Neste novembro de 2023, nosso artigos propõem ampliar o pensar sobre a África que habita em nós. Isso porque, como nos ensina o pan-africanista Marcus Garvey, “um povo que não sabe de onde vem, nunca saberá para onde vai”.
É o princípio do adinkra Sankofa:
Esta edição tem como maior intencionalidade, a pegada de “acervo ancestral” do primeirosnegros.com e detalha um pouco mais o olhar ampliado para o nosso projeto PN Educação para além da escola.
Em cada novo artigo, a consciência da necessidade de irmos além da luta antirracista, até porque ela não contempla todas as nossas reais necessidades de existir.
Precisamos voltar aos livros – e lê-los inteiros, não nos limitando a informações das redes sociais, vídeos, podcasts, de modo a fazermos nosso próprio caminho de compreensão, entendimento, intelectualidade – como propõe a pesquisadora de Literatura Infantil Niní Kemba Náyò, contadora de Histórias Pretas.
Precisamos nos voltar às filosofias africanas e ler, por exemplo, Legado Roubado, de George James que denuncia no intertítulo:
“A Filosofia Grega é a Filosofia Egípcia Roubada”.
Olhar para trás
Precisamos nos voltar às nossas línguas faladas em África – sugere o professor doutor Félix Ayoh’Omidire, titular de línguas, responsável pela criação das expressões “yourubaianidade” e “oralitura” para a construção da identidade cultural das origens africanas nas Américas.
Para Ayoh’Omidire, conhecer nossas línguas é uma das estratégias de restaurarmos nossa humanidade, resgatarmos a nossa cultura africana pilhada, apropriada pelo Ocidente e caminho para voltar a vir a ser:
“Quando se quer escravizar um povo, primeiro se retira a sua língua.”
E ele diz mais:
“Línguas africanas não são línguas estrangeiras, mas línguas de herança”.
A proposta desta edição é uma imersão na história de quem já construiu porque é nestes africanos e africanas que está o nosso ponto de partida, que é início e meio, início e meio, início meio, sempre sem fim…
Nunca é demais destacar que ideias como “inferno”, “fim”, “morte”, “mal” não são valores ancestrais, de nossa essência africana.
Reencontro
Sobre a África que habita em nós – escrita com “c” ou com “K” em respeito aos nossos idiomas ancestrais que não têm a letra “c” -, é preciso explicitar que não se trata de uma questão de geolocalização: praticamente todos os povos africanos foram colonizados.
Dos 55 países do continente africano apenas dois não foram invadidos – Etiópia e Libéria – e a história deles vale ser conhecida, a da Libéria, “esbarra” no pan-africanismo! Está lá na coluna Sem Mordaça, “África não colonizada”. Por isso, também, é fundamental nossa consciência como corpos-território, africanos no mundo, sinônimo de resistência, de co-existência.
Nos reencontrarmos nas filosofias africanas é um outro modo de compreender quem somos a partir de um olhar não ocidental, não eurocêntrico, não individualista, não colonizado – ensina a filósofa Katiúscia Ribeiro.
Precisamos de outros parâmetros filosóficos para trabalhar as realidades sociais de modo harmônico, para repensar uma sociedade mais justa, mais humana – nós não podemos, por exemplo, caminhar sem cuidar dos ambientes naturais:
“Não existe compreensão co-existencial se não cuidarmos do todo, do que está à nossa volta, para trazermos outra perspectiva de vida, outro início civilizatório. Buscamos a afrocentricidade para sairmos da racionalidade ocidental.”
O verbo é “DESACOMODAR” – indica a socióloga e professora Sonia Abiké:
“…uma reconstrução da nossa existência com o Universo. O Ocidente compartimenta o nosso corpo, o nosso existir. A filosofia africana nos fala de um ser integral, harmônico. Não somos só razão. Eu só existo integrada ao mundo, à natureza, aos elementos da natureza. A água gera, a terra retroalimenta, o ar insufla a vida, o fogo acolhe, aquece espiritualmente, dá a relação do amor. Por isso nosso corpo é território, morada do ser, que não foi retirado de nós, expressão viva dessa realidade.”
Mulher quilombola, do axé, a professora Sonia vai além:
“Nossos ancestrais, quando chegaram nas Américas, recriaram seus espaços para a manutenção da sobrevivência – é nesse contexto que nasce o terreiro. Os colonizadores ‘oficialmente’ tiraram, roubaram, saquearam, mataram a espiritualidade em nós. Por isso, muitas vezes, para nos reconectar, só é possível dentro de um culto religioso. Mas a espiritualidade faz parte do movimento cotidiano da nossa vida. Corpo e espírito são um só. O ser é o todo em conexão”.
Viemos da liberdade.
A Redação