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Marie NDiaye e Mbougar Sarr conquistam o mais prestigiado prêmio literário da França

O sangue senegalês se impõe e dois escritores vencem o prestigioso Goncourt tornando-se pioneiros negros na arte de contar histórias.

Marie NDiaye e Mbougar Sarr (Imagem: Divulgação)
Marie NDiaye e Mbougar Sarr (Imagem: Divulgação)

Nascida em 4 de junho de 1967 em Paris, filha de mãe francesa e de pai senegalês, Marie NDiaye é a primeira escritora negra a conquistar o Goncourt, o mais prestigiado prêmio literário da França, pelo romance “Três Mulheres Poderosas”, que aborda o problema da imigração ilegal de africanos para a Europa e as relações entre os países africanos e os ex-colonizadores.

NDiaye é autora de romances, novelas, peças e roteiros de teatro. Sua carreira, precoce, teve inicio quando tinha 17 anos e publicou o romance intitulado Quanto ao Rico Futuro, título que soa como um presságio de sua própria carreira.

Atualmente,  tem publicada uma dezena de romances e coletâneas de contos, peças de teatro, histórias infantis, além da coautoria do roteiro de White Material (Minha Terra África), filme de Claire Denis, estrelado por Isabelle Huppert.

Além da conquista do Goncourt em 2009, Marie NDiaye tem entre suas conquistas o título de primeira escritora também a conquistar o Prêmio Femina, em 2001, pela novela Rose Carpie, e o Marguerite Yourcenar em 2020 pelo conjunto de sua obra.

Casada com o também escritor Jean-Yves Cendrey, NDiaye escreve com ele a peça teatralToute vérité. Os dois têm em comum o universo de sordidez de suas escritas.

Coração Apertado

NDiaye já se consolidou como um dos grandes nomes da literatura contemporânea francesa. Ela dedica-se integralmente à escrita. Suas obras colocam em cena o despertencimento: famílias fragmentadas, rupturas e deslocamentos movidos pela crueldade e pela violência. 

O mal-estar, por exemplo, guia a leitura de Coração Apertado, o décimo romance da autora, à venda no Brasil. Nele, o mundo de Nadia, a narradora, perde sentido. Ela não sabe desde quando o mundo olha atravessado para ela; só lhe resta lançar perguntas que se acumulam, sem resposta, e demonstrar algum inconformismo frente às injustiças que lhe escapam do entendimento – mas das quais se sente vítima.

Marie NDiaye (Imagem: Divulgacão)
Marie NDiaye (Imagem: Divulgacão)

Mas A Vingança é Minha é a obra mais recente de Marie NDiaye lançada no Brasil, um thriller psicológico que envolve uma advogada mediana e de origem modesta e um cliente influente que a escolhe para defender sua esposa, acusada de assassinar os três filhos do casal.  

No Brasil, também, da autora, para quem prefere leituras mais suaves, o livro infantil ilustrado A Diaba e sua Filha, com um lado sombrio e misterioso também.

“Hino à literatura”

Assim foi classificado o romance do senegalês Mohamed Mbougar Sarr pelo presidente da Academia Goncourt, Didier Decoin: “Hino da literatura”, o primeiro escritor da África Subsaariana a receber a mais importante distinção da literatura francesa.

Mbougar era o grande favorito e se impôs, claramente, frente aos concorrentes, com seis dos dez votos do júri, na primeira rodada de votação.

Mas não foi fácil a academia reconhecer o trabalho literário de um escritor com sangue africano nas veias. 

Mais de um século de passou…

O Prêmio Goncourt foi criado pelo testamento do escritor francês Edmond de Goncourt, morto em 1896, e atribuído pela primeira vez no dia 21 de dezembro de 1903...

A primeira pessoa de origem africana, nascida na França, Marie NDiaye o recebeu em 2009… A primeira pessoa nascida no continente africano o recebeu em 2021…

Em outras palavras, foram precisos mais de 100 anos para que um escritor africano oriundo da África Subsaariana tivesse seu talento de escrever reconhecido.

E o romance premiado de Mbougar Sarr, de 31 anos, é La plus secrète mémoire des hommes  – à venda no Brasil com o título de A Mais Recôndita Memória dos Homens. – trata disso também.

Mbougar Sarr posa com seu livro premiado, "La plus secrète mémoire des hommes" (Imagem: Divulgação)
Mbougar Sarr posa com seu livro premiado, “La plus secrète mémoire des hommes” (Imagem: Divulgação)

“Nenhum escritor africano confessaria isso em público. Todos vão negar e ainda posar de rebeldes. Mas, no fundo, faz parte dos sonhos de muitos de nós (para alguns, propriamente O sonho): a condecoração no meio literário francês (cuja postura não falham em ridicularizar e desprezar). É nossa vergonha, mas também nossa glória fantasmagórica.”

Está escrito em um trecho do livro do senegalês que, de verdade, alcançou a mais alta distinção da literatura francesa, um prêmio ambicionado por dez entre dez autores francófonos —ainda que não confessem isso em público.

E isso também está no livro:

“Mas vocês, escritores e intelectuais africanos, bem que poderiam desconfiar de certos reconhecimentos”, diz um amigo ao protagonista depois. “Mais dia, menos dia, a fim de apaziguar sua consciência, a França burguesa vai consagrar um de vocês, e às vezes vemos um africano que é bem-sucedido ou tomado como modelo. Mas no fundo, acredite em mim, vocês são e continuarão a ser estrangeiros.”

A  obra

A Mais Recôndita Memória dos Homens é um comentário afrontoso sobre as engrenagens do sistema literário. No romance, o protagonista Diégane Faye roda o mundo em busca de T.C. Elimane, autor negro que escreveu uma obra-prima, O Labirinto do Inumano, e  desapareceu.

A narrativa se desdobra como um suspense, sofisticado, cuja reflexão sobre conceitos de obra e autoria bebe em outros escritos literários. O estilo é inovador e desafia quem tente explicá-lo:

Está na orelha:

“Jamais tente dizer do que fala um grande livro. Ou se você o fizer, eis a única resposta possível: ‘não fala de nada’. Um grande livro sempre fala de nada e, no entanto, tudo está lá.”

O dever da violência

Em 1968, Yambo Ouologuem se tornou o primeiro africano a vencer o prêmio Renaudot com o romance O Dever da Violência. Sua projeção meteórica durou até ser acusado de plágio de autores como, por exemplo, Graham Greene, —acossado pela patota literária francesa, ele se recolheu a sua terra natal, no Mali, e morreu esquecido em 2017.

A Mais Recôndita Memória dos Homens é dedicado a Ouologuem. Sarr afirma não ver uma postura de “mea culpa” do Goncourt ao premiar uma obra que fala tão abertamente de um escritor vilipendiado naquele mesmo ambiente literário. Enxerga apenas a evolução dos tempos.

Assista o reels sobre o livro.

Fontes: Revista Cult, Geledes, Folha de S. Paulo, Coração, Editora Todavia,

Escrito em 3 de novembro de 2011. Atualizado em 13 de agosto de 2024.

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