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Renann Gonçalves, CEO da Maloca Games (Imagem: Divulgação)

PN Entrevista Rennan Gonçalves, CEO da Maloca Games – em “bom português” ele é o diretor executivo, além de um dos fundadores de um negócio pioneiro: jogos focados em protagonismo negro, representatividade e afrocentricidae, um conceito desenvolvido pelo filósofo negro norte americano Molefi Keti Assante:

“Afrocentricidade é uma estrutura de referência na qual os fenômenos são vistos da perspectiva da pessoa africana. A abordagem afrocêntrica busca em toda situação a centralidade apropriada dos africanos”.

O que esta entrevista responde:

  • Como pensar um negócio afrocentrado
  • Caminhos e desafios para convencer e conquistar investidores
  • Caminhos e desafios para conquistar consumidores

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Propostas de atividades didáticas com histórias de personalidades negras e brasileiras de destaque.

No Brasil, os brancos estão – sempre – localizados na perspectiva central. Se esquece, deliberadamente, que o berço da humanidade é a África. E é lá que tudo começa.

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Vale, também, compreender o nome da empresa: Maloca Games, criada em 2022. 

Maloca quer dizer “casa de proteção”,  na linguagem dos indígenas, “casa de guardar toda a nossa herança”,  explica Rennan Gonçalves.

 E não por acaso, o primeiro produto oficial da Maloca Games é o jogo Axé, feito com dinheiro dos sócios fundadores: além de Rennan, historiador de formação;  o ilustrador Lucas Nascimento, o desenvolvedor de jogos Sanderson Virgolino e a jogadora Karoline Santos, todos na faixa dos 30, 40 anos.

Nosso entrevistado é game economic designer,  o cara que cria o sistema econômico dos jogos digitais. Ele se compara a uma “espécie de Banco Central dos games”, a autoridade monetária que, no caso, garante a estabilidade e o poder de compra de jogos e jogadores.

Nos o conhecemos na Expo da Consciência Negra conversando sobre os desafios de ter um negócio preto, conquistar investidores, consumidores e, ao mesmo tempo, fazer política afrocentrada, ser ativista. Conversa boa…  E começamos pelo óbvio…

Maloca Games (Imagem: Reprodução)
Maloca Games (Imagem: Reprodução)

Primeiros Negros: Como surgiu a ideia de criar a Maloca Games? 

Rennan Gonçalves: Nós, todos, já estávamos no universo de jogos de  tabuleiro. Vivendo a experiência de jogar com amigos, se divertir… Num dado momento, eu e o Sanderson  percebemos que não existiam jogos com a nossa temática. E, ao mesmo tempo, cada um na sua bolha, estava desenvolvendo jogos não temáticos, fechando parcerias com empresas… Na época, o Sanderson já tinha desenvolvido um jogo chamado Cangaço, que trazia toda uma representação. E eu tinha fechado  parceria com a segunda maior distribuidora de jogos de tabuleiro, a Meeple Br, que me abriu as portas para esse mundo. Eu sempre me posicionei como um artista que procurava fazer jogos com identidade negra.

PN: A Maloca surge no meio da pandemia?

Rennan: Tudo aconteceu, começou mesmo, em 2020, quando participamos do Gencon, que é um grande o maior evento de jogos de tabuleiro do mundo. Por conta da pandemia, o evento foi on-line e o responsável pela empresa no Brasil, um rapaz branco,  teve a ideia de fazer painéis sobre racismo, identidade racial, e chamou o Sanderson para coordenar. 

Vale uma pausa para contextualizar os fatos: 2020 é o ano do assassinato, por estrangulamento, do afroamericano George Floyd, na cidade de Minneápolis. No dia 25 de maio daquele ano, o policial branco Derek Chauvin ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem por, supostamente, o homem negro ter usado uma nota falsificada de vinte dólares em um supermercado.

Leia A falta de ar na coluna Sem Mordaça.

PN: E é comum a presença de pessoas negras no universo dos jogos?

Rennan: A gente, eu e o Sanderson,  já se conhecia, mas só participando da Gencon percebemos que havia diversas pessoas negras trabalhando com esse universo. Daí resolvemos criar um nome para os nossos jogos, com identidade, com propósito. Assim nasceu, primeiro, o termo “afro games”, baseado em três pilares: protagonismo, representatividade e afrocentrismo para direcionar o significado de contar histórias pretas dentro de um jogo. Depois, formamos grupos de trabalho e, ao mesmo tempo, o Sanderson, que já havia desenvolvido vários jogos afrocentrados, começou a apresentá-los às empresas, mas ficou evidente que as empresas desse mercado não iam abraçar a nossa causa.

PN: Evidente como?

Rennan: Teve o jogo Quilombolas, super divertido, interessante, que funcionava para esse universo. O tema era salvar pessoas da escravização, levando-as para os quilombos e, no meio do caminho, você ia dando tapa em gente branca… Como é que eles vão vender isso num universo que é majoritariamente branco?

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PN: Mas é comum matar gente preta em jogo de polícia e bandido…

Rennan: A gente tem jogos hoje em que o papel é ser o colono. As pecinhas pretas representam os colonizados… Tem jogos sobre o país que enaltecem a história do Brasil monárquico! É ridículo! De qualquer forma, é aí que a gente começa a perceber que não conseguiria espaço, que teria, sempre, que se adequar. Só que a gente não queria se adequar, queria chegar com o pé na porta, para as pessoas pretas olharem para os jogos e se identificarem com eles. Assim nasceu a ideia de juntar essa galera para fazer uma empresa de jogos afrocentrados.

PN: Por que Maloca? 

Rennan: Quando a gente chegou no nome “Maloca” fez sentido, como se  a palavra abraçasse a gente. Maloca significa ‘casa de proteção’ na linguagem indígena, tem a ver com ‘guardar identidade’, ‘proteger o que é de valor’ e que deve ser passado adiante, resguardado. Maloca é um espaço para guardar toda a nossa herança identitária através dos jogos. A partir daí começamos a trabalhar nossa identidade visual, a cara da marca.

PN: E os jogos?

Rennan: Nós já tínhamos muitos jogos. Foi só colocar dentro da Maloca. O primeiro, oficial,  foi Axé, que a gente produziu do próprio bolso, trabalhando em outros empregos, enquanto se organizava. Visto de fora, parece que é legal, tranquilo, ter uma empresa, mas é difícil pra caramba. São muitos os compromissos. Não basta só ter vontade. Precisa preparar todo o seu terreno. Tem que ter gestão administrativa, financeira, econômica, horários, cumprir com compromissos…

PN: Como é a rotina de vocês na Maloca?

Rennan: Nós trabalhamos na Maloca Games e cada um tem um outro emprego para pagar as contas. Temos duas reuniões semanais. Na segunda-feira, organizamos a semana. Na quarta-feira, atualizamos a agenda de trabalho para ajustes. Quando necessário, acontece uma terceira reunião de trabalho no fim de semana.

PN: Como vocês trabalham a marca?

Rennan: Nesse processo de um ano e meio já aconteceram algumas ‘viradas de chave’.  A gente participou da Expo Favela 2023, que é o maior evento para ligar empreendedores de favela com possíveis investidores, e ficamos no Top 10 de Melhor Pitch, que é a apresentação da empresa para investidores. 

PN: E os investidores são sempre pessoas brancas?

Rennan: Em sua maioria, pessoas brancas. Se tiver pessoas negras, eu não achei. 

E é muito difícil lidar com investidores brancos. É como um casamento… Se você casa com uma mulher branca, todo dia você tem que explicar pra ela porque você está triste, por causa do racismo, porque ela não sabe o que você está sentindo. É difícil pensar em um investidor no meu negócio, branco, porque eu vou ter que mostrar pra ele porque eu tenho que fazer desse jeito, explicar direitinho, porque ele não passa pelo que eu passo. Agora com uma pessoa preta dentro do processo fica tudo mais fácil: as dores são nossas e tudo vai fazer sentido. Essa é uma reflexão minha, mas eu acho muito legal o trabalho que a Expo Favela.

PN: Estar no Top 10 de melhor apresentação da Expo Favela se transformou em quantos investidores para a Maloca?

Rennan: Zero. Ficamos no Top 10 em São Paulo entre 323 empreendedores. Só que o processo acontece em mais de estados do Brasil, depois tem uma nova peneira em que são escolhidos os que devem participar de um reality show da Globo…

PN: Neste processo todo, as despesas são por conta dos novos empreendedores?

Rennan: Todo dinheiro para locomoção, alimentação, produção de materiais é a gente que faz. A organização garante a passagem e hospedagem, a partir de parcerias, para os selecionados que não são de São Paulo, onde acontece a finalíssima. 

PN: No final, é um jeito branco de investir no empreendedorismo negro, onde apenas um empreendimento consegue receber dinheiro para tocar o seu negócio?

Rennan: A princípio, sim. Ser Top 10 dá a sensação de status dentro desse universo, o que é uma falácia (ideia equivocada). O que faz sua empresa ser investível não é ser Top 10 em apresentação – existem empresas, inclusive, que conseguem parcerias ao longo da disputa sem entrar no Top 10. Em 2022, dos 10 Top 10, três conseguiram aportes.  Mas a maioria permaneceu no anonimato. Tinha apresentação legal, mas a empresa não estava estruturada. 

PN: Participar da Expo Favela representou uma virada de chave pra vocês?

Rennan: Depois da participação na Expo, a gente entendeu que, sem dinheiro, não íamos conseguir fazer nada. Precisamos de investimento, de dinheiro. Por isso, agora a gente se posiciona como empresa que faz apresentação boa, mas tem um negócio funcionando. Comecei a fazer estudo de mercado,  buscar soluções, pensar estratégias… Hoje, a gente tem tudo isso pronto, mas não tem dinheiro, ainda. Isso porque quem está do outro lado, no caso o investidor, não enxerga como a gente enxerga. Mudamos a nossa mentalidade, o nosso jeito de pensar, o que é meio problemático, contraditório, porque precisamos ser validados por pessoas brancas, precisamos ter nosso potencial reconhecido por pessoas brancas… 

PN: Romper com o absoluto é difícil, não é? A gente precisa dessa validação. São  os grandes prêmios, o reconhecimento das academias de música, letras etc… 

Rennan: Eu preciso impressionar aqueles que têm o dinheiro. Mas, ao mesmo tempo, eu rompi com esse pensamento. Não dá para ficar refém. Por isso estou em busca de investidores pretos. Inclusive a minha próxima campanha vai ser assim:

 “Procura-se investidores pretos”.

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PN: Como vocês se organizam para participar de feiras, exposições?  

Rennan: Algumas, a gente não paga estande, mas sempre tem as despesas com transporte, alimentação, produção de materiais… Um mês depois da Expo Favela, nos deparamos com o maior evento jogos de  tabuleiro da América Latina: a gente tinha que pagar R$ 3.000,00 para participar e só tinha o Axé para levar. Fomos atrás de parceiros para deixar a gente produzir jogos sem pagar, contando com as vendas do evento para pagar depois; mas só encontramos pessoas dispostas a emprestar dinheiro. Nos endividamos e conseguimos produzir mais cinco jogos em menos de um mês. Foi desgastante, traumático, dormíamos três horas por noite. 

PN: Qual o saldo da empreitada?

Rennan: Com esses jogos e uma maquininha, faturamos R$17 mil em dois dias. Nossa meta era de R$19 mil. Quer dizer, faltaram R$2 mil para alcançar a meta. Vendemos para uma maioria branca, engajada, porque esse é o público que, inicialmente, a gente atinge, a população branca que se pretende antirracista. 

PN: Como alcançar mais consumidores, incluindo a população preta?

Rennan: Temos várias estratégias de preço de acordo com o lugar onde expomos nossos produtos.    

PN: Todos os jogos são feitos artesanais? 

Rennan: A gente faz a montagem. Procuramos pessoas pretas para trabalhar com a gente não só na montagem dos jogos, mas também nos eventos. E pagamos bem por dia de trabalho.

PN: E pensando na empresa em si, quais as estratégias para crescer? 

Rennan: A aceleração da empresa inclui fazermos cursos para aprender mais sobre gestão, rede social, marketing… Mas temos consciência de que quatro pessoas para lidar com tudo isso é pouco. Para se ter uma empresa de sucesso é necessário, no mínimo, um quadro de dez pessoas.

PN: Se um investidor perguntasse quanto você precisa para manter o seu negócio, o que você responderia? 

Rennan: Eu já fiz essa conta, uma meta para 2 anos. Com R$300 mil, eu conseguiria investir em marketing, comunicação, gestão, pessoas, produção e chegar a 50 lojas de brinquedos. Isso tudo trabalhando com os produtos que nós temos hoje.

PN: Vocês sempre tiveram consciência racial?  

Rennan: Nós da Maloca nos reconhecemos negros muito tardeViemos de um berço religioso, cristão. Eu estava envolvido com os jovens da igreja, era homofóbico… 

PN: Quando você toma consciência de si?  

Rennan: Na Uninove, eu descubro que sou preto. Acontece durante as aulas no meu curso de História. E o meu primeiro sentimento é de ódio, de raiva, de desejo de vingança – eu queria bater em toda e qualquer pessoa branca. Eu fiquei com raiva das pessoas brancas da minha família. A minha mãe é branca e eu senti um pouco de raiva da minha mãe. Depois, passei para uma segunda fase,  a da ação educativa – eu estava todo amoroso, querendo ensinar tudo o que eu havia aprendido para os brancos.  Hoje, eu me encontro em outra fase:

PN: Como se chama essa fase?  

Rennan: É uma fase de esgotamento. O processo de educar é cansativo, doloroso pra nós. Tem uma hora que a gente não aguenta mais. Eu penso em Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, que ensinaram a vida toda!!!! Eu não aguento. Como é que eles conseguiram, a vida inteira, ensinar? 

PN: Quanto tempos nessas três fases?

Rennan: Cinco anos. Tempo em que consumi muito conteúdo afrocentrado.  Mesmo morando em favela, ainda me faltava senso de identidade. O meu trabalho de conclusão de curso, o meu TCC, foi sobre a aplicação da Lei 10.639 no processo de geração de identidade negra nas escolas. Eu estudei muito sobre identidade, porque a identidade negra era o que me faltava. O meu TCC foi, basicamente, eu me estudando, porque eu não tinha consciência de mim… Eu era refexo do branqueamento ideológico e senti mais ódio ainda – por conta da religiosidade da minha família – ao me deparar com a história da Igreja Católica e a sua responsabilidade pelo genocídio negro. Passada a revolta, me libertei das amarras sociais impostas e me enxerguei além do que disseram que eu deveria ser

PN: Você foi para o ativismo? 

Rennan: Eu nunca fui para a rua, para marchas, passeatas… Eu até queria ir, mas para quebrar tudo, estava com muita raiva. Me lembro que, na época, eu sentia que estavam fazendo por mim e eu estava só desfrutando, mamando nas conquistas. Minha mãe dizia: “Você não precisa ser Martin Luther King”. Eu comentei sobre isso com uma das minhas professoras na faculdade e ela disse que meu ativismo poderia ser diferente. Que eu poderia ser ativista na escola, na sala de aula, em casa. E foi essa a camisa que eu vesti. Eu não me sinto mais com a responsabilidade de ser grande. Eu só quero impactar aqueles que estão ao meu redor. Quando a gente se cuida, impacta a vida do outro.  

PN: Como conciliar empreendedorismo, consciência racial e ativismo?

Rennan: Quando eu virei empreendedor, eu percebi que para me colocar no mercado,  pensando no meu produto afrocentrado, é preciso ser estratégico. Tenho que  pensar no meu público, que é branco e não vai comprar nada diretamente referenciado a pessoas pretas. Qual o tema, hoje, que essa população branca se identifica e/ou valoriza e que é nosso? A resposta que encontrei dos brancos, o que mais chama atenção, é a grafitagem e este foi o nosso primeiro jogo.

PN: Grafite? 

Rennan: O grafite tem origem preta. Nasce no Harlem, nos Estados Unidos, como forma de falar das mazelas, é uma revolta da juventude,  também, para se organizar e curtir em um lugar deixado à margem. A construção do hip hop é incrível e tem grafites incríveis espalhados pela cidade. Não importa a cor da sua pele. Você vai olhar e achar bonito. E eu fui por essa estratégia: uma cultura mais popular no Brasil e que agora está-se tornando parte da cultura branca – nossos maiores grafiteiros mundiais são brancos, Cobra e Gêmeos são brancos.

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PN: Deu certo?

Rennan:  É um jogo de tabuleiro, o nome é Graffito, uma palavra de origem italiana (no plural, graffite), que significa “escrita feita com carvão”,  uma referência aos desenhos rupestres, os primeiros desenhos, nas cavernas. Quer dizer, o grafite existe desde que o mundo é mundo, é uma arte que remete ao desenvolvimento da civilização. E o jogo deu muito certo no Brasil, mas, no Exterior, foi rechaçado, visto como incentivo para o crime.

Na contemporaneidade, o grafite está relacionado principalmente ao hip-hop, movimento cultural que teve início no começo dos anos 1970 nos Estados Unidos pelas comunidades  afro-americanas, jamaicanas e latinas, como form de protesto. O bairro novaiorquino do Bronx foi o berço dessa arte das ruas. Os primeiros desenhos foram feitos com tinta spray.

Na mesma época, na capital paulista, começa a história do grafite no Brasil. Uma história que se constrói enquanto a população é silenciada pela censura com a ditadura militar. 

O grafite é a linguagem da rua, veículo de comunicação urbana, de autoria anônima, no início. A ideia era dar lugar a uma arte de todos e para todos”.

Fonte: Toda Matéria

PN: Por que? Qual a proposta do jogo?

Rennan:  A história do jogo gira em torno de uma disputa de habilidades, entre grafiteiros, para que o melhores sejam contratados por empresas que é, exatamente, o que acontece nos muros das cidades: todo mundo é chamado para competir e as pessoas vão ver quem faz  o grafite mais legal, mais interessante. Eu fechei com  a maior empresa do Brasil! ,Mas, lá fora, a palavra “grafite” era marginalizada. Quando eu mudei o nome do jogo para Street Art, ele passou a ser aceito. Aí, aprendemos que o título do jogo também impacta demais. E, mais uma vez, a gente entra em outra caixinha, que limita. Mas esta história acontece antes da criação da Maloca Games.

PN: Acontecem outras mudanças no modo de olhar o negócio de jogos afro quando você assume como CEO, diretor executivo da Maloca?

Rennan: Sim. A decisão é pensar produtos para pessoas pretas, respeitar o nosso querer (missão), trazer conhecimentos específicos, religiosidade africana, tudo em forma de jogo. Mas, ao mesmo tempo, entender que Maloca Games é um negócio e os jogos são o seu produto. Não queremos dinheiro público, disputar por edital… 

PN: O que quer dizer isso na prática?

Rennan:  Nossos jogos Favela – com objetivo de construir a favela dos sonhos,  Axé – sobre a importância de acumularmos energia para a vida e Diversity – voltado à empregabilidade da população LGBTQIAP+ – são bons exemplos.

Jogo Favela Venceu (Imagem: Divulgação)
Jogo Favela Venceu (Imagem: Divulgação)

Favela – O jogo nasce de uma concepção de “favela dos sonhos”, de como nós, que moramos em favela, queríamos que a favela fosse. Então a ideia é construir junto, só que de forma competitiva. Cada jogador tem um plano para a favela e tudo se desenvolve de forma não tão controlada, mas organizada. Durante o processo da construção, por exemplo, é possível se colocar  a casa de um jogador perto de um edifício com esporte, educação, biblioteca e o cumprimento dessa meta vale pontuação extra.   

Jogo Axé (Imagem: Divulgação)
Jogo Axé (Imagem: Divulgação)

Axé – O jogo é para as pessoas entenderem o que é o “axé” de fato – “axé” não é um “oi”. Axé é uma energia  que faz a gente se manter de pé, continuar vivendo e que precisa de manutenção. O jogo foca no acumular energia. É um jogo simples, que não traz mais profundidade, devido ao nosso objetivo  de ensinar primeiro um conceito.

Diversity (Imagem: Divulgação)
Diversity (Imagem: Divulgação)

Diversity – A finalidade é contratar pessoas da  população LGBTQIAP+ para assumir as melhores vagas das grandes empresas. Chega de telemarketing! E quanto mais impacto o jogador causar no mercado de trabalho; quanto mais gêneros,  que vivenciam dificuldades na empregabilidade, forem incluídos, mais pontos ganha o jogador.

PN: Axé é o primeiro jogo oficial da Maloca Games?

Rennan: É o primeiro jogo da Maloca e atende uma demanda comercial, que é de custo mais barato.  A gente fez o jogo com dinheiro do próprio bolso. E é, de longe,  o meu jogo mais vendido dentro do espaço preto. Quando eu abro o leque do público consumidor,  ele não vende mais. Aí, vende mais Favela, Diversity…

PN: Aprendizado?

Rennan: Decisão estratégica: eu não posso pensar só em impactar, também tenho que pensar em custo de produção, preço de revenda, qual o nicho de mercado… 

PN: A Maloca vende jogos de terceiros??

Rennan: A Maloca vende e produz afro games. Se alguém tem uma ideia de jogo, de acordo com nossos pilares, a gente pode lançar o jogo. Posso até revender. O ponto é que a gente já tem mais de 60 títulos. Então temos uma fila grande para entrar. Em comercialização, temos sete jogos. 

PN: Você mora na favela?

Rennan: Moro. E o jogo Favela fala da construção da favela que eu sempre quis: em que eu não precise pegar quatro ônibus para chegar em um hospital decente; que eu não passe em uma viela e veja o lixo jogado; que eu não veja esgoto a céu aberto… Eu moro na favela da Brasilândia, no Jardim Paulistano, que fica perto de umas outras favelas. A minha favela não é a mais perigosa, Já morei no Peri Alto, onde, de manhã, quando eu ia para escola, encontrava pessoas guardando droga nos buracos… E era o povo que brincava comigo na rua…

PN: E o futuro?

Rennan: A gente quer chegar até 2025 vendendo  em pelo menos 10 lojas de brinquedos – não estamos em nenhuma loja, ainda. E estamos, agora, em busca de  investimento para que tudo aconteça de forma mais rápida.

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