Pular para o conteúdo
InícioFrancisco José das Chagas, no driblar a morte, o seu pioneirismo

Francisco José das Chagas, no driblar a morte, o seu pioneirismo

Mais conhecido como Chaguinhas, sua história é um testemunho chocante da luta por direitos e justiça no Brasil Imperial. Líder de um motim que exigia isonomia salarial e o pagamento de vencimentos atrasados, sobreviveu a duas tentativas de execução.

A história da morte de Francisco José das Chagas é sua marca pioneira. Mais conhecido como Chaguinhas ou Chaguinha, o militar no período do Império enfrentou por três vezes a forca, numa mesma manhã ensolarada de quinta-feira, e acabou assassinado a pauladas. Seu crime? Isonomia salarial e vencimentos em dia.

Em  27 de julho de 1821 irrompeu em Santos, no litoral paulista, o motim de  parte da guarnição, cerca de 100 revoltosos, do Primeiro Batalhão de Caçadores em Santos.

Na liderança dos amotinados, o cabo Chaguinhas que, ao lado do parceiro Joaquim José Cotindiba, comandou o ataque a uma embarcação de bandeira portuguesa, reivindicando salários atrasados há 5 anos, aumento do soldo e igualdade no tratamento de soldados brasileiros e portugueses.

No dia 20 de setembro de 1821, aconteceu a execução de Cotindiba. Depois, a corda do justiçado foi recolocada no patíbulo de enforcamento e no pescoço de Chaguinhas. Mas ela arrebentou e o réu caiu no chão. O povo, que a tudo assistia, gritou: Liberdade – palavra  que deu origem ao nome atual do local.

Na época, era costume perdoar o condenado ou comutar-lhe a pena, em casos semelhantes. Mas o governo, consultado, foi intolerante. Novamente armou-se o laço e Chaguinhas foi dependurado para o enforcamento. A corda, no entanto,  arrebentou de novo. O povo gritou:

“Milagre!”

Na Revista do Instituto His­tórico e Geográfico (vol. V, pág. 58), Antônio de Toledo Piza conta que o povo “não somente comovido, mas indignado”, diri­giu-se ao palácio do governo para exigir que o enforcamento não se consumasse, mas o pedido de clemên­cia não foi atendido.

Na terceira vez, usando uma peça de couro, as autoridades militares consumaram o enforcamento, sem que Chaguinhas perdesse os sinais vitais. Optaram por assassiná-lo a pauladas. Velas foram acesas e uma cruz foi erguida no local do crime.

Segundo de­poimento do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que depois se tornou regente do Im­pério, o soldado foi friamente assassinado no chão:

“Vi com meus próprios olhos a execução do cabo Chaguinha, que se deu antes do julgamento do pedido de clemência feito ao príncipe regente, D. Pedro I. Ao iniciar o enforcamento, o cabo caiu porque a corda se rompeu. Como não havia corda própria para enforcar, usaram laço de couro, mas o instrumento não foi capaz de o sufocar com presteza. A corda novamente se partiu e o condenado caiu ainda semi-vivo; já em terra foi acabado de assassinar.

Conta-se ainda, que depois que seu corpo foi retalhado, sua cabeça rolou pela Ladeira da Forca indo parar dentro de um buraco da capela de Nossa Senhora dos Aflitos, onde eram depositados os corpos dos condenados.

O martírio de Chaguinhas comoveu a população, que passou a adorá-lo como a um santo e construiu no local a Capela, depois transfor­mada em Igreja, que recebeu o nome Santa Cruz dos Enforcados. No Largo da Forca que, com a abolição da pena de morte no Brasil, passou a chamar-se Largo da Liberdade.  

 

Mas é na igrejinha de arquitetura colonial no final da Travessa dos Aflitos, na Rua dos Estudantes, no coração do bairro da Liberdade (bairro oriental), que os devotos lhe fazem reverência todas as segundas-feiras.

Erros Fatais

Proclamada a Independência, em 1822, o Esta­do manteve o direito de tirar a vida dos cidadãos. Um avanço significa­tivo só foi registrado em 1824, quando o País ganhou sua primeira Constituição. Ainda assim, os en­forcamentos prosseguiram.

Tanto no período colonial quanto no Império, foram muitos os casos de condenações baseadas em julgamentos sem provas, erros judiciários, clemências tar­diamente concedidas.

Na quase totalidade, exceto nas rebeliões, conspirações ou in­surreições, os condenados à morte eram escravos negros. Seus car­rascos, geralmente, também eram negros condenados. Para escapar à pena capital, aceitavam o ofício de enforcar os outros condenados.

Não foram poucas, contudo, as vezes em que carrascos negros, embora correndo o risco de serem executados, se recusaram a enfor­car condenados.

O jornal Demo­cracia, por exemplo, relatou o que ocorreu em Lorena: um carrasco se negou a enforcar o condenado, alegando que não cometeria “as­sassinato”. Mais: Clóvis Moura es­creveu em seu Dicionário do Ne­gro, no verbete “carrascos”, que:

“mesmo aos escravos repugnava a função odiosa. Alguns preferiam morrer a enforcar outros…”

Regis­traram-se também destruições de forcas, praticadas por negros escravos unidos a índios. Brancos e ricos raramente experimentavam o nó na garganta.

Notícia em 1935

A morte de Chaguinhas aparece no jornal O Estado de S.Paulo, de julho de 1935. Uma reportagem conta sobre a descoberta de documentos do caso, fato ainda pouco estudado por historiadores.

Chaguinhas nasceu em São Paulo. Sua família tinha residência na Rua das Flores (atual R. Silveira Martins), no centro da cidade.

Aloysio Letra é quem chama minha atenção para este personagem da história negra, compôs um samba em homenagem a Chaguinhas.

Fontes: Wikipédia, Estadão, Apocalipse 2000, Novo Milênio, NeLeland

Escrito em 15 de maio de 2016

24 comentários em “Francisco José das Chagas, no driblar a morte, o seu pioneirismo”

  1. Podem mudar o nome de ruas, largos e vielas, mas jamais poderão apagar a divida que tem como os índios e os negros. As cidades infelizmente estão fundamentadas em explorações que precisam ser denunciadas. Importante e fundamental este blog no sentido de visibilizar esses personagens históricos. Obrigado Tânia ! Saravá !

    1. José Menino dos Santos

      Estou lendo o livro Tradicõe e Reminiscências Paulistanas do historiador Affonso de A. Freitas, que conta essa fantástica história.

  2. não. nada que estudei até hoje sobre o tema e sobre o personagem se referem a ele como negro. e digo ainda, isso pra mim pouco importa, o que importa é que ele era um brasileiro íntegro que se irrompeu contra as mazelas de seus opressores. uma lição para nós brasileiros contemporâneos, negros ou não, amarelos ou não. dane-se a cor do brasileiro que se rebelou contra o processo.

  3. Oi, essa ilustração do Chaguinhas, vcs sabem de quem é? Queria usar num video sobre o bairro da liberdade e não sei se tenho autorização para isso. Obrigada

  4. Por tudo que o Cabo Chaguinha passou em seu martírio pelo meno o nome de uma rua em sua homenagem no bairro da liberdade SP deveria ter.
    Ou um monumento na Praça da Liberdade em sua honra
    Para que as pessoas saibam que no Brasil existiu um policial que foi esquartejado por defender os seus direitos .

  5. Sou também descendentes de japoneses e acho ridículo o título do metrô: Japão-Liberdade.
    Por mais que façam deste bairro uma conotação Oriental,nunca será!
    Debaixo das ruas da feira da Liberdade,da Ikesaki perfumaria,Marukai,Bubble Kill ha centenas de corpos de escravos,vitímas de um dos episódios mais sórdidos e crueis, vergonhosos da história do Brasil.
    Tenho um grande apreço por essa igreja,vou lá rezar,conheci uma mulher que conseguiu a graça após um pedido ao mártire Chaguinhas.
    Liberdade,Liberdade!

  6. José Menino dos Santos

    Estou lendo o livro Tradicõe e Reminiscências Paulistanas do historiador Affonso de A. Freitas, que conta essa fantástica história.

  7. Pingback: Atividades na região central de São Paulo buscam lembrar o 'santo dos excluídos' - Rede Brasil Atual

  8. Francisco Assis Santos da Silva

    HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA E ALTAMENTE DIDÁTICA.

    OBS: Desculpem o erro grosseiro na última menssagem, segue a correta.

  9. ARSENIO GAMA BROWN

    Desconhecia a história deste bravo brasileiro, que por coincidencia morreu assassinado no mesmo dia em que nasci, o Brasil deve muito a esses homens que lutaram por justiça, dignidade e liberdade, que Xango com certeza o tem a seu lado com um bravo soldado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *