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Luislinda Valois, a primeira a dar uma sentença de cunho racial

Ela é jurista, magistrada, política brasileira. Entre as primeiras à frente de um Tribunal de Justiça, ministra dos Direitos Humanos, ativista negra.

O que este artigo responde

Quem é Luislinda Valois?

Qual é o caso de racismo que tornou Luislinda Valois pioneira?

Como aconteceu a promoção de Luislinda Valois a desembargadora?

A religião de Luislinda Valois?

Quando Luislinda decidiu ser juíza?

Quais dificuldades Luislinda Valois enfrentou por usar suas guias do candomblé e cabelo afro nos tribunais?

O que a Justiça Bairro a Bairro, da Bahia, tem a ver com a juíza Luislinda Valois?

Luislinda Dias de Valois Santos
Luislinda Dias de Valois Santos (Reprodução/Alesp)

Primeiro Negros

Luislinda Dias de Valois Santos, neta de escravizado, filha de seu Luiz, motorneiro de bonde, e de dona Lindaura, como todas as mulheres, dona de casa, lavadeira e costureira. E esse é só um pedacinho de sua ancestralidade inteira, de África, de bem antes do século XV – quando do rapto e escravização do povo preto – e que a coloca no século XX entre as primeiras juízas negra do Brasil.

Luislinda Dias de Valois Santos é jurista, magistrada e política brasileira. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça da Bahia, tem no seu currículo, o cargo de ministra dos Direitos Humanos do Brasil.

Seu pioneirismo data de 1984. Pioneirismo que se multiplica em 1993, quando ela profere a primeira sentença brasileira contra o racismo. Ela condena o supermercado Olhe Preço a indenizar a empregada doméstica Aíla de Jesus, acusada injustamente de furto.

Em 2009, lança seu primeiro livro, “O Negro no século XXI”. Em dezembro de 2011, é promovida, por antiguidade a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, ciente de que em 20 de janeiro de 2012, pouco mais de um mês depois, teria de se aposentar compulsoriamente, por completar 70 anos.

Na ocasião, recebe a Medalha do Mérito Judiciário e é premiada com a Camélia da Liberdade, em reconhecimento a personalidades que promovem ações de inclusão social de afrodescendentes.

Promessa cumprida

Luislinda nasce baiana, vive uma infância miserável e, ainda criança, projeta o seu futuro.

Ela está com 9 anos de idade quando ouve de seu “professor” que “lugar de negra como ela é na cozinha de branco, fazendo feijoada e não na escola“. Tudo por conta da qualidade de seu material de desenho!

Na hora, não sem lágrimas, ela respondeu:

“Não vou fazer feijoada para branco, não. Vou é ser juíza e lhe prender”.

O “desacato” valeu surra em casa, mas a primeira parte da promessa ela cumpre 30 anos depois: gradua-se em Direito pela Universidade Católica.

Na caminhada, trabalhou como escriturária, escrevente, escriturária e chefe de orçamento.

Mas, uma vez formada, candidata-se e conquista o primeiro lugar no concurso, de nível nacional, para procuradora, em 1978, mas é impedida de escolher a sua vaga:

“Como eu não tinha padrinho político, algumas autoridades me puseram numa sala e falaram ‘Doutora, precisamos da sua vaga aqui. Vamos lhe oferecer Sergipe ou Paraná’.

A vaga na capital baiana foi dada ao aprovado em quarto lugar, que tinha padrinho. Nossa jurista é obrigada a iniciar sua carreira no Paraná, onde atua por oito anos como chefe da Procuradoria.

“Eu voltei para a Bahia. Fui aprovada no concurso para a magistratura… mas o preconceito e o apadrinhamento ainda existem”, declara Luislinda em entrevista ao site Raízes da África.

A baiana na Bahia

É 1984, quando Luislinda, já juíza, volta para o seu estado natal, é designada para trabalhar nas comarcas do interior, no sertão baiano, e passa por, praticamente, todas as comarcas da região e vê, de perto, o receio do povo de lutar por seus direitos.

“A Justiça tem prédios muito suntuosos, que oprimem os menos esclarecidos. Muito embora eu nunca desprezasse os mais aquinhoados, sempre cuidei dos mais pobres.”

E ela adota, desde que toma posse, o uso de guias do candomblé em suas audiências.

Luislinda Dias de Valois Santos
Luislinda em cerimônia usando suas guias (Wilson Dias/Agência Brasil)

Luislinda é responsável por implantar na capital baiana a Justiça Bairro a Bairro, programa municipal que percorre a periferia de Salvador, prestando serviços básicos à população, como um simples registro de nascimento.

A desembargadora também cria o Juizado Marítimo que, numa embarcação, atende aos moradores da baía de Todos os Santos.

Lutadora

A história de vida de Luislinda se confunde com a do povo preto nos detalhes. Ela conheceu de perto a miséria, sentiu o preconceito e a discriminação racial na pele…

Criada na capelinha de São Caetano, bairro da periferia de Salvador, perde a mãe aos 14 anos e fica responsável pela criação de seus três irmãos mais novos.

Trabalha desde criança. Cata mariscos para ter o que comer e também para ajudar no orçamento da casa; lava e passa roupa para as famílias mais abastadas…

Antes de fazer Direito, estuda Teatro e Filosofia.

Ativista

Porta-voz natural das principais questões enfrentadas pelos negros no Brasil, especialmente os da Bahia, Luislinda, na sua jornada, sempre se disse “acostumada” a lidar com dificuldades, seja por conta da sua espiritualidade – ela é mulher de terreiro, do candomblé e usa suas guias –, seja por seu modo de vestir, por ostentar seu penteado afro

Ao mesmo tempo, seu trabalho é reconhecido internacionalmente. Quando ainda na vida pública, recebeu homenagem no Egito e costumava dar entrevistas para órgãos da imprensa internacional, como a BBC de Londres.

A política

Luislinda é de 1942 – está com 81 anos. Foi filiada ao PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro e ao MDB – Movimento Democrático. Disputou eleição para deputada federal, pela Bahia, em 2014, e tornou-se ministra dos Direitos Humanos do Brasil, nos anos 2017 e 2018, durante o governo Temer.

Antes de assumir a pasta, Luislinda ocupava a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Justiça.

À frente do Ministério, ajudou a melhorar a imagem do governo que, no início, não tinha nenhuma mulher e nenhuma pessoa negra ocupando o primeiro escalão.

Luislinda Dias de Valois Santos, Michel Temer, Ministério dos Direitos Humanos
Luislinda tomando posse do Ministério dos Direitos Humanos, durante governo Temer (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Em março de 2017, a ministra solicitou ao STF que todas as gestantes e mãe de filhos pequenos possam converter a prisão provisória para a prisão domiciliar.

No final de outubro de 2017, Luislinda protocolou um requerimento à Casa Civil pedindo acumulação integral do salário de desembargadora aposentada, de R$ 30.471, com o de ministra, de R$ 30.934, o que totalizaria um salário mensal de R$ 61.405.

Na justificativa de seu requerimento, Luislinda alegou que “quem trabalha sem receber é escravo”, e que o cargo lhe impõe custos como “se vestir com dignidade” e “usar maquiagem”. Diante da repercussão negativa do episódio, ela desistiu do requerimento no início de novembro.

Apesar disso, em 2020, o STF determinou que a ex-desembargadora receba o valor de R$ 490.000,00, pela União, por abate do teto constitucional.

Pioneiríssimas

Como acontece no STF onde somamos três homens negros como pioneiros ao longo de 132 anos de existência na corte, com algum registro sabemos de outra mulher mulher negra, pioneira como juíza: a magistrada Mary de Aguiar Silva, que teve seu ingresso na na magistratura em 1962 – 22 anos antes da juíza Luislinda.

Mary de Aguiar Silva também atua no Tribunal de Justiça da Bahia, o mais antigo das Américas, entre 1962 e 1995.

Mary de Aguiar Silva
Mary de Aguiar Silva e seu retrato, ao fundo (Reprodução/Tribunal de Justiça do Estado da Bahia)

Sheila Maria Aguiar, sobrinha de Mary Aguiar, em mensagem especial sobre a juíza escreveu:

“Dra. Mary de Aguiar Silva, com sua altivez, sempre superou os limites impostos com uma coragem invejável. Decidiu que seria Juíza, em uma época desafiadora, uma vez que o destino traçado às mulheres não permitia tal devaneio. Mas, ela ousou! E, como mulher negra de família humilde, precisou ser mais: mais forte, mais corajosa, mais estudiosa, mais seletiva, mais impositiva, mais ética!

“E, quando finalmente conquistou sua vaga como juíza de direito, seus desafios se multiplicaram. Afinal, não era nada comum, até então, uma mulher de toga. Mesmo com o selo da justiça, ela precisava se impor nos espaços, pois sua presença causava estranheza. Tamanha façanha de uma mulher era admirada por todos, desde o clero ao coronel. Muitas vezes, ela foi desafiada, e precisou abdicar de outros sonhos, por saber que não poderia ter distrações. Ser “Juíza” exigia dedicação exclusiva… ela abriu caminho para que outras mulheres sonhassem e realizassem tanto quanto ela.

Em sessão solene, realizada pelo Tribunal da Justiça da Bahia, em 2010, para homenagear as magistradas negras do Estado, Luislinda aparece como a terceira na cronologia.

A juíza Mary de Aguiar morre em 23 de fevereiro de 2021, aos 95 anos.

Apesar do evento, Luislinda continua usando o título de primeira juíza negra em programas de televisão e propagandas políticas.

Fontes: Correio da Bahia, Revista Muito, JusBrasil, Raízes da África, Wikipédia, Tribunal de Justiça-BA

atualizado em maio de 2024

2 comentários em “Luislinda Valois, a primeira a dar uma sentença de cunho racial”

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