
COLUNA DE ECONOMIA POLÍTICA
Por Tania Regina Pinto
Nota Preta” significa “muita grana”. Algo que perseguimos e que, apesar de todas as desigualdades que marcam nosso existir, temos garantido às nações do mundo, desde sempre – com a força do nosso trabalho e a venda compulsória dos nossos corpos, quando da escravização.
Este espaço é para falar de Economia Política das Relações Raciais, contar um pouco da história de pioneiros africanos e afrodescendentes com dinheiro e sem dinheiro, compreendendo o cifrão, como parte do nosso DNA.
No radar: desigualdades, desafios, reparação, ações afirmativas, filantropia negra, histórias de sucesso, continuadas e descontinuadas…
O que podemos fazer, juntos, para ocupar nosso lugar de direito no mundo?
Que a coluna nos sirva de in$piração!
Você vai ler sobre:
– O custo da desigualdade racial;
– Inovação africana;
– Maloca Games, desafio de um negócio pioneiro;
– Racismo no mercado de luxo;
– A escravização e o Banco do Brasil.
EDIÇÃO 2
As cifras da desigualdade racial
O custo salarial da desigualdade racial é de R$103 bilhões por mês!
Em outras palavras: os trabalhadores negros e as trabalhadoras negras deixam de receber 103 bilhões de reais por mês em função da desigualdade racial. Isso, levando-se em conta, dados de desemprego e salário. A informação é do Núcleo de estudos raciais do Insper – instituição de ensino que atua nas áreas de negócios e direito – ,
E mais: as profissões têm cor. Funções predominantemente negras estão nas áreas de serviços e da construção civil – as mais braçais e com menor remuneração. Mais de 60% dos carpinteiros, trabalhadores de serviços domésticos e de minas e pedreiras são do povo negro. Já a maioria dos juízes, médicos, dentistas, arquitetos, engenheiros, economistas e profissionais da área das tecnologias são parte da população branca.
Na mesma empresa, fazendo exatamente o mesmo trabalho, a pessoa negra também ganha menos! Constata outra pesquisa sobre políticas públicas e o enfrentamento das desigualdades no país
Os números aparecem nas estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, entre os anos de 2012 e 2023. E análise é do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais – CEDRA.
Na análise de Hélio Santos, presidente do conselho deliberativo do CEDRA, o custo de toda essa desigualdade salarial se reflete, também, em outros indicadores que contam quem somos e como vivemos.
A maioria dos lares onde a renda é de até um salário mínimo por morador, por exemplo, tem pessoas negras como chefes de família. “A renda média do trabalho principal das pessoas negras, a 11 anos atrás, era de 57.8% do recebido por uma pessoa branca. E, agora, aumentou para 59%. Quer dizer, para cada R$100 de renda média de um branco, a pessoa negra recebe R$59” – compara o executivo.
Alguma perspectiva de mudança?
No ritmo que está, não. Negros e brancos no Brasil estarão no mesmo patamar de renda só no ano de 2365!
“Temos que pensar em políticas maiores, que confrontem a pobreza extrema, para além do programa Bolsa Família. É preciso pensar numa política de regeneração da família de risco. E isso pede, além de recurso público, tecnologias novas” – ” – propõe. “Temos que trabalhar em dois campos – um, das políticas voltadas para a população negra, políticas específicas, e, simultaneamente, pensar noutras políticas para sintetizar… Se a gente desenvolver políticas adequadas, dentro de 30 anos, talvez consigamos equilíbrio entre a população branca e a população negra.”
Leia entrevista completa com Hélio Santos
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Inovação africana
A África segue como polo de interesse econômico global por conta de sua vasta riqueza em recursos naturais. O petróleo e o gás natural são especialmente importantes para economias como a da Nigéria e de Angola, enquanto África do Sul e Botsuana se destacam pela mineração de ouro e diamantes.
Mas, para além dos recursos naturais, muitas nações africanas estão investindo em tecnologia, agricultura e turismo sustentável. O Quênia, por exemplo, é um hub de tecnologia apelidado de “Silicon Savannah”; já Ruanda e Gana têm-se destacado por políticas de inovação e desenvolvimento sustentável.
No Camarões, comunidades estão reinventando o passado para gerar energia limpa, unindo bioenergia e saberes ancestrais. Usando processos biológicos inspirados no conhecimento tradicional, desenvolvem sistemas que transformam plantas e resíduos em eletricidade. Essa tecnologia, adaptável ao cerrado ou ao semiárido, desafia a lógica de grandes usinas e oferece energia a baixo custo para populações locais.
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Maloca Games, desafios de um negócio pioneiro
Rennan Gonçalves é um dos fundadores e diretor executivo da Maloca Games, um negócio pioneiro: jogos focados em protagonismo negro, representatividade e afrocentricidade.
Rennan é game economic designer, o cara que cria o sistema econômico dos jogos digitais. Ele se compara a uma “espécie de Banco Central dos games”, a autoridade monetária que, no caso, garante a estabilidade e o poder de compra de jogos e jogadores. Mas ele confidencia que, na vida real, adoraria encontrar investidores negros que garantissem a estabilidade de seu negócio. A questão é que são pessoas brancas as que investem. E é muito difícil lidar com elas:
“É como um casamento… Se você casa com uma mulher branca, todo dia você tem que explicar pra ela porque você está triste, explicar o racismo, porque ela não sabe o que você está sentindo… Com um investidor branco, eu tenho que mostrar pra ele porque eu tenho que fazer desse jeito, explicar direitinho, porque ele não passa pelo que eu passo. Agora com uma pessoa preta dentro do processo fica tudo mais fácil. As dores são nossas e tudo vai fazer sentido”.
O processo para a busca do investidor, na visão de Rennan, é outro desafio. Isso porque tem sempre muita gente batalhando por um patrocínio. E, no processo, todas as despesas correm por conta dos empreendedores que precisam do dinheiro e, no final, só um consegue recursos para tocar seu negócio. “É um jeito branco de investir no empreendedorismo negro, onde apenas um consegue!”
Existe, até, o que Rennan define como uma “sensação de status” quando você fica entre os finalistas, mas é um sentimento equivocado, porque, no final, a maioria, incluindo os finalistas, permanece no anonimato.
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Racismo no mercado de luxo
Negros e negras com dinheiro fazem parte da realidade brasileira. Mesmo assim, a branquitude – incluindo a que não tem dinheiro – resiste, a ponto de se fazer necessário o lançamento do “Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro”.
A iniciativa é a resposta a uma pesquisa encomendada pela L’Oréal em 2024, “Racismo no Varejo de Beleza de Luxo”, que identificou 21 práticas discriminatórias contra consumidores negros. Entre elas, a revista de bolsas sem justificativa (18% dos entrevistados relatam ter passado por isso), a demora no atendimento (69% dizem ter sido questionados sobre poder de compra) e a falta de produtos para tonalidades de pele e tipos de cabelo negro.
O código inclui diretrizes como: capacitação antirracista com treinamento obrigatório para funcionários em letramento racial; prontidão no atendimento:, para reparar a lógica excludente que ignora consumidores negros; garantia de livre acesso, com a proibição de barreiras físicas ou simbólicas que restrinjam a circulação; regras para revistas só a partir de provas inequívocas, não com base em estereótipos; estoque inclusivo, com disponibilidade de produtos para pele e cabelos negros.
No total, o documento contém dez normas sem validade jurídica, mas, acredita-se, com “enorme efeito moral”(???), elaborado a partir de uma parceria entre a L’Oréal Luxo, divisão do Grupo L’Oréal no Brasil, e a Black Sisters in Law, rede global de advogadas negras.
O ideal, a meu ver, é que o black money circule entre nós e que se cumpra a lei – racismo é crime.
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O alicerce do Banco do Brasil é a escravização
A primeira relação entre o BB e a escravização se dá quando de sua criação em 1808, com a vinda do rei D. João VI ao Brasil. Na época, parte do dinheiro da instituição é fruto da cobrança de taxas de embarcações dedicadas ao tráfico de pessoas.
Outra forma de incentivo ao comércio de seres humanos é a concessão de títulos de nobreza a escravocratas e comerciantes ilegais pelo governo imperial. Isso porque estes “nobres” depositam seu dinheiro no banco.
Em 1829, o BB é dissolvido por problemas financeiros. Sua refundação ocorre em 1833 e a sua relação com a escravização se torna mais intensa, a começar pela participação de grandes traficantes no grupo de empresários que assinam o termo de refundação. Entre eles, José Bernardino de Sá, maior acionista do banco em 1853.
Estima-se que Bernardino de Sá tenha contrabandeado 20 mil africanos entre 1825 e 1851, grande parte teria passado por um barracão que manteve no norte de Luanda, capital de Angola, onde os africanos raptados ficavam até o embarque para o Brasil.
De acordo com descobertas recentes dos historiadores, são os traficantes de pessoas daquela época os que financiaram o Estado, com títulos da dívida pública e capital societário nos bancos.
Mais de três mil execuções de dívidas no Rio de Janeiro, entre 1830 e 1860, revelam também que escravizados eram utilizados como garantia de pagamento de empréstimos no Banco do Brasil.
Daí a ação civil pública que, neste século XXI, motiva a notificação do Ministério Público Federal ao Banco do Brasil, assinada por um grupo de pesquisadores e historiadores.
Em outras palavras, o Banco do Brasil é do povo preto.
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Escrito em junho de 2025