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As mil faces de Maya Angelou

Atriz, cantora, bailarina, escritora, cozinheira, jornalista, condutora de bondes, prostituta, poeta que, como na sua poesia, se ergue quantas vezes forem necessárias, eternamente, é também a primeira mulher negra a estampar uma moeda dos Estados Unidos.

Poetisa, escritora, ativista de direitos civis, historiadora, atriz, bailarina, professora, cantora, cineasta, motorista, prostituta, intérprete, jornalista, produtora teatral, diretora de televisão, contratada como a primeira negra nos bondes de São Francisco, aos 15 anos de idade, como trocadora, depois de meses de insistência junto à gerência da Market Street Railway Company… Maya Angelou, nasceu à frente de seu tempo. 

Aos 17, tornou-se a primeira motorista negra de ônibus em São Francisco. Numa época em que não era comum, assumiu-se mãe solteira. Alguns anos depois, tornou-se a primeira  negra roteirista e diretora em Hollywood. E mesmo depois de morta, torna-se, em 2022, a primeira mulher negra a ter o rosto em uma moeda norte-americana.

Uma das escritoras mais premiadas de sua geração, referência da literatura, tem em seu currículo cinco livros de ensaios, numerosos livros de poesia, mais de 50 doutoramentos honoris causa e uma longa lista de jogos, filmes e programas de televisão.

Movimento negro

Amiga de Martin Luther King e Malcolm X, nos anos 1960, atuou na luta pelos direitos civis,  contra o racismo e a favor da integridade dos afro-americanos. Viajou pela África, como jornalista e professora, ajudando vários movimentos de independência.

Malcom X e Maya Angelou
Malcom X e Maya Angelou

Ela e Martin Luther King imaginavam a possibilidade de um presidente negro nos Estados Unidos. Para ele, isso aconteceria em até 40 anos. Maya acreditava que não estaria viva para testemunhar tal acontecimento. Mas viveu.

Em 2011,  Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, a condecorou com a medalha presidencial da liberdade — a mais alta honraria concedida pelo governo americano a civis.

Outros presidentes

Maya dedicou sua energia a uma ampla variedade de projetos. Foi nomeada pelos presidentes dos Estados Unidos, Gerald Ford e Jimmy Carter, para diferentes comissões culturais.

Em 1993, recitou  On the Pulse of Morning na cerimônia de posse de Bill Clinton, algo que não acontecia desde 1961, quando Robert Frost recitou na posse de John F. Kennedy. Isso lhe trouxe mais fama e também mais reconhecimento a seus trabalhos anteriores e gravação do poema lhe rendeu um Grammy.

Em junho de 1995, apresentou um segundo poema em público, intitulado A Brave and Startling Truth (Uma Verdade Corajosa e Surpreendente), para comemorar o 50º aniversário da ONU – Organização das Nações Unidas.

Em 2000, recebeu do presidente Bill Clinton a Medalha Nacional das Artes.

Fonte de inspiração

Maya – apelido derivado de  My (meu) ou Mya sister (minha irmã) – é “presente” de seu irmão mais velho.

Marguerite Annie Johnson – nome de batismo – nasceu em St. Louis, Missouri, em 4 de abril de 1928,  a segunda filha de um porteiro e nutricionista da marinha e de uma enfermeira.

Foto 3x4 de Maya Angelou quando criança
Maya Angelou quando criança

Quando tinha três anos, devido à separação dos pais, viajou sozinha de trem – com seu irmão de quatro anos  – para o Arkansas, onde morariam com a avó paterna, Annie Henderson, que era uma exceção nas duras condições econômicas dos afro-americanos na época,  porque prosperara financeiramente durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial graças a uma loja de artigos de primeiras necessidades.

A avó, com sua força e independência, foi um grande modelo e uma fonte de inspiração. A menina logo perceberia o que significava ser negra em uma sociedade racista. “Era horrível ser negra e não ter controle sobre minha vida”, escreveu em sua primeira autobiografia, Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola., incentivada por amigos como o escritor James Baldwin, figura emblemática da literatura negra.

I Know Why tha Caged Bird Sings – título em inglês da  primeira e mais aclamada de suas sete  autobiografias, escrita em  1969,, lhe valeu uma indicação para o National Book Award em 1974 e, em 1979, foi adaptada para um roteiro de televisão.

Palavras que falam

I Know Why tha Caged Bird Sings  guarda, também, um de seus grandes traumas da infância: ela foi violentada,  aos 8 anos, pelo namorado de sua mãe, o que trouxe como consequência quase cinco ano de  mutismo.

Isso aconteceu quando, quatro anos depois, seu pai, sem prévio aviso, mandar os dois irmãos de volta para a casa da mãe em St. Louis. Ela não se calou: contou para o irmão e este contou para o resto da família. O homem foi julgado e declarado culpado, mas foi condenado a apenas um dia de prisão.

Quando saiu da cadeia, foi assassinado, – provavelmente pelos seus tios. Mas ela, menina, acreditando-se culpada, pensava:

Minha voz o havia matado; eu matei aquele homem porque disse seu nome. E depois pensei que nunca mais voltaria a falar, porque minha voz poderia matar qualquer um…”

Assim, ela converteu toda a dor e medo das palavras em uma jornada insaciável pela literatura – um lugar onde  podia expressar seus sentimentos mais profundos, contar suas histórias,  lutar contra o racismo e inspirar mulheres ao redor do mundo.. 

E deste lugar da emoção que nasce Maya Angelou,símbolo de fortaleza feminina e negra, rompendo barreiras.

Ônus e bônus

Durante os cinco anos de silêncio, Maya Angelou desenvolveu uma memória extraordinária, o amor pelos livros e pela literatura e a grande habilidade de observar e escutar o mundo ao seu redor.

De volta à casa da avó, uma professora e amiga da família, a senhora Flowers, a ajudou a recuperar a fala e lhe apresentou Charles Dickens, William Shakespeare, Edgar Allan Poe, Douglas Johnson e James Weldon Johnson, escritores que, ao lado de artistas feministas de raça negra como Frances Harper, Anne Spencer e Jessie Fauset, teriam influência em sua vida e em sua carreira.

Aos 14 anos, Maya e seu irmão voltam a morar com a mãe, desta vez em Oakland, Califórnia, e tem início uma vida rica em experiências e aventuras.

Maya Angelou e sua mãe, Vivian Baxter (Imagem: BBC)

Durante a Segunda Guerra Mundial,  cursou a Escola de Trabalho Social da Califórnia e, antes de se formar, trabalhou como condutora de bondes e foi a primeira mulher negra a ter esse trabalho em São Francisco.

Memorialista

Acompanhar sua metamorfose desde criança frágil até mulher determinada, contar sua história, fez de Maya Angelou um novo tipo de memorialista, uma das primeiras mulheres afro-americanas capaz de discutir publicamente tudo que viveu. 

Muitos críticos rotulam sua série autobiográfica – escrita entre 1969 e 2013 – como  “autobiografias de ficção”, mas também a interpretam como um  desafiar a estrutura comum das autobiografias, expandindo o gênero,  uma vez que, em suas obras,  discute como a individualidade do ser humano pode ser afetada pela opressão social, racial e de gênero.

Vida amorosa

Três semanas depois de terminar a escola, aos 17 anos, deu à luz seu filho e se viu obrigada a aceitar numerosos trabalhos para sustentá-lo, entre eles trabalhar como prostituta ou administrar um bordel.

Maya Angelou e seu filho
Maya Angelou e seu filho, Guy Jhonson (Imagem: Divulgação)

Em 1950, casou-se com Tosh Angelos, um músico grego amador. O casamento dura pouco e ela se entrega à arte. Estuda dança e teatro, faz uma turnê por 22 países da Europa cantando a ópera Porgy and Bess, além de atuar em várias peças dentro e fora da Broadway. 

Vinte e três anos depois, se casa de novo, desta vez com Paul du Feu, ex-marido de uma feminista australiana, e por isso foi criticada pelos radicais negros. O casamento dura até 1981, mas acaba em  divórcio.

De volta ao sul dos Estados Unidos, ela sente necessidade de se reconciliar com o seu passado.

Apesar de não ter um título universitário, aceita ser professora de Estudos Americanos na Universidade de Wake Forest, Carolina do Norte, onde é uma das poucas docentes contratadas em regime integral. 

Maya e Oprah

1979 marca o início da  amizade de Maya com a desconhecida apresentadora de Baltimore, Oprah Winfrey, que se tornou sua discípula por admirar sua capacidade de sobrevivência e sua habilidade de conquistar seu espaço em mundos até então reservados para os homens brancos.

Oprah e Maya Angelou (Imagem: Joe Pugliese)
Oprah e Maya Angelou (Imagem: Joe Pugliese)

Em 2006, apoiada em sua amizade com Oprah, começa a apresentar um programa de rádio chamado Oprah and Friends.

Anos antes, havia dedicado à apresentadora sua coleção de ensaios Wouldn’t Take Nothing for My Journey Now (Não Levaria Nada para Minha Viagem Agora).

Nas telas

Maya escreveu com frequência para a televisão e para o cinema. Obteve uma indicação para o Emmy por seu papel em ‘Roots’ em 1977 e continuou aparecendo nas telas, por exemplo, na série ‘Raízes’.

Sua estreia como diretora de cinema aconteceu em 1998 com Down in the Delta.

E, no meio de tudo isso, ela encontrou espaço para compor canções para Roberta Flack; escrever livros para crianças; apresentar a ‘Coleção de Mosaicos da Vida de Maya Angelou’ – uma série de cartões de felicitação com seus versos, enquanto levava adiante seus planos de escrever um livro de receitas e dirigir outro longa-metragem, além de fazer palestras onde fosse requisitada.

Sua história

No final de 2010, Angelou doou seus escritos pessoais e lembranças da carreira ao Centro Schomburg para a Pesquisa da Cultura Negra no Harlem. A doação consistiu em mais de 340 caixas com notas escritas a mão em cadernos de folhas amareladas para sua primeira autobiografia, correspondência de fãs, pessoal e profissional.

Maya Angelou (Imagem: Jill Krementz)
Maya Angelou (Imagem: Jill Krementz)

Aos 85 anos, em 2013, publicou sua sétima autobiografia, intitulada Mom & Me & Mom (Mamãe & Eu & Mamãe), com foco no relacionamento com a sua mãe.

Na morte

Maya Angelou faleceu em 28 de maio de 2014 , com 86 anos.

Memorial para Maya Angelou
Serviço memorial para Maya Angelou realizado na Wake Forest University em 2014 (Imagem: Getty / Grant Halverson)

Na época,  trabalhava em um novo livro, uma autobiografia sobre suas experiências com líderes nacionais e mundiais.

Durante o funeral na Universidade de Wake Forest, seu filho recordou que, apesar das constantes dores derivadas de sua carreira de bailarina e das crises respiratórias, escreveu quatro livros durante os últimos dez anos de vida.

Na semana seguinte à sua morte, sua primeira autobiografia, Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola  ocupou o primeiro lugar na lista de mais vendidos da Amazon.

Na moeda 

As primeiras moedas com o rosto de Maya Angelou,  fabricadas pela Casa da Moeda, foram exibidas pelo Departamento do Tesouro no dia 11 de janeiro de 2022.

A homenagem à escritora é resultado de um projeto de lei de 2020,  encabeçado pela congressista afroamericana Barbara Lee, do Partido Democrata.

Desde 1932, as moedas de 25 centavos, chamadas “quarters“, tiveram duas versões alterativas: a série representando os 50 estados do território, nos anos 2000, e a dos parques nacionais, em 2010. 

Harriet

Antes de Maya, um projeto de Barack Obama, de 2016, propunha a substituição da efígie do presidente escravagista e eugenista Andrew Jackson, que estampa a nota de US$ 20, desde 1928, pela da ativista  Harriet Tubman.

Ao contrário de Jackson, Harriet Tubman tem feitos memoráveis e históricos na sua jornada, entre 1822 e 1913. Nascida sob correntes, atuou como espiã na Guerra Civil Americana e ajudou a libertar os negros escravizados dos estados sulistas, levando-os escondidos para os estados do norte, onde não havia escravidão.

E, também, foi a única mulher a liderar homens em um combate durante a guerra. Após o conflito armado, em Nova York, liderou uma campanha pela igualdade dos direitos das mulheres e pelo voto feminino.

Donald Trump, ao assumir a presidência, literalmente sentou sobre projeto. E, ainda na campanha eleitoral, no mesmo 2016, sugeriu que Harriet fosse retratada na nota de US$ 2, que quase não circula mais.

Experimente a potência da poesia de Maya Angelou, em Eu Me Ergo.

Inspire-se também com o pioneirismo das atrizes Viola Davis, Ruth de Souza e Hattie McDaniel.

Fontes: livro “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, El Pais, Wikipédia, Pensador, Estadão, CNN, Vogue

Escrito em 28 de maio de 2014

3 comentários em “As mil faces de Maya Angelou”

  1. Pingback: Eu me ergo • Primeiros Negros

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