Primeiro antropólogo da República Democrática do Congo, o ativista e intelectual é referência no estudo do racismo na nossa sociedade.
O primeiro antropólogo formado na Université Officielle du Congo, em Ciências Sociais (Antropologia Social e Cultural), antigo Zaire, Kabengele Munanga, é também o único aluno que teve aulas com professores franceses, belgas e americanos convidados, pois não havia ainda professores africanos na Universidade.
Kabengele nasce em 22 de junho de 1940 na aldeia de Bakwa Kalonji, República Democrática do Congo (ex-Zaire e ex-colônia belga). Lá, recebe sua educação primária. Aos dez anos, deixa a aldeia para estudar em um colégio interno jesuíta.
Ao graduar-se em antropologia social e cultural pela Universidade Oficial do Congo, no ano de 1969, torna-se o primeiro antropólogo de seu país e recebe uma bolsa do governo belga como pesquisador no Museu Real da África Central, em Tervuren, e como aluno do programa de pós-graduação na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Essa bolsa é interrompida em 1971, por questões políticas, antes da conclusão de seu doutorado.
Um brasileiro
Em julho de 1975, Kabengele chega ao Brasil e se inscreve no doutorado, sob a orientação do professor João Batista Borges Pereira. Como estava bastante adiantado, em dois anos defende sua tese – o processo de mudanças socioeconômicas numa comunidade no sul do Congo – e retorna ao seu país. Só um pouquinho…
O ano de 1979 marca a entrada do professor Kabengele em território nacional. Desta vez, para sempre.
Primeiro, ele assume a cadeira de Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte. Depois de um ano, inicia a segunda fase de sua carreira na USP – Universidade de São Paulo, onde atua até 2012 como professor titular de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, vice-diretor do Museu de Arte Contemporânea, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia e do Centro de Estudos Africanos.
Antropologia África-Brasil
Naturalizado brasileiro, o professor congolês especializa-se em Antropologia Africana, com ênfase na questão do racismo na sociedade brasileira.
Temas como políticas e discursos antirracistas, negritude, identidade negra versus identidade nacional, multiculturalismo e educação das relações étnico-raciais fazem parte de seu legado.
Kabengele Munanga é autor de mais de 150 publicações entre livros, capítulos de livros e artigos científicos. É reconhecido como um dos protagonistas intelectuais negros no debate nacional em defesa das cotas e políticas afirmativas.
Entre seus livros, “Negritude: Usos e Sentidos”, “Racismo: Perspectivas Para Um Estudo Contextualizado Da Sociedade Brasileira” – co-escrito com Carlos Alberto Hasenblag e Lilia Moritz Schwarcz -, “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra”; “O Negro no Brasil de Hoje” – co-escrito com Nilma Lino Gomes – e “Origens Africanas do Brasil Contemporâneo “.
Racialização?
Um dos episódios mais polêmicos de sua carreira foi o debate que travou, em 2009, com o geógrafo Demétrio Magnoli, no qual foi acusado de ser um dos líderes do projeto de racialização do Brasil – acusação repetida no artigo intitulado “Monstros Tristonhos”.
Isso porque o antropólogo denunciou que duas universidades federais – de Santa Maria e São Carlos – haviam criado tribunais raciais e cancelado as matrículas de jovens mestiços.
Na réplica, Kabengele apresenta-se como alguém que milita intelectualmente para que outros negros, índios e brancos pobres tenham as mesmas oportunidades que ele.
O antropólogo sustenta que “um dos maiores problemas da nossa sociedade é o racismo, construído com base em essencializações socioculturais e históricas, e não mais necessariamente com base na variante biológica ou na raça”.
Políticas negras
Para Kabengele, “não se luta contra o racismo apenas com retórica e leis repressivas, não somente com políticas macrossociais ou universalistas, mas também, e, sobretudo, com políticas focadas ou específicas em benefício das vítimas do racismo numa sociedade onde este é ainda vivo”.
Em 2002, o governo brasileiro concedeu a Kabengele Munanga o diploma de sua admissão na Ordem do Mérito Cultural, na classe de Comendador.
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Conheça também a história de outros africanos que se destacaram no mundo como Wole Soynka, primeiro africano a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura; Fela Kuti que com criou o afrobeat, um som que invadiu o mundo, e Nelson Mandela, que mobilizou todo o planeta na luta por liberdade.
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Escrito em junho de 2021
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