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Cruz e Souza, pioneiro do movimento simbolista

Negro catarinense, abolicionista, filho de escravizados educado em meio à aristocracia, foi grande na arte literária, mas impedido de brilhar plenamente, vítima do racismo.

Cruz e Sousa (Imagem: Reprodução)
Cruz e Sousa (Imagem: Reprodução)

João da Cruz e Souza nasce dez anos antes da Lei do Ventre Livre, na então cidade de Desterro, hoje Florianópolis, capital de Santa Catarina, em 24 de novembro de 1861. 

O mais importante poeta do movimento simbolista, carrega na vida a cruz que traz no nome do pai – Guilherme da Cruz – e imposta pelo senhor de escravizados, o coronel Xavier de Sousa. Sua mãe se chamava Eva da Conceição. 

Graças a seu “benfeitor”, ele recebe educação formal erudita, tornando-se intelectual de destaque. Como bolsista, estuda no Ateneu Provincial Catarinense, estabelecimento educacional de elite. 

Tem como professor de ciências naturais o naturalista alemão Fritz Muller, amigo e colaborador de Charles Darwin. E destaca-se em matemática e línguas estrangeiras, como francês, inglês, latim e grego.

Barrado

Leitor voraz de escritores europeus, como Baudelaire, Antero de Quental e Guerra Junqueiro, apresenta bagagem cultural bastante diferenciada, o que não impede que seja, “naturalmente” vítima de racismo no mercado de trabalho em uma sociedade escravista.

Quando jovem, é proibido de assumir o cargo de promotor público, em razão da cor da pele, em Laguna, Santa Catarina. Pela mesma razão, é impedido de integrar a Academia Brasileira de Letras – ABL, dos escritores imortais, quando de sua criação na cidade do Rio de Janeiro em 20 de julho de 1897.

Ser o “protegido” do senhor, o “afilhado” do homem branco, não o exclui das engrenagens azeitadas do racismo estrutural. Seus pais mesmo,  seguiam escravizados! E ele, ao longo da vida, enfrenta vários problemas financeiros, em razão dos baixos salários que recebe nos postos modestos nos quais trabalha. 

Cruz e Sousa aos 22 anos de idade (Imagem: Reprodução)
Cruz e Souza aos 22 anos de idade (Imagem: Reprodução)

Mas, atento à realidade à sua volta, torna-se atuante abolicionista, autor de poemas e textos em prosa contrários à escravidão. 

É verdade que aos oito anos de idade o menino João recitava poesias em homenagem a seu protetor. Mas ele era uma criança. E o que importa é que a força do seu verso abria caminho na sua voz para sempre, a ponto de torná-lo pioneiro e o maior poeta do Simbolismo no Brasil e, segundo o crítico Roger Bastide, um dos maiores do mundo neste estilo. 

O poeta

A linguagem de Cruz e Souza, herdada do Parnasianismo – movimento literário que surge na França em 1850 e tem como principal bandeira a oposição ao realismo e ao naturalismo – é requintada, porém criativa, na medida em que dá ênfase à musicalidade dos versos por intermédio da exploração dos aspectos sonoros dos vocábulos

O talento de Cruz e Souza para as formas, a sensibilidade para a música e o ritmo das palavras, aliás, lhe permitiram absorver o Simbolismo e são as marcas da sua obra.

Seus poemas expressam os principais aspectos formais e temáticos que caracterizam o Simbolismo, como o sofrimento humano; o tom espiritual e metafísico – que transcende a natureza física das coisas; a constante presença de metáforas, o que faz com que haja muitas sugestões e não explicitações das mensagens transmitidas.

Cruz e Souza aos 22 anos, em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, SC. (Imagem: Reprodução)
Cruz e Souza aos 22 anos, em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, SC. (Imagem: Reprodução)

Amor e dor

Tal qual as obras de outros poetas simbolistas, seus escritos estão repletos de substantivos abstratos (“aromas”, “evaporação”, “brilhos”, “formas”, “essência”, “quimeras”) e de adjetivos (“raras”, “claras”, “crus”, “sidéreas”, “sonâmbulo”, “vagas”, “eternas”). 

Entre os temas mais abordados estão: o amor, a sensualidade, a morte, o mistério, a noite, a religião, além de temas associados ao abolicionismo – com preferência pelo soneto e outras formas menos rígidas de escrita.

No Rio de Janeiro, ele se casa com a jovem negra Gavita Gonçalves. Com ela, tem quatro filhos que morrem prematuramente de tuberculose. Após o ocorrido, sua esposa começa a apresentar problemas mentais e o poeta reflete a mesma dor, solidão e sofrimento em algumas de suas obras.

Consciência racial

Em 1881, em viagem de Porto Alegre até São Luís do Maranhão, como secretário da Companhia Dramática Julieta dos Santos, Cruz e Souza amplia seu olhar acerca das condições em que eram mantidos os negros escravizados.

Pouco tempo depois, engaja-se na campanha abolicionista e, na Bahia, profere um discurso, com um poema seu em homenagem a Castro Alves, transcrito em um jornal local, inserindo-se de vez na vida literária.

Em Santa Catarina, junto com Virgílio Várzea e Santos Losada, lança o jornal semanal Colombo, periódico literário de cunho parnasiano. Participa também do grupo Ideia Nova e, em 1885, publica o livro Tropos e Fantasias, poemas em prosa com textos abolicionistas, em parceria com Virgílio Várzea. 

Ainda, dirige o jornal ilustrado O Moleque, discriminado pelos círculos sociais locais devido ao seu viés crítico, e colabora no jornal republicano e abolicionista Tribuna Popular, considerado o mais ilustre jornal catarinense do período.

Em 1890, se muda para o Rio de Janeiro, onde é colaborador da Folha Popular e das revistas Ilustrada e Novidades. Além disso, trabalha como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil

As publicações de Cruz e Souza para os jornais estavam, muitas vezes, pautadas no tema do racismo e do preconceito racial.

Livre

Seus principais livros são lançados em 1893: poemas em prosa Missal e Broquéis, de poesia, os dois considerados o marco inicial do Simbolismo no Brasil

Segue um trecho do poema “Clamando”, de Broquéis:

As minhas carnes se dilaceram
E vão, das ilusões que flamejaram,
Com o próprio sangue fecundando as terras”.

A maioria de suas obras é publicada postumamente: Últimos sonetos (1905), Evocações (1898) – poemas em prosa, Faróis (1900) – poesia, Outras evocações (1961) – poemas em prosa, O livro derradeiro (1961) – poesia e Dispersos (1961) – poemas em prosa.

Cruz e Souza é patrono da Academia Catarinense de Letras, representando a cadeira número 15.

Seu apelido “Dante Negro” é uma referência ao escritor humanista italiano Dante Alighieri.

Ele morre em 19 de março de 1898, aos 36 anos de idade, de tuberculose.

Fontes: Portugueses, Brasilescola, CulturaFM, Toda Matéria, ebiografia

Escrito em janeiro de 2024. Atualizado em janeiro de 2025

1 comentário em “Cruz e Souza, pioneiro do movimento simbolista”

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