Pessoas LGBTQIAP+ Negras no Brasil
- Primeiros Negros
O desafio de sobreviver, viabilizar-se, existir, respeitando a direção do amor, do prazer e a própria identidade.
O movimento LGBTQIAP+ repete o modus operandi do feminismo: ignora a questão racial e torna impossível atender às demandas reais de toda a população, que é majoritariamente negra. Todo mundo quer um país melhor apenas e tão-somente a partir do que vê refletido no espelho. É preciso mudar a cor do poder!
Milhões de pessoas sofrem não só com o preconceito e a violência, mas com a invisibilidade.
E o grifo, nosso, não é só uma opinião, mas um dos diagnóstico do estudo Qual é a cor do invisível? – A situação de direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil, uma iniciativa do Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (International Institute on Race, Equality and Human Rights – IREHS).
Existe um padrão de violações sistemáticas às pessoas LGBTI negras que as exclui do acesso à educação, à saúde e ao mercado formal de trabalho – indica o levantamento publicado no Brasil em novembro de 2020.
“As pautas do movimento LGBTI, em geral, são como se não houvesse raça, cor”,
salienta Isaac Porto, responsável pelo programa LGBTI no Brasil do IIREHR.
Para o especialista da organização com sede em Washington (EUA), a demanda principal da população LGBTI negra no Brasil não é o casamento ou o direito à adoção de filhos, mas, sobretudo, o direito à sobrevivência”.
Violência²
E os números não deixam dúvidas quanto a este dado da realidade:
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82% das transexuais assassinadas no Brasil em 2019 são negras.
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“O Estado não atua como um garantidor de direitos”, assinala o estudo. Na verdade, desconsidera a existência dessas pessoas negras, mediante a ausência de produção de dados específicos sobre elas.
E números, soltos, confirmam as desvantagens: a cada 25 horas, uma pessoa LGBT é assassinada no Brasil, dado de 201 – de acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), neste ano, o registro foi de 343 mortes.
Entre 2011 e 2017, violações reportadas por meio de denúncia telefônica, pelo Disque 100 – serviço que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos – somaram 22.899 registros contra a população LGBT no Brasil.
Outro levantamento, com dados do SUS, que inclui o viés racial, informa: de 2015 a 2017, aconteceram 22 notificações de violência contra a população LGBT por dia em todo o país – ou seja, quase uma notificação a cada hora. E metade das 24.564 agressões registradas tiveram pessoas negras como alvo.
Ignorância estratégica?!
Na interpretação dos números fica evidente a necessidade de se criar políticas públicas para a população LGBT: o problema é que o Estado não sabe quantas pessoas de cada raça/cor são gays, bissexuais, lésbicas, travestis ou trans!
Mesmo os dados coletados no SUS apresentam elevados percentuais de não preenchimento nos campos orientação sexual e identidade de gênero – lacuna que pode ser consequência de preconceitos e dificuldades de abordagem dessas questões por profissionais de saúde”.
“É recorrente o relato de práticas discriminatórias nos estabelecimentos, o que impacta de forma negativa o acesso da população LGBT aos serviços de saúde, especialmente das pessoas travestis e transgêneras”, afirmam os pesquisadores.
E, na opinião da porto-riquenha Zuleika Rivera, diretora Jurídica para a América Latina do IREHR, políticas públicas efetivas de enfrentamento a essa realidade só podem ser formuladas a partir da coleta de dados que contemplem raça, gênero, orientação sexual e identidade de gênero.
A lei do momento
O Poder Legislativo, também, tem comprometido o mapeamento de mortes da população LGBT.
O crime de homofobia não está tipificado na legislação penal brasileira, ainda, apesar de a nossa Constituição ter determinado a tomada de medidas legislativas para combater atos de discriminação há mais de 30 anos, em 1988!
Daí a ação do Poder Judiciário diante da inação do Poder Legislativo.
A homofobia só passou a ser criminalizada no país, como forma de racismo, em junho de 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do Poder Judiciário, devido à inação do Congresso Nacional.
Na tese definida no STF, a homofobia pode, também, ser utilizada como qualificadora de motivo torpe no caso de homicídios dolosos contra homossexuais.
Religiosos e fiéis não podem ser punidos por externarem suas convicções doutrinárias sobre orientação sexual, desde que suas manifestações não configurem discurso discriminatório.
“Escuta surda”
Por conta do racismo, já temos nosso corpo negado em muitos espaços – nosso lugar-comum é estar constantemente em um não-lugar. Daí ser necessária uma coragem extra para, por exemplo, se assumir lésbica em uma sociedade que nem reconhece que mulheres negras são mulheres.
Mesmo quando a pessoa LGBT é um homem negro não fica mais fácil. O privilégio da branquitude deixa a pessoa negra sempre em desvantagem.
Transformar esta realidade implica debater o genocídio da população negra, a desmilitarização da polícia, a formação com base em direitos humanos e a reparação histórica por toda essa violência.
Não se pode falar em falta de informação.
Não são poucas as produções artísticas e culturais que têm dado protagonismo à população LGBT. Questões de raça, classe e gênero estão em outro patamar neste século XXI, mas pouco se tem refletido. A sensação é de “escuta surda”!
O movimento LGBTQIAP+ precisa reconhecer que existem múltiplas identidades e pautas invisibilizadas, como a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais. É preciso contemplar, de fato, todas as letras da sigla, discutir a questão racial e de gênero de forma interseccional.
Ser uma transexual e negra, por exemplo, é sofrer todos os estigmas possíveis em um país falsamente considerado o país da diversidade e do acolhimento. Políticas públicas que podem alcançar uma população travesti branca, não chegam a travestis e transexuais negras.
Transfobia
Entre todas as situações lgbtfóbicas, a que está mais distante das discussões do movimento LGBT e da sociedade são as que atingem transexuais e travestis. Um exemplo é o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS).
Márcia Cristina Brasil Santos, assistente social e coordenadora técnica ambulatorial da Unidade de Atenção Especializada no Processo Transexualizador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (HUPE/Uerj), percebe, em sua rotina profissional, um grande número de pessoas trans negras que não conseguem chegar ao atendimento:
“Exigem que a pessoa tenha dinheiro para se locomover até o local, desenvoltura para acessar informações, disponibilidade para transitar durante o dia, em horário determinado pela instituição, que consiga superar a timidez e insegurança para falar com os ‘doutores’, enfim… são muitas questões”.
A coordenadora relata, ainda, que a falta de percepção do problema chega de todos os lados, apesar do avanço de se ter um serviço público que oferece cirurgias de transgenitalização desde 2007:
“As instituições são o reflexo da sociedade. Se o racismo já é cruel e dinamizador de injustiça social, quando se entrecruza com a diversidade de gênero e identitária, tudo é elevado à máxima potência”, compara.
$$$$ + beleza
O padrão de beleza e o poder econômico-financeiro são outros marcadores de exclusão das pessoas LGBT negras. O bonito, o que deve ser visto, desejado e contemplado é branco. E os próprios espaços vão geograficamente segregando e ditando a ordem de quem pode e de quem não pode frequentar.
Mas tudo é sutil, velado. Um negro é “naturalmente” pobre, burro e favelado. Se é o oposto – rico, estudado, mora bem, veste bem – “se torna branco”.
Quer dizer, os poucos negros gays que têm poder aquisitivo, educação de qualidade, têm de pagar um preço para serem aceitos: o esbranquiçamento.
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Historicamente, tanto a população negra como a população LGBTQIAP+ são marginalizadas e vivem uma situação de insegurança social por terem menor proteção do Estado.
E a mudança só vai acontecer quando se assimilar a aprendizagem, que o movimento negro já teve, de que não se combate o racismo sem a luta contra a homofobia, o machismo, o sexismo e a intolerância religiosa.
Fontes: G1, Brasil de Fato, Cult, Correio Nagô, Agência Brasil, Orientando.
Pluralidade nas letras
LGBTQIAP+ indica a pluralidade ilimitada na maneira de existir de todo ser humano. As letras LGBT abrangem orientações sexuais (lésbicas, gays, bissexuais) e identidades de gênero (transgêneros, transexuais e travestis).
O I, de intersexo, se refere a pessoas que apresentam características biológicas do sexo masculino e feminino o que, de acordo com a Organização das Nações Unidas, ocorre em até 1,7% dos recém-nascidos, mas pode ser maior porque que muitas pessoas não nascem com características de intersexo, mas podem desenvolvê-las na puberdade, na vida adulta ou nunca descobrirem esses traços.
Q vem da palavra inglesa “queer” e serve para designar quem transita entre os gêneros feminino, masculino e além. Algumas pessoas definem sua orientação como queer, por não quererem/saberem defini-la.
A são as pessoas assexuais e arromânticas, que não sentem atração sexual ou afetiva por outra pessoa, independentemente de orientação sexual (a direção do amor) e identidade de gênero (como eu me vejo, percebo, sinto).
O P remete às pessoas pan, sentem atração por todos os gêneros ou independentemente do gênero, e às poli, que se sentem atraídas por muitos gêneros.
O sinal de + é para quem não se considera trans e não é heterossexual, como as cetero/medisso que são pessoas não-binárias, que só sentem atração por outras pessoas não-binárias; as omni, que sentem atração por todos os gêneros, e as abro que possuem atração que muda sempre.
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Ótimo texto.