Ela não tem a cor do pecado, mas foi assim que se tornou pioneira na tela da TV, no meio do povo…
O que este artigo responde: Quais os pioneirismos de Taís Araújo? Quem foi a primeira “Helena” negra de Manoel Carlos na Tv Globo? Qual o primeiro papel de Taís Araújo?Taís Araújo já enfrentou racismo em sua carreira? Quais são os principais trabalhos de Taís Araújo na TV? Quem é o marido de Taís Araujo? Taís Araujo é ativista?
De verdade, Taís Araújo carrega uma série de pioneirismos na sua história. Mas ser a primeira nem sempre é bom e transformador. E a própria Taís reflexiona a respeito no programa Espelho, do Canal Brasil, comentando o fato de ser a primeira negra capa de duas ou três revistas nacionais:
“Mas só eu fui duas ou três vezes capa de revista! Então, para mim, já não tem mais essa validade toda. Eu não sou a única negra trabalhando na televisão, não sou a única atriz negra considerada bonita. Fico me questionando: ‘Será que vale meu domingo tanto assim?’ Valeria se fosse eu e dois meses depois outra, e três meses depois outra. Aí eu teria certeza de que perder meu domingo com minha família estava valendo à pena.”
Outro olhar que comprova que pioneirismos nem sempre são bons é o fato da vida real de Taís Bianca Gama de Araújo ser também “a primeira pessoa a sofrer agressão racial na internet, ir até a delegacia prestar queixa e suportar todas as consequências desse ato, que vão desde as críticas daqueles que acharam um exagero até os que a acusaram de querer chamar a atenção para ganhar mais fama” – como lembra o marido no mesmo programa.
Tudo aconteceu em 2015…
Os ataques racistas foram via Facebook. Taís conta que decidiu não aceitar o preconceito passivamente. Mas, também, não queria se promover em cima do racismo. Assim, optou por não dar entrevistas e prestar queixa por injúria racial. Não foi feliz!
Protagonismo
Com Taís, tudo pede reflexão, colocar os “pingos nos is” – como se dizia muito no passado.
Em sua página na Wikipédia, o primeiro parágrafo avisa: “Taís Bianca Gama de Araújo Ramos (Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1978) é uma atriz e apresentadora brasileira. Destaca-se por ser a terceira atriz negra a protagonizar uma telenovela brasileira (grifo nosso) em Xica da Silva (1996), na Rede Manchete – após Yolanda Braga em A Cor da Sua Pele (1965), da TV Tupi, e Ruth de Souza em A Cabana do Pai Tomás, da Rede Globo”.
Só que não é bem assim: Taís Araújo é a segunda atriz negra a protagonizar uma telenovela brasileira e pioneira como protagonista na Globo e na Manchete.
Yolanda Braga, em A Cor da Sua Pele, é a primeira atriz negra a ocupar o papel principal em uma telenovela brasileira. E seu pioneirismo, em 1965, se registra na primeira emissora de TV a operar no país, a extinta TV Tupi.
Para registro: a primeira telenovela brasileira é de 1951!!!
Quanto à Ruth de Souza, a primeira atriz negra a subir ao palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em A Cabana do Pai Tomás atua como atriz coadjuvante – é a esposa do escravizado que dá nome à novela. Detalhe sórdido: o protagonista, que deveria ser um ator negro, foi vivo pelo ator branco Sérgio Cardoso, que maquiava a pele para entrar em cena!
E, assim, damos um salto na história, dos anos 1960 de volta aos anos 1990…
Mais exatamente 1996, quando Taís Araújo se torna a primeira atriz negra a ser protagonista de uma telenovela na extinta Rede Manchete, interpretando Xica da Silva – a escravizada que escandalizou a sociedade branca do Brasil, conquistando o homem mais rico e poderoso da época e tornando-se rainha. uma escrava que virou rainha no século 18 no Brasil – com direito a Troféu Imprensa de Atriz Revelaçãode 1997.
Taís tinha, então, 17 anos e tornou-se conhecida internacionalmente – a novela foi exportada para vários países – e foi eleita um dos 50 rostos mais lindos do mundo pela revista People, edição espanhola.
Preta, Helena e outras
No mesmo 1997, ela é contratada pela Rede Globo de Televisão para integrar o elenco da novela Anjo Mau. A personagem? Vivian, uma ex-menina de rua que foi adotada e passou a estudar nas melhores escolas.
E de personagens menores em personagens menores, como Selma, de Porto dos Milagres, e Dandara em O Quinto dos Infernos, sete anos se passaram…
Só em 2004 ela conquista um papel de atriz principal na emissora: Preta de Souza, em Da Cor do Pecado (eles insistem), de João Emanuel Carneiro, cravando outra marca, a de primeira protagonista negra de uma telenovela da Rede Globo do horário das sete da noite.
Não se pode confundir a cor do pecador, do responsável pelo crime de escravização e estupro da mulher negra.Leia o artigo “É preto ou negro? – É letramento racial.
Historiando a jornada global…
Pode-se dizer que foram necessárias 65 novelas no horário das 19 horas para que surgisse um “espaço” na Rede Globo de Televisão para uma personagem negra, em uma novela contemporânea e urban.
E a emissora celebrou, na época, no portal Memória Globo, seu ato isolado.
Mas voltemos à história da atriz…
Dois anos depois, em Cobras e Lagartos, a atriz incorpora sua primeira vilã, Ellen, e, mesmo não sendo protagonista, arranca atenção do público como se fosse a personagem principal.
Com a estreia da novela Viver a Vida, em 2007, Taís quebra mais um tabu e tem seu nome gravado na história da teledramaturgia como a primeira negra a protagonizar uma novela das oito. E carrega, ainda, o ineditismo de ser “aprimeira Helena negra de Manoel Carlos“.
(O autor Manoel Carlos, em suas novelas, tem uma personagem forte e contraditória, invariavelmente chamada ‘Helena’. É marca registrada nas suas tramas, já vivida pelas atrizes Lilian Lemmertz, Maitê Proença, Vera Fischer, Christiane Torloni e Regina Duarte.)
A dor da reprovação
Em Viver a Vida, Taís fazia par romântico com José Mayer e não agradou nem a crítica especializada nem os telespectadores – reclamaram da sua atuação e da falta de química(?!) do casal.
Para o autor de novelas Aguinaldo Silva, o problema foi a ausência do componente racial na trama:
Na opinião de Taís, a primeira Helena negra, “dramaturgicamente, era fraca, sem conflitos, tinha a vida ganha. Se eu tivesse forças, eu a teria transformado numa vilã. Mas estava tão abalada com as críticas, tão frágil… Entrei de cabeça na tristeza e lá fiquei por uns dois anos. Pensei: ‘Minha carreira acabou’. Hoje, olhando com distanciamento, vejo que a Helena foi importante. Mudou minha vida. Me mostrou que tipo de atriz eu queria ser. Foi aí que comecei a produzir teatro, a buscar obras de muita qualidade artística”.
1978
No Ano Internacional Antiapharteid – declarado pela Organização das Nações Unidas -, de criação do Movimento Negro Unificado – MNU, e mês do líder quilombola Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, nasce carioca Taís Bianca Gama de Araújo, sagitariana do dia 25, em uma família de classe média alta, filha do economista Ademir Araújo e da pedagoga Mercedes Gama de Araújo.
Ter uma família com boa situação financeira, no entanto, não há protege do racismo. Onde estudava, ouviu uma colega perguntar se quem pagava seus estudos era a patroa da sua mãe.
Isso a despertou para Nelson Mandela, líder da resistência contra o apartheid na África do Sul; para Barack Obama, primeiro presidente negro da maior potência mundial; para a luta do povo preto por liberdade, contra qualquer tipo de opressão.
Ativismo em família
Quando se torna Taís Bianca Gama de Araújo Ramos é como mão na luva, medida perfeita. Ela e Lázaro são um casal que vive junto, trabalha junto, faz arte junto, luta junto por um mundo melhor.
Os dois estiveram juntos em Cobras e Lagartos e brilharam como protagonistas da série televisiva Mister Brau, focada no empoderamento negro, feito para falar de pessoas que ascenderam por meio do trabalho, de uma família negra orgulhosa de sua origem, mas que não é cega ao racismo, ao machismo, ao preconceito, aos novos formatos de família.
Por conta de Mister Brau, inclusive, o casal aparece como “destaque da televisão brasileira” no jornal inglês The Guardian.
No teatro, o casal viajou o país com o espetáculo O topo da montanha, sobre o líder negro Martin Luther King Jr, que lhe rendeu uma indicação para o concorrido prêmio Shell de Melhor Atriz e levou mais de 100 mil pessoas ao teatro no ano de 2015.
E em todos os cantos, o Taís e Lázaro se apropriam do sucesso para levantar bandeiras sociais, que têm como pilar principal a igualdade racial.Os dois são formadores de opinião que não temem o contraditório, a rejeição.
“Eu me sinto um privilegiado em ser percebido por algumas pessoas como um artista que as representa. Não somente para a população negra, mas para jovens e crianças. Vejo isso com muita prudência”, complementou, na mesma entrevista, Lázaro Ramos.
Leia sobre o trabalho do ator em A Potência da Literatura Negra.
Não por acaso, Taís e Lázaro foram apontados como o mais poderoso casal do showbizz nacional, em matéria de capa da Revista Veja, edição de março de 2017.
Todos somos pessoas
O ativismo de Taís Araujo chega à Organização das Nações Unidas. Desde 2016, ela colabora com o mandato da ONU Mulheres – entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres -, especialmente na visibilidade das mulheres negras.
Em julho de 2016, respondeu ao desafio “Que mulher negra é um exemplo pra você?”, mobilizando seguidoras e seguidores de suas redes sociais, para a ação de comunicação desenvolvida pela ONU Mulheres e pela Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). Em fevereiro de 2017, apoiou a campanha de mobilização de recursos do Instituto Maria da Penha.
No dia 3 de julho de 2017, foi nomeada Defensora dos Direitos das Mulheres Negras pela ONU Mulheres Brasil, e participa da ciranda virtual Planeta 50-50, ação digital da ONU Mulheres para o reconhecimento do trabalho de ativistas brasileiras em defesa do empoderamento das mulheres e pela igualdade de gênero até 2030.
No dia 15 de outubro de 2021, Taís contava 11,9 milhões de seguidores no Instagram! @taisdeverdade
Outras frentes
Mas ela não dispensa oportunidades, não raro, como pioneira! A atriz é a primeira negra a ocupar um lugar no sofá do Saia Justa, programa da GNT voltado para o olhar feminino da vida, e, de março a novembro de 2017, debateu assuntos contemporâneos ao lado de Mônica Martelli, Pitty e Astrid Fontenelle.
Ao dar adeus ao programa, compartilhou um post emocionado, celebrando a diversidade:
“Somos tão diferentes, mulheres com origens distintas, cada uma com seus valores, mas com muito respeito por nossas histórias, quedas e conquistas. Com vocês, tive a chance de botar em prática empatia e sororidade. E eu agradeço por ter tido essa experiência, essa chance e esse amor”.
Em um 28 de junho, por conta do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, fez um outro post conclamando seus seguidores a terem “orgulho do que são”:
“Quando falamos sobre orgulho, estamos discutindo que não temos vergonha de ser quem somos. Eu, pessoalmente, tenho muito orgulho de ser quem sou, dos meus ancestrais, da minha história e do meu povo. O mesmo vale para o Orgulho LGBT, que mostra à sociedade que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais não precisam se esconder, que também fazem parte do todo e que não se envergonham de ser quem são. Orgulho da história, da luta, da sobrevivência…”
No artigo Infância Discriminada, um pouco mais do ativismo da atriz.
Nudez sem retoques
Taís chama atenção, em setembro de 2017, não por pousar nua para a revista Women’s Health, mas por pedir para a publicação não retocar suas estrias nem a dobra de sua barriga:
“Olho a Michele (personagem dela em Mister Brau), por exemplo, e aquilo não é o meu corpo. Eu me disciplino. É uma demanda do meu trabalho, assim como é demanda do trabalho os corpos das modelos. A gente tem que entender que aquele é o trabalho delas, não o seu”.
Sua primeira nudez aconteceu na TV, em Xica da Silva, também sem retoques. Foi um reboliço – ela tinha acabado de completar 18 anos.
Depois, em 2009, o clique ao natural foi ao lado das atrizes Giovanna Antonelli e Carolina Dieckmann.
Taís lembra que não gostava do seu corpo no adolescência: “Não ficava confortável sem roupa. Tenho estria desde que meu corpo se desenvolveu. E era um pavor! Agora, não ligo”. E seu corpo já enfrentou as gravidez de dois filhos: João Vicente e Maria Antonia.
Prodígio
Aos 11 anos, Taís começa a trabalhar como modelo. Aos 14, faz figuração na abertura da novela Pátria Minha. E, aos 15, inicia a carreira de atriz – vive a personagem Bernarda em Tocaia Grande, da TV Manchete.
Na época, ela ainda não sabia se queria ser artista, dentista ou diplomata. Xica da Silva, a novela, a fez escolher tornar-se, primeiro, atriz e, depois, jornalista – ela se forma em 2008 e até assina matérias para a Folha de S. Paulo e para a revista Marie Claire.
Em nenhum momento, entretanto, para de atuar. Sua trajetória no cinema, inclusive, segue uma trilha paralela à da TV, a partir de 1998, com os filmes Caminho dos Sonhos e Drama Urbano.
A consagração na tela grande acontece com os filmes As Filhas do Vento, de 2004 – prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante do Festival de Gramado, e Garrincha – Estrela Solitária, de 2008 – prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema Brasileiro de Miami. Ela interpreta Elza Soares.
“Caminhão” de títulos
Trabalhadora do Brasil, ativista negra, Taís Araújo foi eleita uma das 100 personalidades afrodescendentes mais influentes do mundo com menos de 40 anos pelo Most Influential People of African Descendent, em 2017, e uma das mulheres mais guerreiras e estilosas pela revista americana Vogue.
Em 2016 e 2017, pesquisas de opinião diversas apontaram a atriz como a mulher mais admirada por jovens na faixa etária entre 13 e 20 anos e a quinta artista mais influente da TV e da internet no país.
Atualmente, Taís Araújo está à frente do programa Superbonita, da GNT, naturalmente, defendendo e celebrando a quebra de padrões de beleza:
“Meu trabalho todo é baseado nisso, fazer com que o Brasil consiga se libertar desse padrão de beleza que não é o nosso, ou seja, gostar da gente como a gente é. tempo inteiro eu falo sobre isso… Debato isso em casa, nas minhas entrevistas, no meu posicionamento, com os meus filhos. É um exercício diário.”
Pelos papéis que interpreta na TV, no cinema, na vida, Taís Araújo traduz a jornada e a mudança da representação do negro. Começa como escravizada e segue: ex-menina de rua, camelô, doméstica, filha de senador, que afinava o nariz com maquiagem, top model internacional com toda a beleza da mulher negra, classe C ascendente, com orgulho de sua história, jornalista, advogada, empresária, cantora, dançarina, Marielle, Elza Soares.
Taís Araújo nos representa.
Fontes: Oscar Henrique Cardoso, ACS/FCP/MinC; Livro “Na Minha Pele”, Lázaro Ramos, Ed. Objetiva; Wikipedia; Ig; Geledés-Helena; Geledés-privilegiados, Wikipédia, ONU Mulheres, Revista Crescer
(atualizado em 16/10/2021)
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A primeira atriz negra a ser protagonista foi Yolanda Braga. Atuou na novela “Sua pele” na TV tupy. Depois dela ainda teve Ruth de Souza, de renome internacional, que inclusive foi a primeira mulher negra a interpretar uma protagonista na Globo, na novela “A cabana do pai Tomás”, com mais de 40 anos de carreira, faleceu aos 98 anos.