Gilberto Gil: analógico, digital, imortal, único
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Gilberto Gil e Bob Marley
Do som dos atabaques e cantos nascidos no continente africano, a nossa mátria – mãe pátria -, atravessando oceanos, ecoando nas Américas e na Europa dos cruéis colonizadores, a música negra é presente em todo o mundo.
Ritmo, melodia, harmonia, timbre, textura e forma viajam na alma, nos corpos e na voz de nossos ancestrais que, hoje, contam nossa história a partir do berço, denunciam o rapto, a tortura, a apropriação de um povo e toda a sua cultura.
Em sociedades que se expressam a partir do racismo – individual, institucional, estrutural, no mercado de trabalho, obstétrico, ambiental, recreativo, científico… – a música negra é palco e palanque, microfone e alto falante.
Nossas conexões são ancestrais, do pai do afrobeat Fela Kuti, pioneiro no gênero musical que impulsiona a música africana para o mercado global a partir dos anos 1970, numa mistura de jazz americano, com pitadas de rock psicodélico, cantos tradicionais e highlife da África Ocidental – mesmo continente que ao Sul habitava a tribo Zulu inspiração para outro pioneiro, Afrika Bambaataa, do Hip-Hop.
Nossas conexões são ancestrais, também, quando o Hip-Hop de Nova Iorque compartilha os ideais de liberdade e antiviolência do Reggae de Bob Marley, a lenda da Jamaica, que se conecta com o nosso Gilberto Gil, de No Woman no Cry, do afrobeat de Refavela, com atabaques e berimbau, escurecendo mais e mais a Música Preta Brasileira, chamada “popular”.
E as conexões seguem, se popularizam. Nos fazemos ouvir e admirar.
“Seu filho quer ser preto, ah, que ironia”
– versam os Racionais MCs, figuras icônicas do rap nacional. A música negra é uma arma. Não mata, mas faz sentir dor, educa, desperta, alegra, fortalece, encoraja, transforma. A música preta conta a nossa história de resistência e re-existência em diáspora e na África.
A carne mais barata do mercado é humana e preta – mas está para causar indisgestão, denuncia Elza Soares, a mulher do milênio, discriminada ao longo da carreira por ousar ser negra e livre.
A carne mais barata do mercado é humana e preta – apontam os filhos de Wilson Simonal. Eles foram impedidos de vivenciar o momento em que seu pai era considerado o maior cantor do país – em 2012, ele foi eleito o quarto melhor cantor brasileiro de todos os tempos pela revista Rolling Stone Brasil.
Wilson Simoninha e Mx de Castro não vivenciaram o pai conquistar o pioneirismo de ser o primeiro negro a apresentar sozinho um programa de televisão no Brasil, nos anos 1960, nem fazer um Maracanãzinho inteiro – cerca de 30 mil pessoas – cantar ao seu comando. Eles não ouviram o pai dedicar a eles a música Tributo a Martin Luther King, de sua autoria com Ronaldo Bôscoli, na esperança que os filhos não tivessem que conviver diariamente com o racismo.
É a história que se repete, como avisa o rapper empresário Emicida, reproduzindo um conhecimento dos que vieram antes:
“Eles (os brancos que se acham superiores, a branquitude) vão fazer de tudo para que você reaja. Se você responder a um palavrão com outro palavrão, eles só vão ouvir o seu. Ouse responder a um soco com outro, eles vão dizer ‘ó lá, o neguinho perdeu a cabeça’.”
A diferença é que ecoar a voz de Emicida é trazer para o hoje a certeza de que estamos em tudo que é Brasil, em tudo que é mundo. E, pouco a pouco, estamos resgatando, assumindo o protagonismo de nossa história, na primeira pessoa, na nossa pessoa.
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