Pular para o conteúdo

Origem Africana da Filosofia: mito ou realidade?

- Molefi Kete Asante

Molefi Kete Asante (Imagem: Reprodução | The Ka Institute)

As filosofias africanas existem desde 2.800 anos antes de Cristo (a.C.). Mas a história oficial ensina que a filosofia surge na Grécia no ano 6 antes de Cristo. De qualquer modo, este artigo acadêmico trata do significado da palavra ‘filosofia’, que é ‘amor à sabedoria’.

Existe uma crença comum entre os brancos de que a filosofia se origina com os gregos. A ideia é tão comum que quase todos os livros sobre filosofia começam com os gregos, como se eles precedessem todos os outros povos quando se trata da discussão dos conceitos de beleza, arte, números, escultura, medicina e organização social.

Na verdade, esse dogma é predominante (hegemônico) nas academias do mundo ocidental, incluindo as universidades e academias africanas.

É mais ou menos assim:

  • A filosofia é a maior de todas as disciplinas.
  • Todas as outras disciplinas se derivam da filosofia. 
  • A filosofia é uma criação dos gregos.
  • Os gregos são brancos. 
  • Portanto, os brancos são os criadores da filosofia.

Na perspectiva desse dogma, outros povos e culturas podem contribuir com o pensamento, como os chineses – Confúcio -, mas pensamentos não são filosofia; só os gregos podem contribuir para a filosofia. De acordo com esse raciocínio, os povos africanos podem ter religião e mitos, mas não filosofia. Assim, essa noção privilegia os gregos como os criadores da filosofia, a mais alta das ciências.

Existe um problema sério com essa linha de raciocínio. A premissa é falsa na medida em que os estudiosos revelaram que a origem da palavra “filosofia” não está na língua grega, embora venha do grego para o inglês.

Philo + Sophia

De acordo com dicionários de etimologia grega, a origem dessa palavra é desconhecida. Mas isso é assim se você está procurando pela origem na Europa.

A maioria dos europeus que escreve livros sobre etimologia (origem da palavra) não considera as línguas zulu, xhosa, yorubá ou amárico, quando chega a uma conclusão sobre se a origem da palavra é conhecida ou desconhecida. Eles nunca pensam que um termo usado por uma língua europeia pode ter vindo da África.

Existem duas partes na palavra “filosofia”, como ela chegou até nós a partir do grego, “Philo”, que significa “amigo” ou “amante” e “Sophia”, que significa “sabedoria” ou “sábio”. Assim, um filósofo é chamado de “amante da sabedoria“.

A origem de “Sophia” está evidente na língua africana Mdu Ntr, a língua do antigo Egito, onde a palavra “Seba”, que significa “o sábio”, aparece pela primeira vez em 2052 a.C., no túmulo de Antef I, muito antes da existência da Grécia ou do grego. A palavra tornou-se “Sebo”, em copta, e “Sophia”, em grego.

Leia mais no artigo Filosofia Africana.

Fonte do saber

Como para o filósofo, o amante da sabedoria, é precisamente aquele que se entende por Sábio, Diodoro da Sicília, escritor grego, em seu Sobre o Egito, do século I a. C, afirma que muitos dos que são “celebrados entre os gregos pela inteligência e ensino, aventuraram-se para o Egito nos tempos antigos, para que pudessem participar de suas tradições e copiar seus ensinamentos”.

Os sacerdotes do antigo Egito relatam em sua história, a partir dos registros nos livros sagrados, que foram visitados por Orfeu e Museu, Melampo, Dédalo, pelo poeta Homero, pelo espartano Licurgo, pelo ateniense Solon, pelo filósofo Platão, por Pitágoras de Samos, pelo matemático Eudoxo, assim como por Demócrito de Abdera e Enópides de Quios. 

Os gregos apreciaram o fato de que no Egito existiam homens e mulheres de grande habilidade e conhecimento, assim como os antigos egípcios apreciavam o fato de que havia homens e mulheres de maior conhecimento na Etiópia

Segundo Heródoto, que escreveu no século V a.C. no Livro II de História, os etíopes diziam que os egípcios não eram nada mais que sua colônia. É claro que ainda hoje há todo um sistema de descrença sobre a história, experiências e conhecimentos dos povos da África, criado durante os últimos cinco séculos de dominação europeia.

Apropriação

A retórica que nega a capacidade da África foi desenvolvida para acompanhar a desapropriação da África. Isso foi feito juntamente com as conquistas europeias da África, Ásia e América.

A colonização não era apenas uma questão da terra, era uma questão de colonizar informações sobre a terra. Todavia, acredito que os antigos sabiam melhor que os especialistas contemporâneos da importância para os não africanos de estudar na África.

Não houve Alemanha, França, Inglaterra, Itália ou Espanha para falar quando os gregos começaram a viajar para a África para estudar. Na verdade, eles primeiramente foram para a África e depois voltaram para a Grécia criando a Era de Ouro grega.

O que estou dizendo é que eles tiveram que vir para a África e estudar com os sábios do antigo Egito, que eram negros, para ter condições de aprender medicina, matemática, geometria, arte… 

“A prática da filosofia já existia muito antes dos gregos”

Tales de Mileto é lembrado por ter estudado na África. Dizem que aprendeu filosofia dos egípcios. Eles estudaram no Egito porque era a capital cultural do mundo antigo.

Pitágoras é conhecido por ter estudado por pelo menos vinte e dois anos na África. Quando Isócrates escreveu sobre seus estudos no livro Busirus, disse: “Eu estudei filosofia e medicina no Egito“.

Primeira escola

Não é só a palavra filosofia que não é grega, a prática da filosofia já existia muito antes dos gregos. Imhotep, Ptahhotep, Amenemhat, Merikare, Duauf, Amenhotep, filho de Hapu, Akhenaton e o sábio de Khunanup são apenas alguns dos filósofos africanos que viveram muito tempo antes da Grécia ou de algum filósofo grego existir.

Quando os africanos terminaram de construir as pirâmides, 2.500a.C., faltavam 1.700 anos para que Homero, o primeiro escritor grego, aparecesse!

Pirâmide de Djoser, Saqqara, Egito. (Foto: Charles James Sharp)

E quando Homero surgiu e começou a escrever A Ilíada não demorou muito tempo para relatar o que havia acontecido ou o que estava acontecendo na África: os deuses gregos reuniam-se na Etiópia.

Os africanos não esperaram pelos gregos para descobrir como construir as pirâmides. Você pode imaginar os egípcios em pé em volta de pedreiras ou nas margens do Nilo, dois mil e quinhentos anos antes de Cristo, especulando sobre quando algum europeu viria sozinho para ajudá-los a medir o tamanho do planeta, calcular a largura, amplitude e profundidade, determinar a exata helicoidal crescente de Serpet (Sirius) e as inundações do Nilo, ou diagnosticar doenças do corpo humano?

Prova-dos-nove

Liderados pelo faraó da História Africana, Cheikh Anta Diop, um novo quadro de estudiosos surgiu para desafiar todas as mentiras que foram ditas sobre a África e os africanos.

Em uma grande conferência patrocinada pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em 1974, no Cairo, sobre o “Povoamento do Egito”, dois grandes gigantes intelectuais negros, usando a ciência, a linguística, a antropologia e a história, demonstraram que os antigos egípcios eram negros.

Cheikh Anta Diop no laboratório (Imagem: William Mbaye Ousmane)
Cheikh Anta Diop no laboratório (Imagem: William Mbaye Ousmane)

Diop e Théophile Obenga usaram um teste de melanina na pele de uma múmia, a arte nas paredes de tumbas, correspondências com outras línguas africanas e os testemunhos dos antigos.

Os antigos egípcios viveram muito antes da chegada dos gregos, romanos, árabes e turcos, e eram, de fato, africanos negros.

Questão de cor

Segundo Heródoto, em História, Livro II, os Colchians eram egípcios “porque, assim como os egípcios, tinham a pele negra e cabelo lanoso”. Aristóteles diz em Physiognomonica que “os egípcios e os etíopes são muito escuros“.

A cor dos antigos egípcios não deve ser questão de debates; essa só vem à tona porque sempre encontramos alguma pessoa branca que se esforça para manter a afirmação de que os africanos não poderiam ter construido as piramides, especialmente, africanos negros.

É claro, todos devem saber que os egípcios eram africanos, mas o fato é que eles não eram apenas africanos, os egípcios tinham especificamente pele negra com cabelo lanoso.

A filosofia começa 2800 anos a.C. com pessoas de pele negra do Vale do Nilo, ou seja, 2200 anos antes do aparecimento de Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo ocidental, nascido em 625 a.C..

O AUTOR

Molefi Kete Asante é professor titular do departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Temple na Filadélfia (EUA). Fundou e implantou o primeiro programa de doutorado em Estudos Afro-americanos dos Estados Unidos. Fundou e atuou como curador do Museu de Artes e Antiguidade Africanas na cidade de Búfalo, NY. Tendo se radicado durante vários anos no Zimbábue (África), se tornou chefe tradicional (rei) em Gana, sob o título de Nana Okru. Sua inovadora contribuição ao pensamento contemporâneo e aos estudos africanos esta reunida nas obras Afrocentricity (2003), Kemet, afrocentricity, and knowledge (1990) e The History of Africa (2007).

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Fontes: Revista de Humanidades e Letras – Vol. 1 | Nº. 1 | Ano 2014, com o texto completo

Março 2023

Compartilhe com a sua rede:

5 comentários em “Origem Africana da Filosofia: mito ou realidade?”

  1. Pingback: Os oborós, orixás masculinos

  2. Pingback: PRETOS

  3. Pingback: Educar africano

  4. Pingback: De feminista a mulherista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *