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Dapper Dan, o maior alfaiate da história da moda negra

Nas suas mãos, luxo e realeza se confundem em corpos pretos contemporâneos. O estilista leva a alta costura para as ruas do Harlem e customiza tudo. Veste gangsters e rappers na década de 1980. Populariza a sofisticação e faz as grandes marcas se renderem.  

O que este artigo responde: Quem é Dapper Dan? Qual é o pioneirismo de Dapper Dan?  Qual é a importância de Dapper Dan para a moda? Quem é o “Rei das Imitações”? Como Dapper Dan se tornou estilista? O que é a “logomania” que Dapper Dan criou? Onde era a boutique de Dapper Dan? Como é a moda criada por Dapper Dan?

Dapper Dan (Imagem: GQ)
Dapper Dan (Imagem: GQ)

Dapper Dan oficializa o look dandy para artistas e público do hip hop ao abrir sua confecção de roupas customizadas e unir o nome de grifes europeias ao estilo de rua dos bairros negros de Nova York. Ele é um ícone, um dos grandes nomes da moda norte-americana! Sua marca transcende o tempo e as tendências.

Por sua estratégia, criativa e radical, por muito tempo é chamado de “King of knock-offs“- Rei das Imitações. Isso porque usa e abusa,  literalmente, dos logotipos das grandes marcas de luxo para suas customizações

O estilista desenvolve em seu ateliê uma técnica de estamparia de logomarcas para peças inteiras de roupa e para calçados. E passa a estofar o interior dos carros de seus clientes com a mesma técnica – o que o faz explodir em popularidade.

O sucesso dura até 1992, quando a Gucci o processa por uso indevido de sua marca e a Dapper Dan’s Boutique é obrigada a fechar as portas. Mas o tempo põe tudo em seu devido lugar. 

Estética singular

As criações feitas à mão e customizadas por Dapper Dan dialogam com os estilos preferidos dos moradores do gueto e dos artistas negros da época – anos 1980 e 1990. 

É uma estética singular que remete ao dandismo negro dos séculos passados. É em seu ateliê no coração do Harlem que o estilista se consagra como o criador da logomania, ao misturar o estilo das ruas com o luxo das grifes – Gucci, Louis Vuitton, Prada, Fendi…

Homem de negócios na essência – já era assim na infância -, ele preenche um nicho do mercado da moda subestimado pelas grandes marcas. Inaugura sua casa de alta costura na 125th Street entre Madison e Fifth Avenues, no coração e no ritmo frenético da periferia de Nova York.

Detalhe do sapato de Dapper Dan (Imagem: GQ)
Detalhe do sapato de Dapper Dan (Imagem: GQ)

Como se costuma dizer, “não tinha pra ninguém”. O cara é único!   Sua loja se torna ponto de encontro vibrante para artistas negros, funciona 24 horas por dia. Tem a marca do ineditismo e da ousadia.

As grifes produziam apenas acessórios como carteiras e bolsas, enquanto Dan oferece ao público, além de atualidade no estilo, originalidade. Cria conjuntos completos – calça, jaqueta, tênis –,  estampados com os logos das grandes grifes.

E, também, trabalha com couro e peles – o último, símbolo clássico da moda no Harlem. Aprende técnicas de fabricação, usando materiais como chinchila e raposa. 

Os clientes de Dapper Dan

No início, a clientela principal é formada por traficantes. Entre eles, o chefão do tráfico Alpo Martinez, conhecido durante anos como o “Rei das Drogas”. Dapper é consagrado como o criador do estilo Gangster Chic, Glamour Gangster.

O estilista é referenciado várias vezes no filme Paid in Full, de 2002, sobre a história de Alpo Martinez e o tráfico em Nova York nos anos 1980.

Todos buscam inspiração na extravagância de Frank Sinatra e Sammy Davis Jr. Alguns, pedem parkas e chapéus blindados, unindo estilo e proteção de um jeito único.

(Parka é aquele casaco impermeável, pesado e quente,  com um corte mais solto e comprimento maior, capuz, usado para se proteger do frio.)

1985 é o ano em que o Glamour Gangster ganha um toque de cultura. Dapper Dan entra  no cenário da moda hip-hop estilizando o rapper LL Cool J pela primeira vez

Concebe looks exclusivos para a dupla Eric B. & Rakim, que usa seus designs nas capas dos álbuns  Paid in Full e Follow The Leader. The Fat Boys, Salt-N-Pepa, KRS-One, Bobby Brown, Jam Master Jay, Run DMC, LL TraJ e Big Daddy Kane também fazem parte de sua clientela.

Criação especial de Dapper Dan para Mike Tyson (Imagem: Divulgação)
Criação especial de Dapper Dan para Mike Tyson (Imagem: Divulgação)

Outro famoso que frequenta seu ateliê é Mike Tyson, que chama atenção da mídia para o local. O ano é 1988. O New York Times publica a manchete: Tyson machuca mão direita em briga com boxeador. No artigo, conta que o incidente aconteceu no Harlem, em um lugar listado nas listas telefônicas como “Dapper Dan”, que o lutador descreve como “uma loja de roupas 24 horas que atende artistas”.

Na reportagem, Tyson conta que passou por lá só para buscar sua icônica jaqueta Don’t believe the hype (Não acredite na moda – em tradução livre), em couro branco e acabamentos em preto e dourado, jaqueta que exibe com orgulho  durante a coletiva de imprensa na manhã seguinte ao entrevero, quando seu nome está na capa do jornal. 

Integram a lista de clientes da Dapper Dan’s Boutique, ainda, Rihanna, Virgil Abloh, Pharrell, Kanye West… Pessoas do gueto  que queriam acessar o luxo e o consumo de alto padrão, mas que nunca foram contempladas em suas preferências estéticas, vistas como potenciais consumidoras. 

Vácuo inspirador

É o desprezo das marcas de luxo  com a  comunidade negra do Harlem  que inspira Dapper Dan a fazer diferente – nem mesmo roupas com tamanhos para o nosso público eram produzidas. E ele muda essa história. Mergulha no aprendizado sobre o setor e cria seus designs.

Mas, antes, volta a uma de suas paixões de menino, a biblioteca. Não mais buscando livros sobre a África, como fazia quando criança, mas estudando moda, símbolos e o impacto dos logotipos.

Visionário, ele não se limita à alfaiataria. As ruas do Harlem são a sua passarela e, por lá, começam a desfilar criações que transformam referências de poder e riqueza em roupas extravagantes, com logotipos de marcas de luxo estampados de forma marcante e cortes personalizados que passam confiança e atitude.

Uma de suas criações mais notáveis é uma jaqueta volumosa de pele com o padrão da Louis Vuitton nas mangas, feita para a atleta olímpica Diane Dixon, no final dos anos 1980.

Hip-hop

A Dapper Dan’s Boutique surge em um momento importante  para o hip-hop, prestes a entrar em sua era de ouro. O estilo musical anda de mãos dadas com a moda, dissemina uma nova estética visual e ter um lançamento da Adidas nos pés e uma jaqueta preenchida com vários logotipos da Louis Vuitton era uma maneira de exibir o sucesso.

A comunidade negra prospera a partir de seus rappers que, com o aumento no poder de compra, optam por vestir roupas de grifes e falar sobre essa ostentação em suas músicas – não para exibir riqueza, mas para reivindicar pertencimento.

Kith Editorial Puma x Dapper Dan (Imagem: Divulgação)
Kith Editorial Puma x Dapper Dan (Imagem: Divulgação)

O discurso, entranhado na ostentação e explicitado em palavras, se refere à construção de uma estética de riqueza própria, a ridicularizar o luxo e explicitar que,  apesar de terem conquistado fortuna, não querem igualar-se aos brancos.

Dapper deixa a sua assinatura na base do que se tornaria uma tendência dominante: a logomania no universo do streetwear – estilo urbano, de roupas casuais: moletons,  jaquetas grandes, corta‑ventos, bomber‑jackets, bermudas biker e mais bonés, tênis, correntes de ouro… 

Invisíveis?

O sucesso da união de moda de luxo e cultura do povo preto da periferia é incontestável. As grandes casas de moda fazem de tudo para ignorar o fenômeno. Mas sente que algo está fora do lugar – para elas. Afinal, Dapper Dan se apropria das logomarcas e monogramas de luxo!

As grifes decidem ir para o confronto. O estilista torna-se alvo de operações de falsificação, de violação de direitos. No auge de sua popularidade, em 1992, enfrenta a Gucci. E, tudo somado, resulta no fechamento da boutique pioneira do Harlem. 

Entre os anos 2006 e 2007, o  Museu da Moda da Cidade de Nova York exibe peças icônicas de Dapper Dan na mostra Black Styles Now- Estilos Pretos Agora, celebrando seu impacto na moda afro-americana, com estilos únicos e influência da cultura e do design

Gucci by Dapper Dan

Passados mais de vinte anos, o mundo branco da moda reconhece a influência do estilista no setor e, em 2017, a mesma Gucci, que o processou por uso indevido de sua logomarca, lança uma coleção que imita uma de suas criações mais icônicas. 

Alessandro Michele, diretor criativo da empresa, apresenta uma jaqueta com mangas exuberantes com o logotipo da marca, nas passarelas da coleção de Outono/Inverno 2018 – uma criação muito parecida com a  jaqueta de pele usada por Diane Dixon em 1988, assinada por Dapper Dan.

A semelhança não passa despercebida, principalmente nas redes sociais, que levantam a questão de a grife italiana se aproveitar de Dapper Dan, depois de ter fechado a sua loja. Mas a denúncia contra Gucci se refere a apropriação cultural – e não “uso ilegal”.

A grife italina reconhece ”ter-se inspirado” no trabalho de Dan e o convida para uma colaboração – do dia para a noite, o estilista negro se  transforma no rosto da Gucci, na linha de alfaiataria.

A atitude da grife traz o trabalho do alfaiate do Harlem ganhar espaço nas principais semanas de moda pela primeira vez. A coleção em sua homenagem é composta de peças clássicas de sua autoria, atualizadas para 2018: os paletós xadrez ganham versão feminina e jaquetas de nylon vêm com grandes logos da marca.

O estilista e a  Gucci abrem um atelier no Harlem. A grife fornece tecidos e estampas para customizar. Quer dizer, peças Gucci by Dapper Dan.

“Sem querer, querendo…” 

Na coleção de inverno 2019, a grife lança um suéter preto com gola alta e uma grande boca vermelha. Internautas viram na peça uma referência à blackface, uma representação caricatural e racista dos negros, criada há mais de 200 anos, quando do surgimento do dandismo negro.

Veja a linha do tempo O dandismo negro através dos séculos!

Dapper Dan, surpreendido pela produção da Gucci, expressa sua indignação com a grife pelas redes sociais:

“Sou um homem negro frente a uma marca. Não há desculpa que apague esse tipo de insulto”.

A Gucci, acusada de racismo, retira a peça de circulação.  

Ícone

Dapper Dan é citado pelo rapper  Jay-Z, em 2001, na música U Don’t Know, do álbum The Blueprint, mostrando como seu nome já está ligado à cultura do hip-hop. 

Documentários como Fresh Dressed, de 2015, dirigido por Sacha Jenkins, exploram sua influência no streetwear e no mundo da moda, destacando seu papel pioneiro. 

The New York Times, Vogue e GQ , entre outros jornais e  revistas, já publicaram entrevistas com sua visão sobre estilo, cultura e a luta pela representação negra na indústria da moda.

Na série  Netflix sobre sobre Luke Cage,  Dan  faz duas participações especiais,  interpretando a si mesmo, que reforçam a conexão entre sua figura icônica e a essência cultural do Harlem retratada na produção.

Ele é a inspiração no poema Dapper Dan Meets Petey Shooting Cee-lo, escrito por Willie Perdomo, sobre sua influência que atravessa décadas e se espalha por diferentes expressões artísticas.

Em 2020, aparece na lista das 100 pessoas mais influentes do ano da revista Time, solidificando seu impacto na moda, na cultura e no mundo.

   De crescer com buracos nos sapatos e nadar no rio do Harlem a atravessar o  rio Nilo em busca da minha identidade…

Eu não tinha nada…

O Harlem e a África moldaram a minha vida.”

– Dapper Dan

Dapper Dan (Imagem: Dazed | Petra Collins)
Dapper Dan (Imagem: Dazed | Petra Collins)

Os primeiros anos de vida do menino que nasce em 8 /8/1944

Certidão de nascimento: Dapper Dan nasce Daniel R. Day.
Data de nascimento: 8 de agosto de 1944
Local: um pequeno apartamento no Harlem, Nova York, centro da cultura negra americana, uma comunidade vibrante e majoritariamente pobre, onde não falta música, conversa e o aroma de pratos deliciosos.
Filiação: Robert e Lily Day. Robert é estivador. Lily cuida dos filhos e da casa.
Irmãos: ele é o terceiro de seis filhos 
Escolaridade: não é um aluno exemplar. Convive com o racismo e com a sensação constante de que o sistema está contra ele.
Hobby:  a biblioteca é o seu refúgio. É um apaixonado po livros, em especial sobre história africana e filosofia.
Perfil psicológico: curioso e esperto, passa boa parte da infância brincando nas ruas, ao som do jazz. Tem habilidade para os negócios.
Ocupação: para ganhar dinheiro, engraxa sapatos, vende jornal nas ruas e se envolve em pequenos delitos.
No divã: fala do amor da mãe e do distanciamento do pai, um homem sério, ético, que se reinventa a cada dia para sustentar a família.

Guinadas fundamentais

Em 1968, ele participa de um programa de reabilitação, patrocinado pela Universidade de Columbia, e faz uma viagem à África.  Essa experiência o conecta com suas raízes e muda o seu olhar para a vida.

No ano de 1974, trabalha como jornalista para o jornal New York Amsterdam News, um dos veículos mais importantes da comunidade negra de Nova York.  E, alguns anos depois, é um profissional da moda.

Pai de oitos  filhos com sete mulheres diferentes, conta que sua primeira boutique era um espaço criativo, mas também uma forma de garantir estabilidade financeira para a família. 

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Fontes: Feito por Preto-Moda de Luxo, Wikipédia, FFW, GQ, Azmina, Terra, Uol, Feito Por Preto-Streetwear, Folha de S. Paulo, Meio e Mensagem, Exame

Escrito em 16 de janeiro de 2025

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