2022 marca os 100 anos da principal figura de Angola do século XX, Agostinho Neto, o primeiro presidente do país.
Antonio Agostinho Neto nasce em 1922, no Dia do Herói Nacional, 17 de setembro – data criada em sua homenagem – e morre no mesmo mês, no dia 10 do ano de 1979. Médico, escritor, político, à frente do Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA, de tendência marxista, em 1975, torna-se o primeiro presidente do país.
O líder integra a geração de estudantes africanos que desempenham papel decisivo na independência de seus países na luta contra a colonização europeia nos anos 1950 e 1960.
Preso pela polícia política de Portugal, foge para o exílio e assume a direção do MPLA, do qual já era presidente honorário desde 1962 durante o período em que ficou preso. Em paralelo, desenvolve as carreiras médica e literária.
Em família
Toda a família vive em Kaxikane, em uma comunidade moderadamente próspera, focada na horticultura e na pesca. Seu pai, Agostinho Pedro Neto, catequista de missão metodista americana leva todos para Luanda, capital de Angola e coloca o filho primeiro time do sistema de educação do país.
Em 10 de junho de 1937, Agostinho inicia os estudos secundários no Liceu Salvador Correia, se forma em 1944 e vai trabalhar nos serviços administrativos da África Ocidental Portuguesa como funcionário da área de saúde. É assim que amplia sua visão dos problemas coloniais no seu país.
Com uma bolsa de estudos doada pelos metodistas americanos, transfere sua matrícula para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Lisboa.
Da elite
Apenas 1% da população negra de Angola era considerada “civilizada” ou “assimilada”. A família de Agostinho Neto pertencia a este 1%. Por conta disso, estava isenta de obrigações trabalhistas e de pagamento de impostos.
Na época, da Portugal do ditador Salazar (1926-1928), colônias como Angola foram reduzidas à extrema pobreza. A escravidão e a exportação de escravizados era ilegal desde 1910, mas aspectos do sistema, como trabalho compulsório e castigos físicos para inadimplentes, continuam em voga.
Mesmo assim, ele confraterniza com seus contemporâneos brancos e mestiços, tendo, inclusive, se casado com uma mulher branca, a portuguesa Maria Eugenia Neto, escritora, poetisa e jornalista, que conhece em 1948.
Poucos dias após o casamento, em 1958, nasce em Lisboa, seu primeiro filho, Mário Jorge Neto e, três anos depois, a filha, Irene Alexandra Neto.
Vale registrar que ser pai de crianças miscigenadas, na época, representa um problema na relação com os puristas anticoloniais.
Do verbo
A educação de Agostinho Neto conduziu-o à literatura, a partir da poesia. Até porque a polícia colonial perseguia os escritores de prosa, em especial, os autores com aspirações nacionalistas. A polícia não entendia que a poesia também podia ser subversiva!
Sua maior produção, entretanto, é a poesia de desespero, escrita durante suas várias prisões, especialmente quando uma filha morre e a caminho de Lisboa, ao ouve, através das janelas abertas, gritos de vítimas de tortura.
Em 1950, ele é preso – pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado -, em Lisboa, por distribuir panfletos sobre o movimento de paz internacional.
Após três meses de cárcere, Agostinho Neto funda, clandestinamente, o Centro de Estudos Africanos – instituição fechada pela polícia em 1951 -, em parceria com Amilcar Cabral, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde; Mário de Andrade, escritor e um dos fundadores do Movimento Modernista; Marcelino dos Santos, poeta e membro fundador da Frente de Libertação de Moçambique, e Francisco José Tenreiro, geógrafo que usou a poesia para exprimir a nova África, marcada pela fusão de culturas nativas.
Luta contra Portugal
O ano de 1951 marca sua eleição como representante da Juventude das Colônias Portuguesas, junto ao Movimento de Unidade Democrática-Juvenil, grupo fortemente ligado ao Partido Comunista Português. É o início da luta anticolonial, que dura até 1974, e do seu retorno à prisão, em Lisboa.
Condenado a 18 meses de encarceramento, conta com o apoio de muitos intelectuais, que fazem uma petição internacional pela sua libertação. Entre eles, a escritora Simone de Beauvoir e o poeta cubano Nicolás Guillén.
Em 1957, a polícia política portuguesa, com um modelo baseado na Gestapo – polícia secreta da Alemanha nazista -, estabelece-se em Angola. Três anos depois, Agostinho é capturado, mais uma vez, quando retorna a Luanda. E, junto com a esposa e um dos filhos, é enviado para as ilhas de Cabo Verde, na parte mais ocidental da África.
Um ano antes, em 10 de dezembro de 1956, é fundado o MPLA, a partir da fusão dos grupos nacionalistas Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola e Partido Comunista Angolano, além de outros grupos menores.
O médico
Libertado em julho de 1957, Agostinho dedica-se a finalizar os estudos, licencia-se em Medicina pela Universidade de Lisboa em outubro de 1958.
Em 22 de dezembro de 1959, formado, junto com a família, ruma para Luanda, onde abre um consultório médico, é convidado a presidir o PLA e passa a organizar as atividades políticas do movimento até ser preso em Luanda, em de junho de 1960, “por opiniões subversivas”.
As pessoas, incluindo sua clientela, organizam uma marcha em protesto pela sua libertação. As autoridades coloniais respondem violentamente com munição, trinta pessoas são assassinadas e duzentas feridas.
Mais prisões
É na prisão, onde, desta vez, fica até outubro de 1962, que Agostinho Neto escreve alguns de seus principais poemas. Mal é solto, volta a ser encarcerado, o que gera forte repercussão internacional.
Nunca foi santo
Sua figura jamais foi unanimidade dentro do movimento anticolonial. Em 1963, quando passa a coordenar o núcleo militar do movimento, seus detratores sentem a força do seu poder.
As fortes divergências que teve com o líder anticolonial e escritor angolano Viriato Cruz, por exemplo, levaram Agostinho Neto a torturá-lo diariamente numa prisão, de onde saiu quase morto, por intervenção de aliados externos.
Outra figura que o questionou foi Matias Miguéis, enterrado vivo somente com a cabeça para fora, onde lhe jogavam secreções ao mesmo tempo em que recebia golpes.
Na Presidência
Em 25 de abril de 1974 acontece a Revolução dos Cravos, que depõe o governo ditatorial em Portugal. Seis meses depois, é assinado o cessar-fogo da Guerra de Independência de Angola, com o novo regime português reconhecendo o direito das colônias à independência.
Angola é declarada independente e, em 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto é proclamado seu primeiro presidente. Ele se alinha ao bloco socialista do país e estabelece um regime mono-partidário, inspirado no modelo então praticado nos países do Leste Europeu. Conta com o apoio de Cuba e entra em choque com grupos de direita apoiados pelos Estados Unidos e pelo governo racista da África do Sul.
Na mesma ocasião, assume a função de reitor da Universidade de Angola e torna-se também presidente da União dos Escritores Angolanos, cargo que desempenha até o dia da sua morte.
Sua liderança política é confirmada no congresso de 1977 e o MPLA é convertido em Partido do Trabalho, apesar dos graves conflitos internos do movimento, que geraram o encarceramento de ex-militantes.
Luta pelo poder
Agostinho Neto lidera o MPLA na proclamação da independência contra as forças portuguesas, sul-africanas, zairenses e angolanas, sendo o prelúdio da Guerra Civil Angolana, que começa no mesmo 1975.
A luta pelo poder entre os dois movimentos de guerrilha anticolonial – o comunista MPLA, de Agostinho Neto, e o anticomunista União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) – e também parte da Guerra Fria, entre União Soviética a Estados Unidos, vai de 1975 a 2002.
Quando a MPLA alcança a vitória em 2002, mais de 500 mil pessoas haviam morrido.
Ancestral
Agostinho Neto não vive tempos de paz. Morre em 10 de setembro de 1979, em Moscou, na Rússia, aos 57 anos, devido a complicações durante uma cirurgia. Ele tinha câncer no fígado.
O poeta teve seus escritos proibidos por um tempo. Colaborou em várias revistas, jornais e publicações culturais e publicou diversos livros, dos quais se destacam o primeiro “Náusea”, de 1952; “Quatro Poemas de Agostinho Neto”, de 1957; “Com os Olhos Secos”, de 1963, e “Sagrada Esperança”, de 1974.
Em 1970, Agostinho Neto recebe o Prêmio Lótus e, em 1975, o Prêmio Nacional de Literatura.
Fontes: Wikipédia, Geledes, Infopedia
escrito em agosto de 2022
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