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Negra, a certidão de óbito

- Conceição Evaristo

A contundência da poesia de Maria da Conceição Evaristo de Brito renova nossa disposição para a luta, com os olhos secos. Todos nascemos livres, mas carregamos o peso das correntes dos que vieram antes e, desde sempre, lutam não para apagar a história, mas para ressignificá-la. Este é o nosso caminho para a reparação.

Os ossos de nossos antepassados

colhem as nossas perenes lágrimas

pelos mortos de hoje.

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Os olhos de nossos antepassados,

negras estrelas tingidas de sangue,

elevam-se das profundezas do tempo

cuidando de nossa dolorida memória.

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A terra está coberta de valas

e a qualquer descuido da vida

a morte é certa.

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A bala não erra o alvo, no escuro

um corpo negro bambeia e dança.

A certidão de óbito, os antigos sabem,

veio lavrada desde os negreiros.

Quem é ela

Antes de escrever estas linhas sobre Maria da Conceição Evaristo Brito – e não importa quem sou eu -, registro minha gratidão por sua “escrevivência” (a expressão dela) maravilhosa, potente, intensa, presente para quem ama literatura.

E registro mais gratidão ainda por sua perseverança em 20 anos de espera, depois de frustradas buscas para publicação. Que bom que sua escrita, suas lembranças, sua história não ficaram na “gaveta do esquecimento”.

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Eu me entreguei às quase 200 páginas de prosa e poesia contidas em Becos da Memória, em uma tarde de domingo. E, ao final, me penitenciei por ter demorado tanto para me presentear com a emoção de vida vivida, com pedras pontiagudas batendo no peito, fazendo sangrar o coração.

Negra, a certidão de óbito – nossa poesia sem mordaça – é convite para nos tornarmos, todos e todas, leitores de Conceição Evaristo, para conhecermos sua história que começa em 29 de novembro de 1946 em Belo Horizonte, em uma família pobre com nove irmãos.

Pioneira da família

Conceição Evaristo é a primeira de sua casa a conseguir um diploma universitário. Quer dizer, um não, vários. Ela é graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela é mestra em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.

diploma

Trabalhou como doméstica enquanto fazia o curso Normal, que formava professoras.

Na literatura

Conceição Evaristo tem diversos contos publicados em obras coletivas e seis obras individuais. Entre elas,  Becos da Memória, o primeiro escrito, e Ponciá Vicêncio, o primeiro a ser publicado, que fazem parte dos livros de sua autoria traduzidos para francês, inglês e alemão.

Ponciá Vicêncio pertence ao movimento estético Contemporâneo que, na prática, leva à interação entre leitor e escritor, faz pensar, refletir e criticar – a obra aborda a discriminação racial, de gênero e classe, a burguesia e o regime escravocrata, a partir do olhar negro.

Conceição Evaristo é ativista do movimento negro, com grande participação e atividade em eventos relacionados a militância política social.

A cadeira de Castro Alves

Em 2018, a escritora  oficializou sua candidatura à Academia Brasileira de Letras,  entregando a carta de autoapresentação para concorrer à cadeira de número 7, originalmente ocupada por Castro Alves – recebeu um voto. O eleito foi o cineasta Cacá Diegues.

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Atualmente, Conceição Evaristo leciona na Universidade Federal de Minas Gerais como professora visitante.

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3 comentários em “Negra, a certidão de óbito”

  1. LUCIANE Ferreira de Almeida

    Quero parabenizar a Conceição evaristo, graças a Deus e a essa pioneira fui libertar, pois eu tinha medo de recomeçar,após eu ler um poema e”eu quis saber quem era ela”
    E quando li a biografia,dela, me deu forças para seguir em frente. Hoje estou cursando o curso normal no Instituto estadual Clélia Nanci são Gonçalo Rio de Janeiro, graças a você Conceição evaristo, obrigada muito obrigada mesmo,suas palavras tiraram as correntes dos meus braços e das minhas pernas que me aprisiona

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