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Kamala Harris, flor de lotus

A primeira vice-presidente negra dos Estados Unidos da América traz no nome – de origem indiana – harmonia, conhecimento e sabedoria. E ela é, também, a primeira mulher negra candidata à Presidência da República e a primeira a colocar a legalização da maconha em seu programa de governo.

Kamala Harris

Eu posso ser a primeira, mas não serei a última a ocupar esta função. Porque cada garotinha deste país está vendo hoje que este é um país de possibilidades. Para as crianças, não importa seu gênero, seu país mandou uma mensagem clara: sonhe com ambição, lidere com convicção. Se veja de maneiras que os outros não te veem.”

O trecho acima é uma pequena parte do discurso de  vitória da primeira mulher negra eleita vice-presidente da República, Kamala Harris, em 7 de novembro de 2020, na celebração da votação histórica dos americanos que devolveram ao Partido Democrata a condução dos Estados Unidos da América.

Em seu discurso, ainda, Kamala Harris destaca a importância de ser a primeira mulher a assumir a Vice-Presidência dos EUA e, olhando no seu espelho ancestral, referencia todas as mulheres que lutaram e protegeram o direito ao voto:

“Esta noite eu reflito sobre sua luta. E me levanto sobre seus ombros”.

E segue:

“Quando minha mãe chegou da Índia, aos 19 anos, não podia imaginar esse momento. Estou pensando nela e nas gerações de mulheres negras, asiáticas, brancas, latinas e nativas que, ao longo da história, pavimentaram o caminho. Ao longo da história, muitas mulheres lutaram e se sacrificaram por igualdade e justiça para todos. Mulheres negras, nem sempre lembradas, são a coluna vertebral da nossa democracia”.

Kamala Harris na posição de terceira mulher mais importante do planeta

Mesmo antes da posse, Kamala já ocupava a posição de terceira mulher mais importante do planeta, de acordo com a revista Forbes. Mas ela não foi a primeira a tentar – é a primeira a chegar lá com pompa, circunstância e modernidade mulherista, femininista, singular.

Conheça as histórias de Shirley Chisholm, a primeira a tentar, em 1972, durante as prévias no Partido Democrata, e de Angela Davis, candidata pelo Partido Comunista.

Com Kamala, naturaliza-se a expressão “momala”, de maternidade de filhos não gerados de seu ventre – seu pioneirismo do primeiro, em uma história repleta de primeiras vezes.

A fonte

Seu pai, Donald Harris, nascido na Jamaica em 1938, foi um estudante brilhante que emigrou para a Califórnia depois de ser admitido na Universidade de Berkeley para estudar Economia.

Sua mãe, Shyamala Gopalan, a caçula de quatro irmãos numa família do sul da Índia, apaixonada pela ciência, doutorou-se em Nutrição e Endocrinologia e pesquisadora do câncer de mama.

Shyamala e Donald se conheceram na universidade, participando ativamente do movimento pelos direitos civis do qual participavam ativamente. E o ativismo da primeira filha do casal, Kamala, que em sânscrito significa “flor de lótus”, vem de berço.

Família de Kamala Harris

Os pais se divorciaram quando Kamala tinha sete anos. E, aos 12, junto com sua  mãe e a irmã mais nova, Maya, se mudaram para Montreal, no Canadá.

“Minha mãe entendia muito bem que estava criando duas filhas negras”, escreveu Kamala Harris em sua autobiografia, The Truths We Hold. “Ela estava determinada a garantir que nos tornaríamos mulheres negras confiantes e orgulhosas”.

Kamala Harris nasce em Oakland, Califórnia, em 20 de outubro de 1964, criada “para não falar sobre si” –  já que tal coisa era considerada “narcisista e vaidosa” -, é forjada e parida na luta. Mas lembra de uma infância “feliz e despreocupada”, apesar do fardo racial, da recusa das crianças para brincar com ela e sua irmã, por as duas serem negras.

Ela faz parte da segunda classe integrada na sua escola pública – processo que levava crianças negras de ônibus a escolas em bairros brancos, frequentadas só por crianças brancas e com mestres brancos

Leia a história de Ruby Bridges, primeira criança negra a ir à escola integrada.

O caminho do poder

Não demora, Kamala entende de onde vem o poder. E inicia sua jornada no ativismo comunitário.  Gradua-se em Economia e Ciências Políticas na Howard University, em Washington – universidade em linha com o movimento negro -,e começa sua carreira no Senado, primeiro como assistente de um senador.

Depois de um doutorado em Direito, em 1989, escolhe “entrar no sistema, onde não teria que pedir permissão para mudar o que precisa ser mudado” – como descreve em entrevista ao The New York Times.

Assim, torna-se promotora e conquista seu primeiro pioneirismo: o de primeira promotora distrital negra no Estado de San Francisco, em 2004. E convence os eleitores de que ser “brando com o crime” não é ser progressista.

Com a mesma convicção que manifesta sua oposição à pena de morte, se coloca como defensora ferrenha dos direitos sociais. Muito antes de o casamento gay ser legalizado e estabelecido nos EUA, ela atua na vanguarda da batalha pela união homoafetiva – não hesita e oficializa vários casamentos, que logo depois seriam anulados.

Em sua autobiografia, As verdades que nos movem (Intrínseca, 2021), explica que sua decisão de oficializar os casamentos teve espontaneidade:

“Foi uma sensação maravilhosa quando recebemos a multidão de casais apaixonados, um por um, para se casar naquele momento. Foi diferente de tudo que eu já tinha feito parte antes. E foi lindo.”

Em 2008, anuncia sua candidatura à chefia do Ministério Público da Califórnia e volta a fazer história como primeira procuradora-geral estadual não branca na Califórnia.

E, em 2010, a questão do casamento homoafetivo volta a ter um significado importante em sua carreira – os eleitores de seu Estado haviam decidido pela proibição da união entre pessoas do mesmo sexo e ela afirmou que não defenderia a norma.

A Suprema Corte dos EUA, em 2013, finalmente derrubou a medida controversa e Kamala Harris oficializou o primeiro casamento gay legalizado – casou duas mulheres, Kris Perry e Sandy Stier. E os ativistas a veem como uma pioneira nesta questão.

A senadora

Após dois mandatos como procuradora-geral da Califórnia, à frente do segundo maior Departamento de Justiça do país, Kamala Harris decide concorrer ao Senado nas eleições de 2016.

Seu momento mais notável nessa casa legislativa americana, acontece em 2018, quando, como membro da Comissão de Justiça, ela participa das audiências para avaliar a indicação de Brett Kavanaugh – um homem acusado de estupro -, para ser juiz da Suprema Corte.

A senadora usa suas habilidades de promotora para questionar Kavanaugh sobre sua posição em relação ao direito ao aborto. Quer saber se o juiz trabalharia ou não para derrubar uma decisão de Suprema Corte, então em vigor, que garantia proteção constitucional ao aborto nos EUA.

Em um momento chave, ela fez a pergunta a Kavanaugh que viria a representar aquelas audiências:

“Você se lembra de alguma lei que dê ao governo poder sobre o corpo dos homens?”

Hesitante, Kavanaugh acabou respondendo: “Não.”

A sabatina de Harris se tornou viral e sua perspicácia e capacidade de enfrentar oponentes de alto nível se tornaram mundialmente conhecidas. E sua estrela ganha brilho entre as fileiras democratas.

Na mira

Kamala é uma das indicadas para suceder Barack Obama na Casa Branca, em 2016, mas permanece como senadora do Partido Democrata pela Califórnia. Em 2019, a pioneira volta a mirar a Presidência da República – ela é a primeira aspirante de peso a se lançar na corrida -, mas desiste em favor de Joe Biden, que a convida para compor a chapa, vitoriosa, e provável candidata presidencial em 2024, por o atual presidente eleito, na época, já contar 77 anos de idade.

Embora tenha uma visão mais à esquerda em questões como casamento homoafetivo e pena de morte, Kamala Harris enfrenta críticas de progressistas em temas sensíveis nos debates antirracismo, como reforma policial, combate às drogas e condenações judiciais equivocadas.

Durante a campanha para vice-presidente, defende mudanças em práticas policiais e referiu-se à necessidade de desconstruir o racismo estrutural no país.

Conhecida por suas perguntas incisivas nas comissões de que faz parte como senadora, tem entre suas prioridades reformar a Justiça criminal dos EUA – projeto visto como uma resposta a críticas de progressistas a seu trabalho como uma dura procuradora-geral da Califórnia.

Kamala Harris  toma posse como vice-presidente em 20 de janeiro de 2021, entrando para a história não só como a  primeira vice-presidente mulher e primeira vice-presidente negra, mas também primeira vice-presidente de indianos dos Estados Unidos da América.

Outra curiosidade, que vale conhecer, é o pioneirismo de Kamala em família, inclusive com a mulher mais importante dos Estados Unidos da América.

Momala e o Segundo-Marido

Kamala casa-se depois dos 40 anos com o advogado Doug Emhoff, com a mesma idade que ela. O cupido é uma amiga dela e cliente dele – a amiga dá o número do telefone para aquele que seria o seu futuro marido. Ele envia uma mensagem para Kamala e, menos de um ano depois, em 2014, os dois se tornam marido e mulher – em uma cerimônia civil íntima –  e ela passa a ser a “momala” dos filhos dele, Cole e Ella.

“Momala” – termo que criaram para “mother” (“mãe”)  Kamala.

Kerstin, a primeira esposa, nas palavras de Kamala, “é uma mãe incrível”, escreveu a senadora em um artigo para a revista Elle. E as duas se dão bem.  

Kamala Harris e seu marido Emhoff

Quanto a Emhoff, o segundo-marido, ao lado de uma grande mulher,  também projeta nosso olhar para o ideal de futuro: nada de disputa, parceria sempre.

Com mais de 300 mil seguidores no Twitter, o advogado − que pediu licença devido aos meses tumultuados que se avizinham na reta final para as eleições – se define em seu perfil como “pai, marido de @KamalaHarris, advogado, aspirante a jogador de golfe, defensor da justiça e da igualdade”.

E, durante o processo eleitoral, exibe em seu celular um adesivo que dizia:  “O lugar de uma mulher é a Casa Branca”. Assim, o segundo-marido também derruba barreiras. Até porque ser segundo-marido dos Estados Unidos é algo totalmente novo na história do país – apenas dois homens tiveram a possibilidade de ocupar este lugar: em 1984, John Zaccaro, marido de Geraldine Ferraro, e em 2008, Todd Palin, marido de Sarah Palin.

Movimento de mulheres

São poucas as mulheres que tentaram concorrer ao cargo de presidente ou vice-presidente dos Estados Unidos. A primeira mulher negra a fazê-lo é Shirley Chisholm, que concorreu à nomeação do partido democrata à Casa Branca em 1972, mas não foi escolhida.

Shirley também foi primeira mulher negra eleita congressista, por sete mandatos, entre 1969 e 1983.

Kamala Harris é a quarta mulher a integrar uma chapa presidencial de um grande partido nos Estados Unidos – e a única negra a eleger-se.

Outra negra, candidata à vice-Presidência dos Estados Unidos, por duas vezes, em 1980 e 1984, é Angela Yvonne Davis, companheira de chapa de Gus Hall, presidente do Partido Comunista americano.

Entre as mulheres brancas, Geraldine Ferraro, vice de Walter Mondale, do Partido Democrata, em 1984; Sarah Palin, vice de John McCain, do Partido Republicano, em 2008, e Hillary Clinton, que em 2008 concorreu na convenção democrata e em 2016 foi escolhida como candidata à Presidência. Todas, no entanto, perderam.

A vice

Como vice-presidente, Kamala Harris é também presidente do Senado e, quebrou recordes, com o voto de minerva para desempatar votações . Sua atuação teve importância, ainda, na elaboração do Plano Americano de Resgate Econômico de 2021, que garantiu ajuda financeira durante a pandemia de covid-19.

Sua primeira viagem oficial para o exterior como vice-presidente acontece em junho de 2021, quando visita a Guatemala e o México em uma tentativa de responder ao fluxo migratório de milhares de pessoas da América Central para os Estados Unidos.

E ela é curta e grossa: “Não venham para os EUA”.

A mensagem gerou críticas por sua aspereza em um contexto em que se esperava uma maior disposição para cooperar.

Em 19 de novembro de 2021, Kamala serviu como presidente das 10:10h até 11:35h, enquanto o Joe Biden passava por uma colonoscopia de rotina – conquistando, assim, o pioneirismo de ser a primeira mulher e negra a assumir os poderes e deveres da Presidência dos Estados Unidos, mesmo que de forma interina.

Kamala Harris e Joe Biden

Em 2022, faltando apenas alguns meses para as eleições de meio de mandato, Kamala retoma um papel de liderança na cena política do país, aos se tornar porta-voz da batalha pelo direito de escolha, expandindo seu discurso para além da causa do aborto, passando a defender de forma abrangente o conceito de liberdade.

“Esta é a primeira vez na história da nossa nação que um direito constitucional foi retirado do povo dos Estados Unidos: o direito à privacidade”, declarou, em uma reação inicial à decisão da Suprema Corte.

O salto mais alto

Em 22 de julho de 2024, um dia após a renúncia de Joe Biden à reeleição, Kamala Harris mira o posto mais alto do país que é considerado a maior potência mundial. Sai candidata à Presidência dos Estados Unidos, aos 60 anos de idade, para concorrer contra Donald Trump, 22 anos mais velho. É a mulher negra versus o homem branco de extrema direita, misógino, racista, homofóbico…

É a segunda vez que os dois disputam a Casa Branca. Em 2020, como candidata a vice-presidente, ela é a vitoriosa – renuncia à sua cadeira no Senado em 18 de janeiro de 2021, dois dias antes de ser empossada. Em 2024, candidata a presidente, ela é derrotada.

Mas voltemos ao início desta parte da sua jornada…

Um dias após a renúncia de Biden, é lançada nas redes sociais o slogan de Kamala Harris:

“Vamos vencer esta.”

Em 2 de agosto de 2024, Kamala Harris conquista votos suficientes dos delegados do Partido Democrata para se tornar oficialmente candidata à Presidência dos Estados Unidos. O anúncio é feito pelo presidente do Comitê Nacional Democrata, Jaime Harrison.

E, ao se tornar a primeira mulher negra a liderar uma chapa de um grande partido no país, ela faz ecoar o seu sentir:

“Tenho a honra de ser a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos. Aceitarei oficialmente a indicação na próxima semana. Esta campanha é sobre pessoas que se unem, movidas pelo amor ao país, para lutar pelo melhor de quem somos”.

A favor da maconha

Não demora, Kamala Harrris conquista mais um pioneirismo: é a primeira candidata presidencial de um grande partido a apoiar a revogação da proibição federal da maconha nos Estados Unidos, o que, se de fato acontecer, será um marco não apenas em favor da indústria estadunidense da cannabis, mas também para o setor a nível global.

Uma possível legalização da cannabis significa aumento na produção, importação e exportação de matéria-prima, aumento no número de estudos científicos, acesso a serviços bancários e o consequente salto do mercado.

A proposta para a legalização da cannabis é parte de sua “agenda para dar aos homens negros as ferramentas para construir riqueza e alcançar liberdade financeira, reduzir custos para si mesmos e suas famílias e proteger seus direitos”.

Como candidata, ela afirma que vai “legalizar a maconha em nível federal para quebrar barreiras legais injustas que impedem os homens negros e outros americanos de prosperar” .

Vale conferir a linha do tempo Do pito do pango a cannabis, que historia sobre a erva que é reconhecida como medicinal mais de 2.000 anos antes da Era Comum e é demonizada pelos escravagistas, reconhecidos na atualidade como “o mercado”, os que detêm o poder econômico e político da sociedade, os que comandam a destruição do planeta e da maioria pobre que habita o mundo….

A garantia do direito ao aborto é outra pauta de Kamala Harris em sua campanha à Presidência dos Estados Unidos. Em cada um de seus comícios, a candidata democrata defende os direitos reprodutivos, enfatizando a liberdade das mulheres de tomar decisões sobre seus corpos “sem que o governo diga a elas o que fazer”.

Mas não foi desta vez…

Em seu primeiro discurso, em 6 de novembro de 2024, após ser derrotada nas eleições presidenciais, a democrata defendeu que todos se mantenham mobilizados:

“Sei que as pessoas estão sentindo uma série de emoções agora, mas precisamos aceitar os resultados desta eleição (…) Não há problema em se sentir triste e decepcionado. Na campanha, eu costumava dizer que, quando lutamos, vencemos. Às vezes, a luta demora um pouco. Isso não significa que não venceremos. O importante é nunca parar de tentar tornar o mundo um lugar melhor” (…) O resultado desta eleição não é o que queríamos e pelo que lutamos e votamos, mas escutem o que eu digo, a luz da promessa da América sempre brilhará fortemente, enquanto continuarmos lutando”.

Voto negro

De acordo com pesquisas publicadas pelo jornal The Washington Post, Kamala Harris obteve os votos de 92% das mulheres negras e 78% dos homens negros. Porém, diferente do Brasil – onde somos a maioria da população -, nos Estados Unidos, os afro americanos não passam de 13% da população do país, que é de 334,9 milhões de pessoas.

Fontes: BBC, El Pais-Brasil, Folha, El Pais – Internacional (história de amor), El Pais- Internacional (Mulher e negra), Facebook, Folha Uol, Facebook, BBC – saída de Biden, Mundo Negro, Wikipedia, Mídia Ninja, BBC – 5 curiosidades, Gazeta do Povo

Escrito em 19 de janeiro de 2021. Últimas atualizações: em 21 de outubro e 8 de novembro de 2024

1 comentário em “Kamala Harris, flor de lotus”

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