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Violência no Parlamento

Questão de raça, gênero e classe

Benny Briolly: Parlamentar negra, transexual, umbandista.

- Tania Regina Pinto

A violência contra a vida de representantes do povo em cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos tem aumentado significativamente.

Levantamento realizado pelas organizações sociais de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, a partir de notícias extraídas de veículos de comunicação, entre 2016 e 2020, contabilizou 125 assassinatos e atentados, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e 4 casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.

As mulheres, ocupantes de 13% das vagas nas casas legislativas municipal, estadual e federal, representam 31% das vítimas de ameaça e  76% dos casos registrados de ofensa.

O país que mais mata pessoas trans no mundo também é o país que alcançou 279 candidaturas trans na última eleição, em 2018. Ao passo que atingimos um crescimento de 275% no número de candidaturas, desde a última eleição, de acordo com a Antra, também perdemos 175 travestis e demais pessoas trans que foram assassinadas em 2020. O que explica essa contradição é o fator histórico, quando, por anos, nos foram negados o direito à voz e opinião; contudo, ocuparmos esses espaços é o primeiro passo para ver essa mudança.

E não se vislumbra qualquer melhora nesta escalada de terror!

Vereadora Benny Briolly do PSOL. (Imagem: Reprodução)

Benny Briolly, vereadora de Niterói, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, pelo PSol – Partido Socialismo e Liberdade, é prova viva! Ela tem sido sistematicamente ameaçada de morte desde 2016. E depois de legitimamente eleita, em 2020, tudo piorou, muito! 

Só em 2021 Benny Briolli 

recebeu mais de 20 ameaças de morte e tortura 

por meio de seu e-mail. Todas mensagens de cunho racista e transfóbico, assustadoras, nem sempre assinadas. 

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Quantas ocorrências a parlamentar terá de registrar?

Quando a polícia irá investigar o crime de ameaça?

Quem mandou matar Marielle?

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Perguntas que se confundem, ecoam pela sociedade, sem que se ouça qualquer resposta.

Benny Briolly, preta e travesti, registra todas as ameaças.

Marielle e suas sementes, há 4 anos, clamam por Justiça.

Mas todos sabem que Benny e Marielle são apenas exemplos da violência sistêmica que atinge mulheres pretas, mesmo quando conquistam algum poder!

Covardia e racismo

Em uma das mensagens, um homem que se identifica como Cristoph Slafner, escreve:  “Vocês pretos adoram se vitimizar e dizer que é tudo racismo agora? Vamos ver se você vai achar isso quando eu descarregar uma arma na sua cara, aberração”. O título do e-mail é: “Contando as balas”!

É doloroso saber que por o meu corpo ser o que é, pela luta que eu faço, o que eu represento hoje dentro do parlamento, eu não posso ter direito a vida, festejar, comemorar, não posso ir e vir”,  lamenta a vereadora.

Em imagens compartilhadas por ela, é possível ver outros e-mails com teor semelhante. Um deles registra ter contatos na região de Niterói para conseguir um canhão e explodir sua casa enquanto ela estiver dormindo. “Durma de olhos abertos”, alerta o texto. 

Em outro, está escrito que se Benny não renunciar ao seu mandato, irá explodir seu gabinete. “Sou pedófilo e terrorista assumido e irei explodir seu gabinete com você dentro se você não renunciar. Você tem 90 dias para renunciar, senão já sabe o que vai acontecer!”

A vereadora Benny Briolly foi vítima de ataques transfóbicos e racistas na Alerj. (Imagem: Divulgação/ Benny Briolly)
A vereadora Benny Briolly foi vítima de ataques transfóbicos e racistas na Alerj. (Imagem: Divulgação/ Benny Briolly)

Há ainda um e-mail que avisa que irá dar o tiro de misericórdia na testa da parlamentar. “É isso mesmo que você leu! Sou um completo fantasma e tenho certeza da impunidade. Já tenho tudo preparado para fugir do país.” 

E o covarde avança na escrita criminosa: “…nem você nem os porcos vagabundos da (Polícia) Civil de Niterói vão conseguir rastrear. A Polícia Federal também, já que eles não possuem jurisdição na Alemanha. Por que acha que ninguém achou o responsável por matar Marielle Franco? Aguarde a visitinha da minha Glock G25 calibre 380. TIC TAC”.

Cadê o Estado?!

“É impossível que depois de todas as denúncias, todas as cobranças das instituições nacionais e internacionais, eu não tenha uma resposta, eu não possa exercer no parlamento, onde o povo me colocou, a minha função de vereadora. É impossível não ter uma resposta do Estado brasileiro. Não pode ser desse jeito! O Brasil do grito preto, das manifestações e revoltas populares, do povo, exige uma resposta, exige a minha integridade física, exige que eu possa exercer a minha mandata”, denuncia Benny Briolly em vídeo, na luta por um direito que é de todos nós.

É fato que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Ministério da Mulher e Direitos Humanos acompanha Benny Briolli, bem como o Instituto Marielle Franco, o Movimento Mulheres Negras Decidem, a ONG Criola e o Instituto de Defesa da População Negra,  desde que ela tornou-se alvo de violência política. Mas o Estado parece cego, surdo, mudo, paralisado diante das denúncias, das estatísticas e das provas!

Vereadora Briolly. (Imagem: Reproducão)
Vereadora Briolly. (Imagem: Reproducão)

A Polícia Civil até abre inquérito para apurar a intimidação contra a vereadora. Os agentes investigam se houve crimes de racismo e de ameaça. Mas  até agora ninguém foi responsabilizado.

“Não dá mais para continuar recebendo ameaças e ameaças sem saber se vou acordar viva ou morta, ressentiu-se.

O ano de 2022 já soma seis ameaças de morte, de acordo com dossiê enviado à Polícia Civil.

Não por acaso, em 2021, a vereadora teve de deixar temporariamente o país, como informou seu partido em comunicado nas redes sociais:

“Para assegurar sua vida, o PSol precisou tomar uma medida drástica de tirar Benny do país. O que é absurdo e incompatível com o estado democrático. Benny segue acompanhando as sessões plenárias da Câmara Municipal de Niterói, que por conta da pandemia estão sendo virtuais.”

A luta continua

Com o desafio de seguir viva, representando os que a elegeram, a parlamentar de Niterói se fortalece nas conquistas históricas realizadas e por vir, que afrontam a pior versão do conservadorismo, como os pouco mais de 130 anos da abolição da escravidão e os menos de 100 anos que as mulheres conquistaram o direito ao voto, no país que mais mata travestis e homossexuais do mundo:

“Eu travesti, preta, cria da favela, mais votada… Isso mostra a construção de um novo mundo, uma nova era, de enfrentamento do Estado patriarcal, misógino e lgbtfóbico…”

Pioneira

Aos 29 anos, Benny Briolly é a primeira pessoa trans eleita vereadora de Niterói, a primeira travesti e negra eleita no estado do Rio de Janeiro, a mulher mais votada da sua cidade teve 4.458 votos.

Mas esse status eleitoral não torna sua vida mais fácil na Câmara Municipal, que fosse pelo respeito ao voto do eleitor!

Em março de 2021, Benny foi agredida por um colega vereador em plenário. Ele se referiu a ela usando termos masculinos o conselho de ética da Casa abriu um processo que ainda não foi concluído.

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Nascida e criada em Niterói, Benny morou até os 20 anos no Fonseca, bairro da zona norte do município. Em 2016, convidada para compor o mandato da então vereadora de Niterói, Talíria Petrone, do PSol, hoje deputada federal, enfrenta o preconceito ao ser a primeira mulher trans a ocupar uma vaga de assessora parlamentar na Câmara Municipal.

Antes, Benny já se reconhecia como ativista. 2013 é o ano que marca o início de sua vida política partidária, bem como sua fé em Maria Mulambo, exu-mulher, Laroyê! Mas nem sua fé tem espaço no Brasil, Estado laico, só de brincadeira!

O caminho

Exu primeiro, e Jesus depois, ensinam que são “o caminho” até o Pai, seja Oxalá, seja Deus!

Benny Briolly respeita todas as crenças e não entende a dificuldade em respeitarem a sua. Ela é umbandista, mas o amor pregado pelo Catolicismo não é praticado para quem pratica a sua fé a partir da mitologia africana

Com mais de 32 mil seguidores no Instagram (dado de abril de 2022), a vereadora pede respeito a pombagira Maria Mulambo como qualquer outro santo do catolicismo é respeitado.

Benny Briolly (Imagem: Adriana Cruz)
Benny Briolly (Imagem: Adriana Cruz)

Mesmo assim, em março de 2022, ela foi vítima de racismo religioso na Câmara Municipal de Niterói durante a votação do projeto de lei que busca instituir o dia 12 de novembro como Dia de Maria Mulambo

A sessão teve de ser interrompida por conta de gritos e xingamentos transfóbicos e racista proferidos por algumas das pessoas, incluindo parlamentares. 

“A branquitude busca silenciar nossas divindades africanas e esse projeto de lei é justamente para transformar essa perspectiva racista religiosa. Mas a Câmara escolheu intensificar o racismo religioso na cidade. Todo o povo de axé foi agredido de alguma forma“, denunciou Benny Briolly na ocasião.

Ela, inclusive, teve a fala interrompida por gritos como “demônio”, “capeta”, “tá repreendido”, “só Jesus Cristo é o senhor”. 

Até os assessores da vereadora foram impedidos de entrar na sessão e o povo de santo intimidado por bolsonaristas e criticado por usar as vestes tradicionais da religião – fariam o mesmo com um padre de batina, ou uma freira de hábito? 

Benny Briolly é candidata a deputada estadual nas Eleições 2022.

E este texto fica sem ponto final.

Muita a desconstruir, refletir, ressignificar.

A luta continua.  

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#EleiçõesNegras

#VotePreta

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Pluralidade nas letras

LGBTQIAP+ indica a pluralidade ilimitada na maneira de existir de todo ser humano. As letras LGBT abrangem orientações sexuais (lésbicas, gays, bissexuais) e identidades de gênero (transgêneros, transexuais e travestis).

O I, de intersexo, se refere a pessoas que apresentam características biológicas do sexo masculino e feminino o que, de acordo com a Organização das Nações Unidas, ocorre em até 1,7% dos recém-nascidos, mas pode ser maior porque que muitas pessoas não nascem com características de intersexo, mas podem desenvolvê-las na puberdade, na vida adulta ou nunca descobrirem esses traços. 

 Q vem da palavra inglesa “queer” e serve para designar quem transita entre os gêneros feminino, masculino e além. Algumas pessoas definem sua orientação como queer, por não quererem/saberem defini-la.

A são as pessoas assexuais e arromânticas, que não sentem atração sexual ou afetiva por outra pessoa, independentemente de orientação sexual (a direção do amor) e identidade de gênero (como eu me vejo, percebo, sinto).

O P remete às pessoas pan, sentem atração por todos os gêneros ou independentemente do gênero, e às poli, que se sentem atraídas por muitos gêneros.

O sinal de + é para quem não se considera trans e não é heterossexual, como as cetero/medisso que são pessoas não-binárias, que só sentem atração por outras pessoas não-binárias; as omni, que sentem atração por todos os gêneros, e as abro que possuem atração que muda sempre.

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2 comentários em “Violência no Parlamento”

  1. Pingback: Erika Hilton: o poder negro de uma política trans

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