Na sua época, as mulheres vivem submetidas a inúmeras limitações e preconceitos. Por isso, seu nome, por mais de um século, seu nome fica oculto em uma espessa cortina de silêncio. Ela é a autora do romance “Úrsula”, de 1859, considerado nosso primeiro romance abolicionista.

A maranhense Maria Firmina dos Reis, nascida no século XIX, no ano da Independência, enfrenta todas as barreiras do preconceito e publica, em 1859, o romance “Úrsula”, considerado nosso primeiro romance abolicionista. Ela é a primeira romancista negra, autora de um dos primeiros escritos por mãos femininas no Brasil.
Aparentemente, “Úrsula” é uma clássica história de amor impossível, como muitas de seu tempo – uma trágica história de amor entre dois jovens: a pura e simples Úrsula e o nobre bacharel Tancredo. Mas não. Maria Firmina é mulher e negra.
O tratamento dado aos personagens negros, às mulheres e à escravização nas páginas que escreve, deixa evidente que suas preocupações são outras. Apesar de ter sido escrito num período de nacionalismo exacerbado, seu romance destoa da literatura produzida em sua época em muitos aspectos, já que não parece estar comprometido com o projeto romântico que era fundar a ideia de nação, construindo através de narrativas de um ser nacional.
Literatura ativista
Na época de Maria Firmina, as mulheres vivem submetidas a inúmeras limitações e preconceitos. Por isso, a autora, em todas as suas obras, omite seu nome tanto na capa quanto na folha de rosto. E, assim, uma espessa cortina de silêncio a envolve ao longo de mais de um século.
Em “Úrsula”, ela assina como “Uma Maranhense”… Mas no prólogo afirma saber que “pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados”, revelando sua condição social.
E vai além: estabelece o território cultural que embasa o seu projeto, apontando o caminho do romance romântico como atitude política de denúncia de injustiças. Injustiças há séculos arraigadas na sociedade patriarcal brasileira e que tinham no escravo e na mulher suas principais vítimas.
Quase um século de vida
Filha natural de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis – a mãe, escravizada alforriada -, vive em um contexto de extrema segregação racial e social. Nasce e morre em um dia 11, março de 1822, em São Luís, e de novembro de 1917, em Guimarães, respectivamente, cega e pobre. Sua obra fica esquecida até 1962.
Ao longo de seus 95 anos vividos no estado do Maranhão, dedica-se às letras, como escritora e educadora. Em 1880, adquire o título de mestra régia e cria a primeira escola mista para crianças do Brasil, uma escola gratuita, que não dura muito, por provocar descontentamento em parte da sociedade do povoado de Maçaricó, no interior maranhense, que não considera uma boa ideia meninos e meninas juntos, em sala da de aula.
Registre-se, também, sua atuação como folclorista, na recolha e preservação de textos da literatura oral. Na literatura, “Úrsula” é seu grande sucesso, mas sua obra inclui a novela indianista intitulada “Gupeva”, de 1861; o livro de poesias “Cantos à beira-mar”, de 1871, e o conto “A Escrava”, de 1887.
Além de várias composição musicais, Maria Firmina dos Reis é a compositora do “Hino à Liberdade dos Escravos“, reproduzido abaixo:
“Salve Pátria do Progresso!
Salve! Salve Deus à Igualdade!
Salve! Salve o Sol que raiou hoje,
Difundindo a Liberdade.
Quebrou-se enfim a cadeia
Da nefanda Escravidão!
Aqueles que antes oprimias,
Hoje terás como irmão!”
Pena que o belo clamor da romancista ainda não seja realidade. Seguimos lutando por igualdade, equidade, justiça, respeito, vida livre.
Pioneirismo séc. XXI
Na 20ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, em 2022 – entre os dias 23 e 27 de novembro -, Maria Firmina dos Reis conquista mais um pioneirismo: ela é a primeira mulher negra homenageada como principal autora.
Antes dela, dois homens negros foram celebrados: Machado de Assis, em 2018, e o escritor pré-modernista Lima Barreto, em 2019.
Leia mais sobre Literatura Negra na coluna “Sem Mordaça”, em Potência Literária.
Escrito em junho de 2015
Maria Firmina dos Reis, compositora, autora de um hino para a abolição da escravatura.
teria como compartilhar esse hino?
Hino à Liberdade dos Escravos
“Salve Pátria do Progresso!
Salve! Salde Deus à Igualdade!
Salve! Salve o Sol que raiou hoje,
Difundindo a Liberdade.
Quebrou-se enfim a cadeia
Da nefanda Escravidão!
Aqueles que antes oprimias,
Hoje terás como irmão!”
Pena que o belo clamor de Maria Firmina ainda não seja realidade. Lutamos por igualdade, ainda.
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