O movimento Mulheres Negras Decidem (MND) apresenta lista tríplice para que uma mulher negra assuma uma cadeira na alta cúpula do Poder Judiciário com a saída da ministra Rosa Weber. Os nomes indicados são da juíza carioca Adriana Cruz, da promotora baiana Lívia Sant’Anna Vaz e da advogada gaúcha Soraia Mendes.
Mais de 50% da população é negra e feminina. Esta realidade não se reflete na democracia brasileira em nenhum dos três poderes. O destaque é o Poder Judiciário, o mais injusto de todos!
A campanha quer sensibilizar a sociedade civil e a comunidade jurídica sobre a importância de haver mulheres negras ocupando cadeiras no STF. Se uma das juristas da lista tríplice assumir o cargo, será a primeira vez que o Brasil terá uma mulher negra como Ministra da mais alta corte do país!
“Não se trata de representação, apenas. Nosso maior objetivo com a campanha é chamar atenção para um assunto que define a vida cotidiana da população brasileira.”
(Tainah Pereira, coordenadora de Política do MND)
Dados reunidos pela Gênero e Número revelam que desde sua criação, em 1808, o STF teve suas cadeiras ocupadas 95% do tempo por homens brancos, 2,4% por mulheres brancas e 2,7% por homens negros.
“Enquanto o Poder Judiciário for formado majoritariamente por pessoas brancas, a aplicabilidade das leis será baseada no falso argumento de que ‘não existe racismo no Brasil’. Isso mantém pessoas negras em lugar de vulnerabilidade em todos os setores da sua vida social” afirma, Tainah Pereira)
As indicadas
Adriana Cruz
- doutora em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro;
- mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC- Rio) e
- especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Pesquisa os impactos dos processos de criminalização na democracia, além de relações raciais e de gênero nas instituições do sistema de justiça. É juíza instrutora no Supremo Tribunal Federal desde 2015.
Lívia Sant’Anna Vaz
- doutora em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa;
- mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e
- especialista em Estudos Afro-latino-americanos e Caribenhos pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales.
É promotora de justiça do Ministério Público do Estado da Bahia desde 2004 e atua na Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa desde 2015.
Soraia Mendes
- pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
- doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília e
- mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Tem mais de vinte anos de docência e diversos livros publicados, especialmente na área de Direito Criminal e Gênero, citados tanto no STF quanto na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Muitas vozes
Março de 2023. Um documento intitulado “Manifesto por juristas negras no Supremo Tribunal Federal”, assinado por mais de 80 entidades da sociedade civil, incluindo o MND, foi entregue à Presidência da República, sob o argumento de que a indicação de uma mulher negra é a oportunidade de suprimir uma lacuna na democracia brasileira.
Destaca o manifesto:
“… há muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada, que assim preenchem os requisitos constitucionais para serem Ministras do STF. Ademais, muitas são também comprometidas com o espírito emancipatório e progressista inerente à nossa Constituição Federal e os direitos de trabalhadoras e trabalhadores em geral, foco desse Governo de Reconstrução”.
Em mobilização para ter a primeira ministra negra no STF, também, movimentos negros de todo o Brasil lançaram o site ministranegranostf.com.br para a população enviar um e-mail ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pressionar na indicação.
Logo de cara, o site estampa seu ponto de vista:
“Em um país com mais da metade da população composta por mulheres e pessoas negras, é inexplicável que o STF nunca tenha sido ocupado por uma. Chegou a hora de mudar essa história!”
“Não podemos aceitar mais um ministro conservador. Queremos uma ministra negra e progressista para ocupar a Corte…”
Por que?
Os organizadores citam dados do último censo realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que mostram que a nossa população é formada por: 51,1% de mulheres; 56,1% de pessoas negras, sendo 25,4% mulheres negras.
E, ainda, informações da mídia:
- Folha de S. Paulo: “apenas 7% dos magistrados de primeira instância no Brasil são mulheres negras. Na segunda instância, esse número é ainda menor: não passa de 2%”.
- Brasil de Fato: “68% da população carcerária do Brasil é negra. Ao mesmo tempo, são também as pessoas negras a maior parte dos presos injustamente no país”.
“O presidente Lula tem sido pressionado para escolher mais um homem branco e nós não podemos ficar de braços cruzados. É preciso levar nossas vozes à Brasília. Faremos História pressionando Lula para que ele nomeie uma ministra negra. Vamos lotar a caixa de e-mails do presidente com um só recado: escolher uma mulher negra progressista para o STF não é um favor, é reparação histórica – ainda que tardia!”
Compartilham da mesma ideia e assinam a campanha:
- Coalizão Negra Por Direitos;
- Nossas,
- Instituto de Defesa da População Negra; Mulheres Negras Decidem;
- Instituto de Referência Negra Peregum;
- Observatório da Branquitude;
- Utopia Negra Amapaense;
- Coalizão Nacional de Mulheres;
- Girl UP;
- Movimento da Advocacia Trabalhista Independente;
- Lamparina;
- Instituto Marielle Franco;
- Movimento Negro Evangélico e
- A OAB Tá On.
“A participação popular é instrumento essencial para a consolidação democrática. Possibilitar que a população participe mais ativamente, influenciando decisões importantes para o país como as que são tomadas pelo STF, garante que conteúdos não fiquem restritos a uma classe reinante que historicamente domina o judiciário.”, afirma Maysa Carvalhal, advogada do Instituto de Defesa da População Negra.
O entendimento é que a redução da desigualdade e erradicação da marginalização pressupõe promover diversidade de raça, classe, gênero e sexualidade nos postos de comando e decisão para que os problemas do Brasil sejam interpretados por gente que os conheça. Daí, ser essencial, ter uma ministra negra progressista no STF. Só assim, se pode avançar na transformação do sistema de justiça brasileiro.
Além fronteiras
A campanha para que o presidente Lula indique uma mulher negra no STF chegou à reunião da cúpula do G20, em Nova Deli, capital da Índia, há menos de um mês da saída da ministra Rosa Weber do posto, em 2 de outubro.
Outdoors instalados por movimentos sociais e entidades brasileiras em defesa da indicação de uma mulher negra e progressista para a vaga foram instalados na principal via de saída do aeroporto por onde passarão autoridades do mundo inteiro.
O entendimento é que a redução da desigualdade e erradicação da marginalização pressupõe promover diversidade de raça, classe, gênero e sexualidade nos postos de comando e decisão para que os problemas do Brasil sejam interpretados por gente que os conheça. Daí, ser essencial, ter uma ministra negra progressista no STF. Só assim, se pode avançar na transformação do sistema de justiça brasileiro.
“A ausência total de nossa participação no STF é flagrante dado histórico e isso se dá independente das nossas carreiras, dos nossos currículos, títulos, premiações, publicações, trajetórias ou relevantes contribuições sociais. Parece que, em se tratando de tribunais superiores, nada que juristas negras sejam ou façam nos habilita à sua composição.”. declara Maíra Vida, integrante da Coalizão Negra por Direitos
Outra campanha, #PretaMinistra, movida pelo Instituto de Defesa da População Negra junto com a Coalizão Negra por Direitos, também ganhou visibilidade internacional ao ter um vídeo exibido na Times Square, em Nova York.
“Ela tem um sonho” – avisa o vídeo ao mostrar a imagem da atriz mirim Lua Miranda, uma menina negra, que diz: “Quando eu crescer, quero ser ministra do STF”.
Em seguida, uma frase alerta:
“Nunca antes na história desse país, uma menina negra conseguiu realizar esse sonho”.
#PretaMinistra tem, ainda, o curta-metragem Todo mundo tem um sonho, em que questiona a falta de ministras negras no Supremo que poderiam inspirar crianças negras a querer ocupar este espaço de poder.
Anielle Franco
A ministra da Igualdade Racial do Governo Lula, Anielle Franco, em artigo publicado em 3 de setembro de 2023, no site Poder 360, intitulado “Ministra negra para o STF é o elo entre 2 mundos” ,destaca a necessidade de se “dar um firme passo à frente no desenvolvimento democrático do nosso país” com a indicação de uma profissional do direito negra para a Corte Suprema brasileira. Para ela, esta é uma forma de fortalecer e salvaguardar a Constituição Federal.
Anielle declarou que, “Uma advogada negra na Suprema Corte aponta necessariamente para o caminho do equilíbrio e da equidade que embasam o ideal de justiça.”
E a ministra da Igualdade Racial escreve mais:
“A venda no rosto da estátua da justiça, simbolizando a imparcialidade, não pode ser um lenço de indiferença que o pensamento único ou assemelhado promove, mesmo que involuntariamente. A justiça não é cega, ela enxerga as realidades de amplas matizes para julgar nas bases do Estado democrático de direito…”
Anielle Franco considera que, para além do cargo, uma mulher negra no STF representa uma ressignificação simbólica das mulheres negras no imaginário social, moldado pelo racismo, que desumaniza continuadamente o povo negro:
“A representatividade irradia transformação… Opera um poderoso estado de mudança que ressignifica as referências, a autoestima, a postura frente ao mundo. Altera a voz de quem fala e a atenção de quem ouve”.
Por fim, em seu artigo, a ministra reforça que não se trata de uma mulher negra, mas da primeira mulher negra, que carregará o peso de abrir a porta tardia, mas que sem dúvida dará passagem a outras e tornará a Corte mais forte e mais capaz de realizar seus julgamentos.
Arte ativista
Ainda na defesa da diversidade na Justiça do Brasil, para além do olhar branco, quinze capitais brasileiras amanheceram em 13 de setembro de 2023 com obras de arte de rua sobre a importância de ter uma mulher negra como ministra no Supremo Tribunal Federal.
A ação “Juízas Negras Para Ontem” é resultado da produção de 24 artistas negros que foram convidados para engrossar a luta com sua arte, transformando as ruas em espaço de exposição democrático, aberto e acessível a todos.
“Ter uma mulher negra no STF é uma questão de Justiça. Ocupar esse espaço de poder é uma ação de enfrentamento de injustiças históricas e um passo na reparação. Não faz sentido que a suprema corte do poder judiciário nacional não tenha representação equivalente ao que é o povo brasileiro (…) As obras que integram esta Mostra não deixam dúvidas de que existe uma demanda pulsante na sociedade por mais igualdade de raça e gênero no STF.”
Setembro 2023
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