Negro catarinense, abolicionista, filho de escravizados educado em meio à aristocracia, foi grande na arte literária, mas impedido de brilhar plenamente, vítima do racismo.
João da Cruz e Sousa nasce dez anos antes da Lei do Ventre Livre, na então cidade de Desterro, hoje Florianópolis, capital de Santa Catarina, em 21 de novembro de 1861.
O mais importante poeta do movimento simbolista, carrega na vida a cruz que traz no nome do pai – Guilherme da Cruz – e imposta pelo senhor de escravos, o coronel Xavier de Sousa. Sua mãe se chamava Eva da Conceição.
Graças a seu “benfeitor”, ele recebe educação formal erudita, tornando-se intelectual de destaque. Como bolsista, estuda no Ateneu Provincial Catarinense, estabelecimento educacional de elite.
Tem como professor de ciências naturais o naturalista alemão Fritz Muller, amigo e colaborador de Charles Darwin. E destaca-se em matemática e línguas estrangeiras, como francês, inglês, latim e grego.
Leitor voraz de escritores europeus, como Baudelaire, Leopardi, Antero de Quental e Guerra Junqueiro, apresenta bagagem cultural bastante diferenciada, o que não impede que seja, “naturalmente” vítima de racismo no mercado de trabalho em uma sociedade escravista.
Quando jovem, foi proibido de assumir o cargo de promotor público, em razão da cor da pele, em Laguna, Santa Catarina.
Ser o “protegido” do senhor, o “afilhado” do homem branco, não o exclui das engrenagens azeitadas do racismo estrutural. Seus pais mesmo, seguiam escravizados! E ele, ao longo da vida, enfrenta vários problemas financeiros, em razão dos baixos salários que recebe nos postos modestos nos quais trabalha.
Mas, atento à realidade à sua volta, torna-se atuante abolicionista, autor de poemas e textos em prosa contrários à escravidão.
É verdade que aos oito anos de idade o menino João recitava poesias em homenagem a seu protetor. Mas ele era uma criança. E o que importa é que a força do seu verso abria caminho na sua voz para sempre, a ponto de torná-lo pioneiro e o maior poeta do Simbolismo no Brasil e, segundo o crítico Roger Bastide, um dos maiores do mundo neste estilo.
O poeta
A linguagem de Cruz e Sousa, herdada do Parnasianismo – movimento literário que surge na França em 1850 e tem como principal bandeira a oposição ao realismo e ao naturalismo – é requintada, porém criativa, na medida em que dá ênfase à musicalidade dos versos por intermédio da exploração dos aspectos sonoros dos vocábulos.
O talento de Cruz e Souza para as formas e a sensibilidade para a música e o ritmo das palavras, aliás, lhe permitiram absorver o Simbolismo e são as marcas da sua obra, bem como a linguagem subjetiva, o individualismo, o pessimismo, o misticismo e a espiritualidade.
Seus poemas expressam os principais aspectos formais e temáticos que caracterizam o Simbolismo, como o sofrimento humano; o tom espiritual e metafísico – que transcende a natureza física das coisas; a constante presença de metáforas, o que faz com que haja muitas sugestões e não explicitações das mensagens transmitidas.
Tal qual as obras de outros poetas simbolistas, seus escritos estão repletos de de substantivos abstratos (“aromas”, “evaporação”, “brilhos”, “formas”, “essência”, “quimeras”) e de adjetivos (“raras”, “claras”, “crus”, “sidéreas”, “sonâmbulo”, “vagas”, “eternas”).
Entre os temas mais abordados estão: o amor, a sensualidade, a morte, o mistério, a noite, a religião, além de temas associados ao abolicionismo – com preferência pelo soneto e outras formas menos rígidas de escrita.
No Rio de Janeiro, ele se casa com a jovem negra Gavita Gonçalves. Com ela, tem quatro filhos que morrem prematuramente de tuberculose. Após o ocorrido, sua esposa começa a apresentar problemas mentais e o poeta reflete a mesma dor, solidão e sofrimento em algumas de suas obras.
Consciência racial
Em 1881, em viagem de Porto Alegre até São Luís do Maranhão, como secretário da Companhia Dramática Julieta dos Santos, Cruz e Souza amplia seu olhar acerca das condições em que eram mantidos os negros escravizados.
Pouco tempo depois, engaja-se na campanha abolicionista e, na Bahia, profere um discurso, com um poema seu em homenagem a Castro Alves, transcrito em um jornal local, inserindo-se de vez na vida literária.
Em Santa Catarina, junto com Virgílio Várzea e Santos Losada, lança o jornal semanal Colombo, periódico literário de cunho parnasiano. Participa também do grupo Ideia Nova e, em 1885, publica o livro Tropos e Fantasias, poemas em prosa com textos abolicionistas, em parceria com Virgílio Várzea.
Ainda, dirige o jornal ilustrado O Moleque, discriminado pelos círculos sociais locais devido ao seu viés crítico, e colabora no jornal republicano e abolicionista Tribuna Popular, considerado o mais ilustre jornal catarinense do período.
Em 1890, se muda para o Rio de Janeiro, onde é colaborador da Folha Popular e das revistas Ilustrada e Novidades. Além disso, trabalha como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil
As publicações de Cruz e Souza para os jornais estavam, muitas vezes, pautadas no tema do racismo e do preconceito racial.
Livre
Em 1893 lança seus principais livros: poemas em prosa Missal e Broquéis, de poesia, os dois considerados o marco inicial do Simbolismo no Brasil.
No soneto Livre, o fundamento da sua produção literária e de sua existência humana:
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
A maioria de suas obras é publicada postumamente: Últimos sonetos (1905), Evocações (1898) – poemas em prosa, Faróis (1900) – poesia, Outras evocações (1961) – poemas em prosa, O livro derradeiro (1961) – poesia e Dispersos (1961) – poemas em prosa.
Cruz e Souza é patrono da Academia Catarinense de Letras, representando a cadeira número 15.
Seu apeliddo, “Dante Negro”, uma referência ao escritor humanista italiano Dante Alighieri.
Ele morre em 19 de março de 1898, aos 36 anos de idade, de tuberculose.
Fontes: Portugueses, Brasilescola, CulturaFM, Toda Matéria
Escrito em janeiro de 2024
Excelente texto sobre a vida do escritor e poeta Cruz e Souza. Parabéns!