Únicas na história, as mulheres do Reino de Daomé, na África Ocidental, formavam o maior exército feminino que se tem notícia, na linha de frente nas guerras, na política e na administração real.
O que este artigo responde: Quem eram as Amazonas do Reino de Daomé? Existiu um exército de mulheres na África? Qual era o papel das Amazonas no Reino de Daomé? As Amazonas atuavam somente nos campos de batalha? Como as Amazonas eram treinadas? Como eram recrutadas as Amazonas? O que simbolizava o uniforme das Amazonas? Qual é o legado das Amazonas de Daomé? Qual a importância das Amazonas na história militar e cultural africana? Quantas eram as Amazonas? Qual o porte físico das Amazonas? Qual o nome da primeira amazona que se tem notícia? As Amazonas faziam parte da elite, dos poderosos?
Elas eram enormes em tamanho, fama, poder, força e realeza. Formavam o Exército de Amazonas do Reino de Daomé. Elas eram temidas e respeitadas em toda África por sua coragem e fé. Quinhentas mulheres invencíveis nos tempos dos arcos e das flechas certeiras, dos punhais e espingardas, que acompanharam uma longa sucessão de reinados da dinastia dos protegidos de Dã.
Daomé é a junção das palavras fons: Dã + omei = terra de Dã, o vodum conhecido no Brasil como Oxumarê.
Rei após rei, este exército feminino se renovava. Vestidas com calças curtas e camisas longas, sem mangas, exibiam com orgulho o cinto em que ficavam presos um facão e uma maça – arma com cabo comprido com uma pesada bola de ferro dentada em uma das pontas.
Suas cabeças eram cobertas por gorros bordados ou pintados com figuras de animais sagrados no Daomé, como o crocodilo, o elefante e o tubarão, de acordo com o batalhão ao qual pertenciam.
Espartanas Negras
Mas que não se pense que, na época, mulheres com poder, enfrentando batalhas, fosse novidade – mulheres ocupavam posições-chave na política, em cargos burocráticos e era comum, também, afigura da rainha-mãe. O inusitado era existirem tropas inteiras de combatentes femininas.
O jornalista e pesquisador Stanley B. Alpern, ao escrever Amazons of Black Sparta – ou Amazonas da Esparta Negra, nos conclama a esquecer as lendárias amazonas da Grécia antiga:
“Na verdade, as únicas amazonas documentadas da História são o tema deste livro”.
E em 1895, o major francês Léonce Grandin, no livro Le Dahomey: À l’Assaut du Pays des Noirs (Daomé: Invadindo a Terra dos Negros), analisa a guerra na qual lutou:
“Treinadas desde a infância com os mais árduos exercícios, constantemente incitadas à guerra, elas levavam às batalhas uma fúria verdadeira e um ardor sanguinário… Inspirando com sua coragem e sua energia indomável tropas que as seguiam”.
Linha de frente
Quando a amazonas andavam pelas ruas, os homens comuns eram obrigados a dar um passo atrás para abrir caminho para elas e olhar para o outro lado. Era proibido dirigir-lhes um olhar.
Nas guerras, estavam, normalmente, na linha de frente dos ataques aos reinos inimigos, à frente dos homens.
As mulheres soldados e oficiais do exército de Daomé eram as mais importantes do reino possuíam escravas, exalavam respeito, privilégio, comando.
Em defesa própria
A primeira amazona que se tem notícia é Tassi Hangbé, filha do rei Houegbadja, fundador do reino do Daomé, e irmã gêmea do rei Akaba, de acordo com o historiador Bienvenu Akoha.
Em 1708, com a morte do pai, Tassi Hangbe assume o comando militar do reino, sem qualquer conhecimento militar, enfrenta duas guerras e é proclamada publicamente Rainha do Daomé.
Tassi reina por apenas três anos, mas chama atenção para as mulheres. É ela quem decide que as mulheres devam caçar ou dedicar-se à criação de animais – atividades anteriormente reservadas aos homens.
Sua influência cresce no ritmo de conspirações contra o seu reinado. Assim surge a necessidade de criar um batalhão de defesa, formado para ser mais eficiente do que os dos homens.
Mas as primeiras notícias das mulheres soldadas em Daomé datam de cerca de 1830 e o que se conta é que o país lutava em muitas guerras, o que levou ao declínio da população masculina.
Esposa e mãe
O nome amazonas foi dado por observadores ocidentais e historiadores, por conta da semelhança com as míticas guerreiras da antiga Anatólia e do Mar Negro. Mas elas eram conhecidas como Ahosi (“esposas do rei” em Fon) ou Mino (“nossas mães”).
Na época em que viveram, conta a escritora Edna Bay, autora do livro Women in Africa, “as mulheres eram criadas, desde a infância, para serem leais à sua família de nascença e à família do marido”. Assim, quase todas que vivam no palácio – cerca de cinco mil – eram esposas do rei, mesmo que não tivessem relações sexuais com ele, como as militares e celibatárias, ou, ainda, administradoras, funcionárias e escravas.
Além delas, só os eunucos – homens com os órgãos genitais removidos – podiam morar no palácio e guardar os aposentos reais.
Durante o começo do século XVIII, comerciantes europeus até registram a presença delas em milícias armadas com reputação de guerreiras destemidas, mas que raramente lutavam, apesar da reconhecida desenvoltura no campo de batalha.
Recrutamento
Além de mulheres da realeza, com o tempo, foi permitido o alistamento voluntário de mulheres comuns da sociedade fon, bem como o recrutamento forçado, bastando para isso que pais ou maridos reclamassem ao rei sobre seu comportamento.
A adesão às fileiras das mulheres guerreiras tinha como principal finalidade a lapidação de qualquer traço de caráter agressivo para os combates.
Durante o período de engajamento, elas não podiam ter filhos nem a rotina de uma mulher casada. Muitas delas eram virgens. O regimento tinha um status semi sagrado, entrelaçado com a crença nos voduns (ou “vudu”, como é conhecido no Brasil), uma das religiões oficiais do país, praticada por 60% da população
O treinamento rigoroso – também liderado por uma mulher Seh-Dong-Hong-Beh – dava ênfase a intensos exercícios físicos e à disciplina, com a meta a superar os homens. Ao final, fortes e velozes, elas escalavam paredões, empunhavam espadas, machadinhas e punhais com vigor e, armadas com rifles atiravam com boa mira. Decapitavam sem pena.
Rei Guezzo
Depois de Tassi Hangbé, o Rei Guezo (1818-1858) assume o poder e, rapidamente, percebe a vantagem de ter caçadoras de elefantes e uma guarda pretoriana feminina ao seu lado e torna o Reino do Daomé cada vez mais militarista.
Primeiro, ele aumenta o orçamento e formaliza as estruturas – as mulheres, entre quatro e seis mil mulheres, representam um terço de todo o exército e garantem a vitória em várias batalhas na África Ocidental. Batalhas que garantem entrega regular de prisioneiros para o comércio de escravos com o Brasil em troca de armas, pólvora, tabaco e álcool.
A escravização e comercialização de prisioneiros de batalhas – em sua maioria da etnia iorubá – consolidou o poder do Reino do Daomé na região e permitiu o florescimento da civilização fon sob outros grupos étnicos que viviam nas proximidades, com os igbo, igala e idoma.
Elemento surpresa?!
A invasão europeia na África Ocidental intensifica-se durante a segunda metade do século XIX – a França, em campanha para expandir o seu império ultramarino, não tem mais interesse no negócios com escravos.
Para proteger seus direitos comerciais, nos anos de 1890, o rei Beanzim começa a combater as forças francesas. No total, são duas as guerras entre eles.
No olhar dos historiadores para os confrontos – entre soldados franceses e as amazonas – não há unanimidade. Há quem afirme que muitos dos soldados franceses em combate no Daomé hesitaram antes de abater as amazonas com tiros ou golpes de baioneta, o que resultou em muitas baixas francesas.
Mas há os que defendem que o exército francês perdeu várias batalhas contra elas, não por causa da “hesitação”, mas devido à habilidade das guerreiras no campo de batalha, “em pé de igualdade com todo o corpo contemporâneo de soldados de elite entre as potências coloniais”.
Sem açúcar nem afeto
“O valor das amazonas é real” – escreveu o major Léonce Grandin. “Notavelmente bravas”, “extraordinárias por sua coragem” e de “tenacidade selvagem” são algumas das características atribuídas a elas por combatentes franceses em diários escritos no calor das batalhas.
Uma das histórias conta de uma jovem soldada do reino de Daomé, que em questão de segundos se aproxima e decapita, com furor, um sargento francês. E, em seguida, tem seu corpo atravessado por uma baioneta e tomba de costas, braços estendidos para a frente.
Na mesma batalha, um soldado gabonês de infantaria, recrutado pelos franceses, desarma outra militar de Daomé. Sem opção, ela rasga a garganta do inimigo com os próprios dentes.
Apesar de a França ter conquistado Daomé, após duas guerras, a ferocidade das mulheres que compunham um terço das tropas do país africano ao longo do século 19 impressionou visitantes e soldados estrangeiros.
A última vez que as amazonas entraram num campo de batalha foi em 1894,
Quando a França venceu a 2ª Guerra Franco-Daomeana, com seu exército mais preparado, reforçado pela Legião Estrangeira e utilizando armamento superior, incluindo metralhadoras.
Mesmo assim, os legionários escreveriam mais tarde sobre a “incrível coragem e audácia” das amazonas.
De Daomé a Benin
As amazonas são responsáveis por boa parte da fama de Daomé – um dos reinos africanos mais poderosos, que existiu entre os séculos XVII e XIX. No entanto, há poucos vestígios de mulheres nos manuscritos reais. De seus quinze reis, a única e pioneira é Tassi Hangbé com a grande ideia de um exército de guerreiras.
Do século XVII ao XIX, Daomé ficou conhecido como “Costa dos Escravos”, devido ao grande número de escravizados embarcados durante o tráfico negreiro.
Abolida a escravidão, a França tomou conta da região. Em 1892, o Império do Daomé é subjugado e o país torna-se protetorado francês, com o nome de Daomé Francês. Em 1904, integra-se na África Ocidental Francesa.
Em 1º de agosto de 1960, com a independência, recebe o nome de República de Daomé. Seu primeiro presidente é destituído três anos depois. A partir de 1963, o país mergulha na instabilidade política, com seis sucessivos golpes militares.
Entre 1972e 1990, um grupo de oficiais subalternos toma o poder e institui um regime de esquerda.
Século XXI
Ano 2006 – realizam-se eleições presidenciais consideradas livres e justas.
Geograficamente, Benim é maior que o Reino do Daomé. O atual país é o resultado artificial da expansão colonial francesa que uniu os antigos reinos fons Daomé e Porto Novo, com numerosos povos do interior. Tem 112 622 quilômetros quadrados e soma 10 milhões de habitantes.
A capital constitucional é a cidade de Porto Novo, que tem entre seus pontos turísticos uma curiosa mesquita em estilo barroco-brasileiro erguida por ex-escravos brasileiros deportados após a Revolta dos Malês.
Em Cotonu, a maior cidade do país, fica a sede do governo. Uidá é sempre lembrada como a cidade do porto de não retorno, de onde os escravizados eram enviados para as Américas, bem como Ganvie, cidade de difícil acesso, construída no meio de um lago por pessoas fugindo dos caçadores de escravos.
Abomei, antiga capital do Daomé, é a cidade onde a história do maior exército de mulheres que se tem notícia foi escrita. Lá, a sede do antigo palácio real.
Inspire-se com a história de Sahle-Work Zewde, a única presidenta de todo continente africano
Fontes: Um defeito de cor, Ana Maria Gonçalves, páginas 809, 812, 846; Wikipédia
escrito em agosto de 2021
wikipedia
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A História das Amazonas de Daomé precisa ser conhecida por todos aqueles que acreditam na luta por liberdade e contra a escravidão.
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