Eleita vereadora em 2018 e deputada federal em 2022, ela conquista pioneirismos inéditos em um estado criado há mais de 150 anos no Brasil, a partir do desmembramento da Província de São Paulo.

A história do Paraná começa a ser escrita em 1853, mas sua história só se torna oficial em 1859. E um século e meio se passou até que a presença negra naquele território se fizesse representar. Lá, 28,5% da população se autodeclaram negros. A informação é do censo 2010, o último realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística.
Quer dizer, Ana Carolina Moura Melo Dartora ao eleger-se a única vereadora negra de Curitiba, a capital mais negra do sul do Brasil, em 2018, passa a representar 24% da população. E, quatro anos depois, esta mesma mulher negra espelha 28,5% das pessoas do estado quando conquista nas urnas o direito a uma cadeira no Congresso Nacional, como deputada federal!
Uma mulher negra, em Brasília, para 2 milhões 976 mil 844 pessoas negras!
Capital mais negra do Sul
Pesquisa da geógrafa Glaucia Pereira, de 2017, informa ainda que Curitiba, capital do Paraná, é uma cidade marcada pela segregação e desigualdade racial. Curitiba nega a história e a cultura afrodescendente que a formou – evidencia a sua pesquisa A racialização do espaço urbano da cidade de Curitiba- PR.
“A capital do Paraná se projeta como um lugar que não passou por um processo escravagista e que não teve em sua construção a participação da população negra. Dessa forma, historicamente forjou uma especificidade cultural e étnico-racial para a cidade como a capital mais europeia do Brasil.” E, como salienta um dos trechos do estudo, não importam os números oficiais!
A cidadã
E é neste lugar que, em 1º de maio de 1983, nasce Carol Dartora, a primeira mulher negra eleita vereadora na capital do Paraná, terceira mais votada em 2020, com 8.874 votos, professora de História, militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento Negro.
Graduada em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Carol é especialista em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos- UFSCar, mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR e doutoranda em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal da Paraná – UTFPR.
Feminista, assume a Secretária da Mulher Trabalhadora e Direitos LGBTI do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná.
A candidata
Casada, professora do Ensino Médio, em 2022, Carol Dartora decide ir além, atravessar divisas, registrando sua candidatura para deputada federal pela chapa da Federação Brasil da Esperança – Fé BRASIL, composta pelos partidos dos Trabalhadores, Comunista do Brasil e Verde.
Já na campanha, o desafio de ser a primeira mulher negra a ocupar o posto de deputada federal do Paraná, que em toda história só elegeu nove deputadas mulheres, todas brancas.
A seu favor, os dois anos de vivência como vereadora preta:
“Com o mandato da primeira vereadora negra de Curitiba, uma parcela significativa da população passou a se ver representada e demandar ações e projetos. É a partir dessa atuação que construímos propostas e compromissos para as mais diversas áreas, como combater a fome, a miséria e o desemprego, mulheres, população negra, pessoas LGBTQIA+, educação pública, universidades, meio ambiente, povos indígenas e comunidades tradicionais, bem-estar animal, agricultura familiar, reforma agrária, infância e juventude, migrantes e refugiados, direitos humanos, segurança pública, população em situação de rua, classe trabalhadora, direito à cidade, moradia, mobilidade urbana, cultura, esporte e lazer, idosos, pessoas com deficiência, acessibilidade, saúde pública, e demais pautas e demandas dos grupos historicamente invisibilizados…”
Entre os principais projetos aprovados na Câmara de Curitiba estão a criação de cotas para as populações negra e indígena e a tramitação prioritária de processos administrativos relacionados à violência doméstica.
130.654 votos
Luta, história, resistência ancestral – estas quatro palavras refletem os 130 mil votos conquistados nas urnas por Carol Dartora. Ela quebra uma tradição. 2023 é o ano que a bancada do Paraná na Câmara dos Deputados passa a ter uma pessoa negra, uma mulher negra!
Segunda candidata do campo progressista com maior número de votos, Carol Dartora sabe que o eleitorado atendeu a um chamado:
“A gente propôs uma nova cultura política, representatividade, e as pessoas abraçaram essa candidatura.”
Para ela, tanto sua candidatura, como sua eleição, são uma resposta de luta e resistência do movimento negro e de mulheres.
“Desde que saímos da escravidão, a gente vem lutando pela inclusão da população negra na sociedade brasileira. E o estado do Paraná, infelizmente, ficou atrasado por ter um racismo institucional muito grande e por ter inviabilizado a população negra por muito tempo. Acredito que esse resultado é por causa dessa luta histórica, dessa trajetória, dessa resistência ancestral”.
Violência no Parlamento
Mas para as mulheres negras e para as mulheres trans negras não basta vencer nas urnas porque a violência da branquitude e da homofobia não tem limites.
Após o primeiro turno das eleições municipais 2024, a deputada federal Carol Dartora emitiu uma nota de repúdio após insultos racistas, misóginos e ameaças de morte recebidos em seu e-mail institucional.
Ela recebeu mais de 40 mensagens de intimidação, enviadas no dia 14 de outubro, com “um claro ataque à sua integridade física, moral e ao exercício de seu mandato como parlamentar”, que “refletem uma realidade triste e persistente de práticas de ódio em nossa sociedade.
O conteúdo dos e-mails continham frases como “Macaca preta do cabelo duro, balzaca gorda”, e “Eu vou te matar e me masturbar para seu corpo sem vida, sua putinh*”.
Em um dos e-mails o remetente comenta, em tom de deboche e recheado de preconceito, sobre a “solidão da mulher preta” — tema comumente debatido no meio da militância negra — dizendo que “a solidão é tanta que ninguém as quer nem para estuprar”. Ele ainda fala sobre a “superioridade” das mulheres brancas, e diz para a parlamentar cometer suicídio para “acabar com a solidão e sofrimento”.
A “proteção”
A parlamentar informou a situação à Polícia Legislativa (Depol), à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, relatando que recebeu mensagens de ódio em seu e-mail institucional. Contudo, segundo sua assessoria jurídica, as investigações podem se estender por até dois anos, uma vez que os responsáveis utilizam endereços IP falsos para dificultar a identificação.
“Esses ataques contínuos tornaram-se uma verdadeira tortura psicológica. Não são palavras ao acaso; são ofensivas calculadas para me desestabilizar, prejudicar minha saúde mental e me intimidar, visando silenciar uma voz que representa a luta de tantas outras pessoas contra o racismo”, desabafa Carol Dartora.
Ela fala, ainda, do significado simbólico de toda a situação, considerando como uma “afronta” à sua trajetória como mulher negra e parlamentar, além de constituir uma “tentativa de barrar a construção de um Brasil mais democrático”.
E reforça:
“É justamente por essa realidade dura que encontro forças para seguir. Resisto não só por mim, mas por todas e todos que acreditam que o ódio não deve triunfar sobre a justiça e a equidade. Cada ataque me lembra o quanto nossa presença e voz incomodam, mas também o quanto são necessárias. Diante dessa tortura psicológica, vejo a urgência de políticas públicas que enfrentem a discriminação e protejam aqueles que lutam por um país melhor. Não recuaremos. A resistência é o que nos trouxe até aqui e é ela que nos levará adiante”.
Segue o desrespeito…
Bruna Rodrigues, deputada estadual pelo Rio Grande do Sul, é mais uma mulher negra a denunciar ameaças de morte e estupro recebidas por e-mail. Desta vez, assinada por um um remetente identificado como Anderson Rocha, que se descreve se descreve como “um homem branco, heterossexual e cidadão de bem”.
De acordo com a deputada, o conteúdo da mensagem vai além de um discurso de ódio, sendo uma tentativa clara de intimidar e silenciar sua atuação na Assembleia Legislativa, onde representa comunidades historicamente marginalizadas:
“Atacam a democracia, atingindo o mandato de uma mulher preta e o que para nós é fundamental: a família. Falam da minha filha de forma cruel”.
Leia o artigo Violência no Parlamento sobre a jornada de outras parlamentares negras em meio à violência que não é contida pelo Estado e o desafio de seguir na luta.
Outra sugestão de leitura é o artigo Afro Conveniência, sobre pessoas brancas que têm-se autodeclarado pardas ou pretas para candidatar-se nas Eleições e usufruir e políticas públicas voltadas à reparação pelos quase 400 anos de escravização do povo preto. O que não deixa de ser outra forma de violência, em mais usurpação do nosso viver.
Fontes: Assembleia Legislativa de Curitiba, Brasil de Fato, Jornal Plural- Carol; Jornal Plural – Branqueamento Estratégico, Comunicação MPPR, ICL, Mundo Negro, Brasil de Fato
Escrito em 20 de outubro de 2022. Atualizado em 21 de outubro e 5 de novembro de 2024