Sônia Guimarães é a primeira mulher negra brasileira doutora em Física e primeira mulher negra brasileira a lecionar no ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos (SP). E, detalhe: ela ingressou na instituição em 1993, quando ainda não se aceitava mulheres como estudantes.

As mulheres ainda são minoria na instituição. Dos 700 alunos que ingressaram no ITA entre 2013 e 2018, apenas 60 eram mulheres.
“É uma instituição conservadora, masculina e branca. Mas aos poucos estamos ganhando espaço”, denuncia a física.
A faculdade está entre as mais concorridas do país e é reconhecida pelos cursos da área de Engenharia. A professora graduou-se em Licenciatura Plena em Ciências na Universidade Federal de São Carlos, em 1979. Em seguida, ingressou no Mestrado em Física Aplicada na Universidade de São Paulo (USP), com a dissertação “Desenvolvimento da Técnica Elipsométrica para Caracterização Ótica de Filmes Finos”.
Em 1986, emendou com um curso de especialização em Química e Tecnologia dos Materiais e dos Componentes, na Consiglio Nazionale dele Ricerche, com bolsa de estudos na universidade italiana. Em seguida, ingressou no Doutorado em Materiais Eletrônicos pelo Instituto de Ciência e Tecnologia, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, após um breve período na Itália, trabalhando com microscopia eletrônica de varredura. Com este currículo, conquistou seu pioneirismo como docente do Instituto Tecnológico.
Especialista na área de semicondutores, Sonia liderou em 2016 uma pesquisa nacional sobre o desenvolvimento de sensores de calor.
Aluna aplicada
Sonia nasceu em Brotas, interior de São Paulo, em 26 de junho de 1957. Filha de pai tapeceiro e mãe comerciante, dona de buffet, desde criança foi aluna aplicada, com as melhores notas da classe, especialmente em matemática. Escola pública.
Na adolescência, arranjou emprego para pagar um cursinho e prestar vestibular para Engenharia Civil.
Um de seus professores, porém, a orientou a buscar os cursos menos concorridos, o que a levou a escolher a Física.

Na Universidade Federal de São Carlos, se apaixonou pelas aulas sobre materiais sólidos e desistiu, definitivamente, da Engenharia. Dos 50 alunos da sua turma, apenas cinco eram mulheres.
Sonia também acumula um “pioneirismo doméstico”- é a primeira pessoa da sua família a entrar para a faculdade.
Gênero e Raça
Mantenedora da Faculdade Zumbi dos Palmares, Sonia trabalha com projetos que envolvem estudantes de áreas carentes e marginalizadas e em projetos feministas, que visem a maior inclusão de mulheres e negros no ambiente acadêmico, a fim de reduzir a disparidade racial e de gênero na pesquisa brasileira.
Dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de 2015 apontam que apenas 12 mil mulheres estavam em pesquisa acadêmica nas áreas de Tecnologia, Engenharia e Exatas, contra quase 23 mil homens. Dados do mesmo ano apontam que as mulheres negras são apenas 26% das mulheres pesquisadoras do Brasil.
“Eu sei dos números que eu represento e quero que outras mulheres olhem para mim e vejam que é possível. Eu combato todos os dias um cenário que contrasta de mim só por estar aqui, mas eu quero mais que isso. Precisamos entender que todos os ambientes são nossos e lutar uns pelos outros.”
Em 2023, Sonia Guimarães recebeu a Medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito, como celebração dos seus 30 anos de atuação no ITA e foi eleita uma das 100 pessoas mais inovadoras da América Latina pela Bloomberg Línea.
Mas, para ela, muita coisa precisa mudar, ainda.
Cotas
Nos primeiros 10 anos da Lei de Cotas no Brasil, entre 2012 e 2022, o número de alunos negros nas universidades aumentou em 200%, segundo o Senado Federal. E Sonia entende que essa é uma vitória das pessoas negras no Brasil, mas é preciso aprimorar. Uma das questões, é a autodeclaração – exemplifica:
“A equipe de verificação das autodeclarações tem que ser formada por pessoas negras. Não pode uma pessoa branca decidir se uma pessoa é negra ou não e determinar esse acesso. Eu mesma nunca fui convidada!”
Outro ponto que importa está ligado às melhorias nas políticas de permanência estudantil para alunos negros em universidades públicas. E ela cita o ITA, onde trabalha:
“…os alunos têm todo o suporte, como alimentação, moradia, dentista, psicólogo, tudo incluído. Muitos mandam o salário para a família, porque vêm de situações de vulnerabilidade econômica. Esse instituto é uma oportunidade única, uma glória…”
Exclusão e auto exclusão
Mesmo assim, na visão da cientista, a lógica excludente de ingresso no ensino superior de elite continua vigente. Ainda é comum ouvir que “a universidade não é para qualquer um”, que políticas de inclusão para negros estudantes e docentes não são prioridade.
No dia a dia da academia, vale o que ela define como “racismo velado”, que é a crítica a diversos aspectos da identidade de uma pessoa negra, sem nunca usar adjetivos raciais.
Essa lógica, na opinião de Sonia, faz com que os professores e professoras negros evitem falar de raça nos ambientes acadêmicos elitistas. A somar-se, ainda, o que ela chama de “embranquecimento” das pessoas que, por frequentarem ambientes historicamente brancos, demoram ou acabam não se identificando como pessoas negras.
“Eu conheço pessoas pretas, retintas, que se tornaram negras depois dos 40 anos. Gente que é negra no Carnaval, onde isso é valorizado, e deixa de ser negro no resto do ano.”
Viral
No fim de semana de 12 de fevereiro de 2025, Sônia Guimarães em sua versão sno Instagram – @drasoniaguimaraes – viraliza ao celebrar o número recorde de novos alunos negros no ITA, que possui o vestibular mais concorrido e difícil do Brasil.
O Instituto oferece 180 vagas todos os anos e, em 2025, 49 dessas vagas são de estudantes negros:
“Essa é uma vitória! O instituto só adotou a política de cotas em 2018 e para vocês terem uma ideia, ano passado tínhamos apenas 10 pessoas — o que já era uma evolução (…) É uma vitória para a política de cotas, para quem resistiu e se empenhou em ampliar a diversidade. Vocês não imaginam a minha felicidade!”
2025 marca também a primeira vez que a pioneira participa da comissão de autodeclaração – um lugar que há muito tempo pleiteava – , que acompanha a análise de afrodescendência dos candidatos, estabelecida por lei.
Fontes: CNN Brasil, Wikipédia, G1
Escrito em 23 de maio de 2019. Atualizado em 11 de fevereiro de 2025