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Donyale Luna, a primeira supermodelo negra

Uma imagem completamente nova de mulher, alta, magra, de linhagem afro egípcia, que escurece, pela primeira vez, a capa da revista Vogue, na Europa, depois de ter seu rosto estampado na Harper’s Bazaar, nos EUA, em meio à luta por direitos civis.

Donyale Luna (Imagem: MUBI)
Donyale Luna (Imagem: MUBI)

Uma mulher incrivelmente longa, magra, com olhar penetrante, a garota mais fotografada de 1966 e mais requisitada na alta costura da Europa, um corpo celeste, extraordinária, uma ilustração ambulante…

Ou Donyale Luna, a primeira pessoa negra na capa da revista Harper’s Bazaar, em seus 98 anos de publicação, e a primeira modelo negra a aparecer na capa de uma revista Vogue.

A primeira supermodelo negra a trabalhar com os cineastas Andy Warhol e Federico Fellini, e a ser fotografada pelas lentes de Richard Avedon, o profissional mais requisitado de seu tempo, com quem assinou contrato de exclusividade. A personagem-título do filme italiano Salomé, do diretor Carmelo Bene…

“Era uma miragem, uma espécie de fantasia, entrar em restaurantes e as pessoas pararem de comer para se levantar e aplaudi-la.”

(modelo americana Pat Cleveland, em 1972, sobre Donyale Luna)

Seu segundo pioneirismo – primeira afro-americana a aparecer na capa da revista Vogue, edição italiana, fotografada por David Baylei – é que a torna internacional. Era 1966, “O Ano Luna”, conforme artigo da revista Tempo, publicada naquele 1º de abril, em que a modelo é descrita como “um novo corpo celeste que, por causa de sua singularidade marcante, promete continuar em alta por muitas temporadas”.

A promessa não foi totalmente cumprida, mas Luna brilha, sim, em páginas de revistas, nas telas de cinema – em vários filmes underground – , na noite, mundo afora. E vivencia muito racismo também.

Donyale Luna (Imagem: Reprodução)
Donyale Luna (Imagem: Reprodução)

Desfila para o estilista espanhol Paco Rabanne e testemunha jornalistas americanos cuspindo na cara do profissional da moda por usar apenas modelos negras em seus desfiles. A mídia, aliás, opta pelo sensacionalismo quando escreve sobre ela.

Luna é assunto para toda a imprensa, dada sua história de vida que chama atenção pelo secreto, contraditório, misterioso e evasivo, como escreve a jornalista Judy Pedra, no perfil da modelo para The New York Times, em 1968.

A persona

No documento oficial, ela é Peggy Ann Freeman. Nascida em Detroit, Michigan, em uma família da classe trabalhadora. Sobre seu sobrenome, “Luna”, ela afirma ser de seu pai biológico, responsável por sua concepção a partir do ventre de uma mulher de origem indígena mexicana, sua mãe. Uma de suas avós teria sido uma atriz irlandesa antiga que se casou com um homem negro, decorador de interiores.

Donyale Luna (Imagem: Roy Milligan)
Donyale Luna (Imagem: Roy Milligan)

Pessoas de sua convivência contam que Luna inventava histórias fantásticas com frequência para parecer mais grandiosa – isso desde a adolescência. Donyale Luna é uma personagem de Peggy Ann, a persona que ela cria para estar no mundo, sob holofotes. Um jeito de fugir das muitas marcas de violência em família, que incluem abuso e assassinato – comentam as pessoas próximas.

Luna usava lentes de contato azuis – o que muitos interpretavam como “traição racial”, mas que pode ser visto apenas como mais um “ingrediente na busca por ser outra pessoa. Na época, quando criou o hábito, ainda muito jovem, afirmava ter ascendência “polinésia” e, ao mesmo tempo, se reconhecia como de linhagem afro egípcia.

Exclusiva

A história da modelo, que se dá o nome Donyale Luna, começa em 1963, em Detroit, sua cidade natal, no Michigan, quando conhece o fotógrafo inglês David McCabe. Ele sugere que ela se mude para Nova York para seguir a carreira de modelo. Sua mãe, a desencoraja. Quer que ela seja enfermeira. Mas Peggy não cede ao desejo materno.

Passados dois anos, aos 19 anos de idade – ela é de 31 de agosto de 1945 -, contata o fotógrafo McCabe. Ele envia suas fotos para várias agências e a apresenta para Nancy Whit, editora da revista Harper’s Bazaar ; ao disputadíssimo fotógrafo de moda, Richard Avedon, e à editora sênior de moda China Machado. De imediato, Peggy assina um contrato exclusivo com Richard Avedon e se torna Donyale Luna, para sempre.

O primeiro trabalho como modelo é uma sessão de fotos para Mademoiselle, estrelada por Woody Allen. E, quatro meses depois, na capa de janeiro de 1965 da Harper’s Bazaar, lá está Luna, assinando seu primeiro pioneirismoa primeira pessoa negra na capa da revista em seus 98 anos de publicação! Na edição, Luna é retratada como etnicamente ambígua.

Questão de pele

A Harper’s Bazaar ousa, mas sabe que corre risco. Vive-se os anos 1960, auge do movimento pelos direitos civis dos afro-americanos, de confronto. Os anunciantes do sul do país reclamam de dividir o espaço nas páginas da revista com imagens de uma mulher negra e ameaçam retirar sua publicidade. Mas não só eles!

Leitores cancelam a assinatura da revista. Designers se recusam a vesti-la com suas roupas e até o renomado fotógrafo Richard Avedon é impedido de trabalhar com ela, depois que o contrato de exclusividade expira. Isso, por decisão da Hearst Communications, proprietária da revista Harper’s Bazaar. A modelo pioneiro sente na pele. Sua carreira desacelera.

O jornalista indiano Brigid Keenan, em artigo, sobre o assunto, dá a sua explicação:

“O avanço de Luna nas revistas brilhantes significava que a partir de então uma modelo negra poderia realmente ter algum tipo de carreira pela frente… Mas, por mais extraordinária que fosse, a Sra. Luna não tinha um estilo que outras mulheres pudessem adotar”.

E, de fato, editores de moda brancos a usavam para causar impacto, como “cabide”, onde podiam fotografar suas roupas escandalosas.

Modelos negras só eram “aceitáveis” nas revistas em “roteiros racializados”, com um “quê” de primitivismo e, ainda assim, em segundo, terceiro planos, figurantes.

Outro continente

E Luna “foge” disso tudo. Se muda para a Europa Ocidental. Em entrevista ao The New York Times, ela comenta que “descobriu” que, nos Estados Unidos, “diziam coisas bonitas de um lado e te apunhalavam pelas costas de outro”.

Outro detalhe fundamenta a sua decisão de sair dois Estados Unidos:

“Eu não teria que me incomodar com situações políticas quando acordasse de manhã… Poderia viver e ser tratada como me sentia, sem ter que me preocupar com a polícia”.

E, no velho continente, ela se reinventa mais uma vez, em uma tentativa de escapar da discriminação: é Peggy Anna Donyale Zazia Luna Freeman. Chega a Londres em dezembro de 1965 e faz seu nome como modelo, atraindo atenção internacional.

É fotografada por David Bailey, William Klein, Helmut Newton, Charlotte March e William Claxton. Ansiosa para se juntar à cena artística de Londres, se torna amiga de Mick Jagger, Julie Christie, Michael Caine, Iain Quarrier e Yul Brynner .

Em março de 1966, se torna a primeira modelo negra a a aparecer em uma capa da revista Vogue no mundo – seu segundo pioneirismo. David Bailey, o fotógrafo, a descreve como “uma ilustração ambulante, de aparência extraordinária, tão alta e magra…”

A composição da cena, para a capa, foi inspirada no retrato centrado no olho do surrealista espanhol Picasso, com “um dos olhos de Luna espiando sugestivamente por entre seus dedos”. Na foto, ela usa um vestido Chloé e brincos Mimi. Nas imagens editoriais, está vestida com túnicas de seda Christian Dior, vestidos estilo Mod de Pierre Cardin e um vestido prateado Yves Saint Laurent.

Donyale Lune na capa da British Vogue (Imagem: Divulgação)
Donyale Lune na capa da British Vogue (Imagem: Divulgação)

Luna é descrita na revista Jet como “a garota mais fotografada de 1966 e mais requisitada na alta costura da Europa.” No mesmo ano, reconhecida internacionalmente, é nomeada a “Modelo do Ano” pela Vogue dos mesmos Estados Unidos que não a queriam. Em 1970, aparece em anúncio da empresa de lentes de contato coloridas que costumava usar desde a adolescência.

Herança

Lula vive entre a América do Norte e a Europa Ocidental. Divide-se entre as artes e a moda – prefere as filmagens às passarelas … Mas, o principal, não deixau que os outros a definam, não aceita os papéis que querem impor-lhe. Escolhe não se encolher, se camuflar. E brilha.

Na Itália, conhece seu marido, Luigi Cazzaniga, tem uma filha com ele, Dream, e morre, 18 meses depois de ter-se tornado mãe, de overdose, aos 33 anos de idade, no dia 17 de maio de 1979.

Pioneiríssima, em seu papel de modelo negra, fez e faz diferença no viver de quem veio depois. O seu existir trouxe visibilidade à nossa existência, destrancou portas no mercado de trabalho, foi e é inspiração.

Em 2019, 40 anos após sua morte, a modelo Naomi Campbell lembra a sua jornada. Pat McGrath a usa como inspiração para a sexta edição de sua paleta de maquiagem Mothership. Em novembro de 2020, a atriz Zendaya aparece em um ensaio fotográfico inspirado em Luna para o 50º aniversário da revista Essence.

Sobre ela, ainda, o documentário Donyale Luna: Supermodel , da HBO Max, lançado em setembro de 2023, coproduzido por sua filha Dream Cazzaniga.

“As conquistas das mulheres negras podem ser perdidas porque não são consideradas importantes. Mas Donyale estava à frente de seu tempo e era incompreendida profissionalmente e pessoalmente. Naquela época, eles não sabiam o que fazer com alguém assim.”

(Meliisa Kramer, produtora do documentário Donyale Luna: Supermodel)

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Fonte: El Pais – En, Wikipédia – EN, documentário Donyale Luna: Supermodel (HBO Max)

Escrito em 30 de abril de 2012, atualizado em 30 de janeiro de 2025

1 comentário em “Donyale Luna, a primeira supermodelo negra”

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