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Cannabis ou maconha? 

Silvio Humberto, do ativismo ao poder político (Imagem: Primeiros Negros)

Tudo depende da classe social, econômica. É questão de poder, mas também questão de saúde!

O que este artigo responde
Qual a diferença entre cannabis e maconha?
Quem pode plantar maconha no Brasil?
Cannabis faz bem para a saúde?
É verdade que , antigamente, se vendia maconha nas farmácias?
Já tem pé de  maconha crescendo legalmente no Brasil?
O que maconha tem a ver com a economia?
Cannabis ajuda ou atrapalha a economia do país?
Cultivar maconha é um bom negócio?

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Cannabis ou maconha? | Primeiros Negros

A diferença é que uma palavra é em latim e a outra é africana, a diferença é o racismo! “Ma’kaña”, que se tornou “maconha” em território nacional, tem sua origem em uma das línguas angolanas, o quimbundo, muito falada entre os escravizados.

Daí existir uma política deliberada de criminalização de uma planta, em nome de uma suposta proteção da saúde pública, mesmo se sabendo que o seu uso aparece em muitas pesquisas médicas e científicas, ligadas ao alívio de doenças e síndromes graves, como câncer.

 “A planta de onde se extrai o uso tanto terapêutico, medicinal, para fins de saúde mental, física, é uma só. O uso da cannabis fumada é medicinal quando se está tentando melhorar a saúde mental e física”, afirma Jackeline Barbosa, doutora em ciências médicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Na sua opinião, “a distinção tem por finalidade o reforço da discriminação”. Ela lembra que a cannabis veio para o Brasil e estava nas farmácias brasileiras, a exemplo do que acontecia na Europa e nos Estados Unidos, no início do século XX, em vidros de extratos e formulações as mais diversas. “Os farmacêuticos preparavam os extratos da mesma forma que hoje se desenvolvem os extratos. Está na farmacopeia brasileira”.

“Não existe nenhum argumento científico que justifique a proibição, se não o argumento político e social de tentativa de manutenção de engrenagem de desigualdade”, insiste a médica. “Cannabis é um grande regulador, não se acumula no organismo, é por excelência um sistema preventivo dentro da saúde, além de ser curativo ou paliativo”.

A cannabis para uso medicinal tem vários efeitos benéficos bem documentados: melhora de náuseas e vômitos; estímulo ao apetite de pacientes em quimioterapia e doentes de aids, diminuição da pressão intra-ocular – o que demonstrou-se eficaz no tratamento de glaucoma -, além de efeitos analgésicos gerais.

E registre-se o fato de que “o proibicionismo de drogas, da maconha especificamente, tem causado um entrave ao desenvolvimento científico, tecnológico e farmacêutico”, afirma Ana Carolina de Paula Silva, mestre em Direito Penal e autora do livro Posse de Drogas: criminalização secundária e violação de direitos

Questão de classe

Resumindo, a possibilidade de tratamento com maconha está acessível só para as classes média e rica no Brasil – a pessoa tem que ter informação, conhecimento e dinheiro. Até porque são poucos os médicos que fazem esse tipo de prescrição.

A cannabis medicinal no Brasil já é uma realidade. Já tem maconha crescendo legalmente dentro do Brasil. Temos 3.000 pessoas com medidas judiciais protegendo o cultivo de maconha nas suas casas; dez associações de pacientes que podem cultivar de forma associativa, apesar da limitação ao tratamento. É a elite – pessoas brancas que estão tendo acesso”, confirma o advogado Emílio Figueiredo, membro da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A professora Célia Fernanda Raimundo, que também trabalha na rede pública de saúde, em Rio Claro (SP), conta que a maconha é prescrita na sua cidade por médico privado e que os pacientes até conseguem retirar na rede SUS, só que com limitações e mediante muita burocracia: “Os pacientes contam que o SUS não cobre o tratamento inteiro e oferece medicação com concentração de canabidiol inferior ao prescrito. É uma liberação simplesmente para calar a boca do movimento”.

Maconha em diferentes formas
Flor, folha e óleo com finalidades medicinais.(Imagem: Adriano Vizoni | Folhapress)

Enquanto isso, “tem família quatrocentona se apropriando da luta ancestral” para abrir seu próprio negócio, acusa o advogado Emílio Figueiredo. Ele entende que a cannabis deve, sim, ser produzida em escala industrial, mas não só. 

“É preciso ter a possibilidade de plantar no vasinho de casa também, como o boldo, extrações artesanais e em escala maior a produção industrial, como acontece com todas as plantas medicinais”, propõe Emílio Figueiredo da OAB. 

A médica Jackeline Barbosa chama atenção, ainda, para a importância de o cultivo ser normalizado no Brasil para se controlar, por exemplo, o como e onde se está plantando, uma vez que uma das características dessa planta medicinal chamada maconha é ser altamente saneante do solo. Em outras palavras, ela tem capacidade de descontaminar o solo, transformando-se, por consequência, em fonte de metais pesados, esgoto e tudo de ruim que houver onde tiver sido plantada.

Detalhe que importa: tudo de ruim do solo, não serve para a ingestão humana.

Leia mais a respeito no artigo sobre o papel de destaque que a maconha pode ter para reverter, a nosso favor, as mudanças climáticas, no artigo Maconha, Mudanças Climáticas e economia (docs).

Guerra às drogas???

Pergunta que não quer calar: Quem lucra com a guerra às drogas?

As respostas podem ser outras perguntas: quem lucra com o sistema prisional? quem lucra com o armamento da polícia? quem lucra com as quentinhas estragadas das cadeias do Brasil? quem lucra com a limpeza prisional que não garante a higienização desses espaços? quem lucra com o tráfico? quem lucra com a internação compulsória?…

“O estado é uma máquina de matar e de prender. O governo tem uma política de drogas voltada à punição, beligerante. E não há nenhum embasamento científico que fundamente a política baseada na proibição. Esse é um grande esquema econômico, baseado no controle de pessoas e de território”, acusa Emílio Figueiredo, da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OAB.

“São 50 bilhões de reais perdidos na chamada guerra às drogas, mas alguém está enriquecendo”, ressalta a médica Jackeline Barbosa. “Dinheiro perdido em armamento, estrutura de segurança pública, de saúde. E todo mundo paga essa conta que estrutura o combate às drogas”.

No estado de São Paulo, exemplifica Juliana Borges, da Iniciativa Negra, autora do livro Encarceramento em Massa, o segundo maior orçamento é o de segurança pública, para construção de presídio:

“Existe uma política de interiorização de presídios no estado de São Paulo. Um presídio aquece a economia local, é o hotelzinho para a família do preso, o mercadinho que vende itens para o jumbo, a população local que vai trabalhar como agente penal… Tem uma engrenagem que está ganhando muito dinheiro com isso”. 

Não faltam contradições na base da proibição. Os Estados Unidos, por exemplo, que é um dos países que mais exporta o modelo de “guerra às drogas”, de proibicionismo, é também um dos países que mais detém patentes sobre o princípio ativo da cannabis, a partir de um discurso medicamentoso – informa a médica Jackeline Barbosa.

Viés econômico

Buscando respostas sobre o real motivo da guerra às drogas, existe uma história – sem comprovação científica – de que pessoas que usam maconha têm seus impulsos de consumo reduzidos. Isso porque a ansiedade – um dos “gatilhos” para o consumo – é controlada pelo uso da substância. Tal constatação levou o empresariado – que se ressentia da baixa lucratividade – a pedir a proibição do uso da planta. Isso, nos Estados Unidos.

Capa do livro "Guerra às Drogas", de Daniele Ferrugem (Imagem: Divulgação)
Capa do livro “Guerra às Drogas”, de Daniele Ferrugem (Imagem: Divulgação)

Outras histórias, também com viés econômico, envolvem as camisas de cânhamo – proscritas do mercado, por serem muito duráveis – e a chegada das camisas de algodão, de menor durabilidade, estabelecendo a guerra entre o sintético e o orgânico… 

Isso sem falar da questão da moralidade, do preconceito, da vontade de permanecer em posição elitizada – arrisca Juliana Borges, da Iniciativa Preta. Valendo, ainda, um olhar para o âmbito do trabalho: “o capitalismo precisa de corpos tristes, em sofrimento, para serem explorados, e o uso da maconha, definitivamente, não serve a esses interesses”.

Saúde pública

Prender, matar, internar, deixar sem tratamento adequado é cruel. É uma  política que viola a saúde pública”, denuncia Emílio Figueiredo, da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OAB.

A médica Jackeline Barbosa, inclusive, chama atenção para uma outra vertente do encarceramento em massa – resultado das leis racistas antidrogas -, que é a internação em massa: 

“Recentemente, foi recuperado dos porões da psiquiatria o procedimento de internação compulsória porque a pessoa está fumando maconha ou usando qualquer outro tipo de droga ilícita ou lícita… Então, todo mundo vai ser confinado para tratar, supostamente, da saúde mental porque está usando uma coisa perigosíssima chamada maconha? É muito assustador e  é consenso de quem lida com saúde mental que isso não funciona”.

O caminho – na visão da médica – é a educação:

Proibir, não funciona de um modo geral. Proibir nunca evitou nada em se tratando de ser humano. Internação compulsória é uma resolução retrógrada. E quando se coloca uma lupa em quem está assinando esse tipo de resolução, muitas das vezes você vai encontrar donos de hospitais psiquiátricos. É algo muito sério, que deveria ser investigado apropriadamente”.

Resumindo:

O problema, principal, é que cannabis –  ou melhor, “ma’kaña” – esta é a palavra, com som “makanha”, que  significa “erva santa” – é coisa de preto, ajuda a relaxar em meio às batalhas da vida. Isso, desde o tempo em que éramos escravizados. Os senhores de escravos sempre se  incomodaram com o sorriso negro, com a possibilidade descanso negro, de deleite negro…

Vale lembrar, como complemento deste resumo, o intelectual senegalês Cheikh Anta Diop, que nos conta da origem do racismo na Antiguidade, que tem menos a ver com raça, e tudo a ver com disputa de poder, terra e recursos.

Leia também:
Você pode fumar baseado?
Do pito do pango à cannabis, uma linha do tempo
A maconha e o racismo

Fontes: Fontes: podpensarpreto podcast – entrevista com Ana Carolina de Paula – 10/10/2023; A história da Maconha – UFba, Zero Hora – Rita Lee, podcast  mano a mano -cannabis – entrevista com a médica Jackeline Barbosa, o advogado Emílio Figueiredo, e Juliana Borges, autora do livro “Encarceramento em Massa”; Midia Ninja; Scielo; O Globo, Wikipédia

Escrito em abril  2024

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