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InícioAtotô Obaluaê, vida e morte

Atotô Obaluaê, vida e morte

Também chamado Omulu, este orixá ancestral concentra em si mesmo a energia progressiva e regressiva, da saúde e da doença, dos princípios dinâmicos da vida, do constante renascer.

Símbolo de Omulu e Obaluaê
Xaxará (feixe de palha e búzios), símbolo de Omulu Obaluaê (Imagem: Ubi Maya)

“Silêncio para o grande rei da Terra”-  é a ideia expressa na sua saudação, “Atotô”, um deus que não é unilateral. Como todos os orixás, contempla o nosso lado luz, como médico dos pobres, e o nosso lado sombra, da doença, da peste, da velhice, da impotência.

O orixá, quando está Obaluaê, é a ligação com o princípio da vida, com a energia progressiva. Quando está Omulu, o link é com o  princípio da morte, o final da vida, a energia regressiva.

Olhares

A mitologia é rica nas versões do nascimento dos orixás. E não existe versão certa ou errada, verdadeira ou mentirosa. Isso porque mito não é sinônimo de mentira. Mito é uma história. A Mitologia é uma narrativa de histórias que contam de nosso  inconsciente, o nome científico que damos para Deus, a nossa matriz.

Os atributos dos orixás estão presentes na psique de qualquer mortal, seja ele iniciado ou não. Todos temos, na base, a religiosidade africana, independentemente de nossa origem continental.

Obaluaê, por exemplo, conhece o sofrimento de carregar uma enfermidade. E não são poucos os mitos que contam da sua criação e indicam que tudo nele está ligado à ferida da rejeição, ao complexo de inferioridade, e à cura, à superação de todas as adversidades.

O bebê

Uma das versões do mito conta que, devido erros cometidos por Nanã, sua mãe, ao confrontar Oxalá, Obaluaê nasce cheio de feridas e é abandonado para morrer na beira do mar.

Iemanjá, ao caminhar sobre seus domínios, o encontra sendo comido por caranguejos, o adota como filho e o ensina a superar os males e a curar as doenças.

Iemanjá
Iemanjá (Imagem: Lambuja/Superinteressante)

Outra versão diz que ele cresce cheio de cicatrizes e de vergonha por ser assim, além de tímido e cabisbaixo, por conta da rejeição materna. Por tudo isso, para esconder-se, se cobre todo com palhas, ficando somente os braços e pernas de fora.

O jovem

Uma variante do mito conta que, aos 12 anos, Obaluaê sai de casa para ganhar a vida. Mas ninguém lhe dá atenção, lhe ajuda e ele vai para a floresta.  Lá, picado por muito mosquitos, adoece, fica cheio de pústulas, com marcas no corpo inteiro, e adormece. Ao acordar, ouve uma voz que diz: “Agora você pode ir. Está pronto”.

Quer dizer, o seu tempo na floresta é o seu período de aprendizado. No caso, sobre uma série de combinações de elementos da natureza que trazem a cura de doenças.

Ao voltar para a cidade – onde havia sido rejeitado, tratado como se não existisse -, encontra o povo triste, infeliz, doente e oferece a todos a cura, a alegria, vida.

Aparência

Mito parecido ao da floresta, conta que certa vez quando estava caminhando pelo mundo, Obaluaê passou por uma aldeia com fome e sede.

Os moradores estranharam sua figura coberta de palhas e não reconhecendo o Orixá, negaram-lhe um simples copo com água.

Desapontado e triste, Obaluaê ficou nos arredores da vila observando aquele povo e, durante este tempo, a aldeia caiu em miséria: as pessoas adoeceram, o Sol queimou as lavouras…

Obaluauê (Imagem: reprodução)
Obaluauê (Imagem: reprodução)

Sem saber o que acontecia, os moradores perceberam que tudo havia iniciado depois de terem negado água ao desconhecido.

Arrependidos, os líderes do povo recolheram o pouco de alimento que restara e levaram ao forasteiro em pedido de perdão.

Compreendendo a sua dor, Obaluaê entrou novamente no vilarejo e tudo voltou à vida imediatamente.

O homem

Há um mito, ainda, que o liga a Oxum, a deusa das águas doces e do amor que, em um ato de generosidade, faz uma roupa de palha para cobri-lo inteiro, em um momento em que todos os orixás estão reunidos, dançando, e Obaluaê, por se sentir feio, não participa.

Quando ele inicia sua dança, Iansã – deusa dos ventos e das tempestades -começa a esvoaçar as palhas de sua roupa, as feridas do seu corpo começam a explodir pipocas e Obaluaê se transforma em um jovem muito belo.

Simbolismo

Na psicanálise – que dialoga com a mitologia africana -, Obaluaê é identificado com o arquétipo do curador ferido. Quer dizer, quando olhamos para a nossa ferida, nos acolhemos como somos, damos a oportunidade de ampliar a própria consciência e nos curamos.

O milho e a pipoca – oferendas ao orixá – têm significado especial também na psicanálise: representam a nossa capacidade de transformação, sem repressão, mas com o enfrentamento do calor da tensão.

Oferenda Obaluaê Omulu
Oferenda a Obaluaê (Imagem: Reprodução)

A somar-se, o olhar para o significado da morte, que se amplia: a morte não é o fim, é o renascer,  matando o que não serve, o que faz mal, sem milagres, mas com o enfrentamento das lições que a vida apresenta.

Às vezes, uma perda, uma doença – uma pandemia -, vão propiciar a ampliação da consciência. O que temos de aprender nunca se esgota.

Berço da religiosidade

Se a África é o berço da humanidade, não existe dúvida sobre a fonte primeira da religiosidade humana, a Mitologia Africana, apropriada pelas mitologias que vieram depois, bem como pelas religiões.

Deus não é cristãonão tem religião e não é propriedade privada. Qualquer povo, qualquer cultura, tem o direito de procurar Deus à sua maneira. Eu africana, eu moçambicana, tenho a minha maneira de dizer Deus. Por que tenho que dizer Deus na língua do outro?

Por que eu tenho que dizer Deus na língua de uma raça que se acha superior às outras?”

Assim a romancista Paulina Chiziane, a primeira de Moçambique, autora de Balada de Amor ao Vento, nos propõe descolonizar o pensamento.

Para orixás e deuses não existe o “certo e o errado” do princípio judaico-cristão. Os opostos que residem em todos os orixás, estão em todos nós. Nada é só bom ou só mal.

A moral dos deuses é flexível. Isso porque fomos nós quem criamos os orixás, para explicar como funciona a vida.

O ‘sopro do espírito santo’ que batiza, em Pentecostes, com línguas de fogo. É o mesmo sopro e o mesmo fogo de Iansã.

São Roque Obaluaê Omulu
São Roque, um dos santos católicos correspondente à divindade africana (Imagem: Weiszflog Irmãos/Domínio público)

A equivalência entre os orixás e os santos do Catolicismo surge no período colonial, com a chegada ao Brasil dos primeiros africanos de origem iorubá, povo que habitava a região atual de Nigéria, Benin e Togo.

Adeptos do candomblé, eles eram proibidos de adorar suas divindades porque a religião oficial do País era o Catolicismo. Para driblar a censura, os negros criaram a associação e seguiram praticando sua fé. Por isso, o sincretismo pode variar de acordo com a região do Brasil.

No sincretismo, Obaluaê é São Lázaro e São Roque.

Seu dia é a segunda-feira.

Leia também Racismo religioso, entre a cruz e o chicote para saber mais do olhar de primeirosnegros.com para a nossa ancestralidade divina.

Fontes: Super Abril,  Instituto Freedom – Mitologia Afrobrasileira e Psicanálise, Guia da Alma

Escrito de 2 de abril de 2022

9 comentários em “Atotô Obaluaê, vida e morte”

  1. Pingback: Iansã, à frente de seu tempo

  2. Pingback: Os oborós, orixás masculinos

  3. Hoje encontro aqui, em um lugar simples, como o google, alguma coisa que venho procurando a tempos, uma delicadeza que me negaram a todo tempo, um cuidado que quando veio foi tão bonito, mas tão bonito, que eu não sabia como agradecer, mas eu só sei dizer que me amo, porque o meu ori, me livrou para que eu finalmente, amasse. Fui amando todo mundo para me amar e no final disseram que eu não teria nada. Eu tenho sim, porque como diz Luedji Luna ”qualquer gota de amor afoga” e complemento em meu nome : para quem não tem nada, uma gota pode ser o suficiente.

  4. Pingback: Iemanjá, a deusa iorubá, uma filosofia africana

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