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Esmeraldo Tarquínio, prefeito eleito de Santos

Primeiro e único negro a conquistar a Prefeitura da maior cidade do litoral paulista, que abriga o maior porto da América Latina, não pode administrá-la. No seu caminho, a ditadura militar imposta ao país nos anos 1960. 

O que este artigo responde: Quem foi Esmeraldo Tarquínio? Qual é o pioneirismo de Esmeraldo Tarquínio? Por que Esmeraldo Tarquínio foi eleito e não assumiu o poder? Qual é a importância de Esmeraldo Tarquínio para a cidade de Santos? Quais cargos políticos Esmeraldo Tarquínio ocupou? Como foi a carreira política de Esmeraldo Tarquínio? Por que Esmeraldo Tarquínio foi cassado? O que Esmeraldo Tarquínio fez durante os 10 anos em que teve seus direitos políticos cassados?

Cinthya Gomes e Tania Regina Pinto

Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Acervo FUG)
Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Acervo FUG)

Esmeraldo Tarquínio constroi sua história política e profissional na cidade de Santos, a maior do litoral paulista: vereador, deputado estadual, prefeito, jornalista, despachante aduaneiro, contador, advogado, cantor… Mas, antes disso, aprendiz de marceneiro, contínuo, engraxate, vendedor de livros…

Integrante do antigo MDB – Movimento Democrático Brasileiro (atual PMDB) -, na época único partido de oposição no Brasil, Esmeraldo Tarquínio é eleito prefeito de Santos em 1968, com 45.210 votos – 39,8% dos votos válidos -, chega a ser diplomado, mas tem seus direitos políticos suspensos, por 10 anos, pelo regime militar

Em outras palavras: Esmeraldo Tarquínio teve seu mandato roubado, mas não seu pioneirismo. Ele é o primeiro e único prefeito negro eleito de Santos, uma das cidades mais antigas das Américas – são quase 500 anos desde sua fundação em 1546 – e que ocupa a 5.ª colocação entre as não capitais mais importantes para a economia brasileira.

Em 17 de julho de 2017 – passados 49 anos de sua eleição e 35 anos de sua morte -, Esmeraldo Tarquínio é oficialmente declarado Prefeito Municipal de Santos, em cerimônia realizada no salão nobre da Câmara Municipal que leva o seu nome. Desde então, de acordo com a Lei 3.373, sempre que citado, é tratado como ex-prefeito.

O golpe

1968. Esmeraldo Tarquínio representa tudo o que a ditadura, instaurada há 4 anos, rejeita. Ao eleger-se prefeito, apoia o governo do então presidente presidente Jango Goulart e as suas reformas de bases, que incluíam os setores educacional, fiscal, político, urbano e agrário. 

Tarquínio atua como despachante aduaneiro e mantém uma forte  ligação com os trabalhadores portuários. Mas não só. Se posiciona a favor das manifestações estudantis que tomam conta do país contra a intervenção militar e denuncia os abusos do regime autoritário.

E possui uma extensa ficha no Dops – Departamento de Ordem e Política Social, órgão do governo brasileiro que atua, entre as décadas de 1920 e 1980, como centro de repressão e tortura a ativistas políticos. Por isso, o governo que toma o poder no golpe de 31 de março de 1964 decide que ele não pode assumir o poder.

Detalhes, no intertítulo “A Eleição de 1968”

“Filho de peixe”

Esmeraldo Tarquínio tem o nome e uma das profissões do pai, o soteropolitano Esmeraldo Tarquínio Soares de Campos que, aos 14 anos, fixa-se em São Vicente, a primeira cidade do Brasil, fundada em 1532, por Martim Afonso de Souza, durante as primeiras expedições de colonização portuguesa.

Esmeraldo, o pai, primeiro trabalha como gráfico no jornal O Progresso. Ali, aprende a escrever. Depois se transfere para Santos e trabalha no Jornal da Noite, Diário da Manhã e Praça de Santos, como jornalista esportivo. Suas matérias, ele assina como Tarquínio de Campos. 

Não demora, se junta aos políticos na Revolução de 1930 –  movimento que depôs o presidente da República Washington Luís e coloca Getúlio Vargas em seu lugar. Tudo por insatisfação com a não alternância de poder, somada à crise econômica, agravada pela queda do preço do café.

Mas, voltando a Esmeraldo, o pai… Por conta de seu ativismo na Revolução de 1930, em uma noite, o prédio da redação onde trabalha é cercado por policiais para prendê-lo. Ele foge pela claraboia, mas não desiste da luta.  

Em 1932, incorpora-se a uma nova revolução, desta vez por São Paulo, que quer  derrubar o governo de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

Morre dois anos depois, em 1934, com tuberculose, na cidade de Campos do Jordão, no interior paulista. Esmeraldo, o filho caçula, está com 7 anos de idade  – ele é de 12 de abril de 1927 – e Iracy Moura Campos, a viúva, decide ir para São Paulo, determinada a reconstruir sua vida, com suas duas crianças.

De tostão em tostão

Na capital paulista, aos 9 anos, o menino Esmeraldo já é aprendiz de marceneiro. Depois, aprendiz de gráfico, entregador de latas de filmes nos cinemas, até que a mãe decide voltar para Santos.  

Com 10 anos, ele consegue um emprego no escritório do advogado Cléobulo Amazonas Duarte – recebe 50 mil réis como contínuo.  Na mesma época, faz “bico” em serviços gerais no Fórum da cidade.  

Um dia, ganha uma garrafa de vinho num parque de diversões e 12 mil réis para sortear jurados. Chama um amigo para almoçar e beber junto. Acaba faltando ao trabalho, porque cai no sono, e, no dia seguinte, é demitido.

Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Reprodução)
Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Reprodução)

Desesperado – não quer contar para a mãe que está desempregado -, o adolescente sai batendo de porta em porta à procura de trabalho e é contratado em uma livraria, como vendedor – um dos principais empregos de sua vida. Ele conta que os livros ampliaram seus horizontes e, ainda, o ajudaram a aprender inglês.

Mas o seu propósito, naquela época, era melhorar o salário… E ele chega a 250 mil réis no escritório do Despachante Aduaneiro  Olímpio de Santos Lima, aos 17 anos – a moeda muda para o cruzeiro e seu salário passa a ser de 450 cruzeiros

Em 1º de julho de 1946, com 19 anos,  assume o cargo de chefe de exportação na firma Ennor & Cia. e passa a ganhar 800 cruzeiros. Um ano depois, recebe aumento: 1.200 cruzeiros por mês. Em fins de 1947, seu salário é 1.600 cruzeiros. 

Tarquínio é diretor do Centro de Estudantes de Santos e canta nos bailes que a entidade organiza, na orquestra Nardi e os seus rapazes. 

Aos 21 anos, é contador em um escritório de contabilidade, mas não se contenta com o curso técnico. Estuda inglês no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos – do qual é um dos fundadores –  e entra na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais em Niteroi, no Rio de Janeiro. Após formar-se, dedica-se exclusivamente à advocacia.

Na política 

Sua carreira política começa aos 18 anos. Ingressa no PSS – Partido Social Sindicalista, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do governo Getúlio Vargas. Em 1959, se candidata a vereador pelo  PSB –  Partido Socialista Brasileiro e é eleito com 689 votos

No mesmo ano, o político José Gomes ganha as eleições para prefeito e o coloca como líder na Câmara. Grande orador, com discursos acalorados e ações contundentes, conquista uma cadeira como deputado estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo em 1962, pelo MTR – Movimento Trabalhista Renovador, eleito com 7.192 votos.

Como deputado, Esmeraldo Tarquínio defende a criação de novos setores de trabalho, para garantir emprego para as pessoas mais pobres; salários e moradia dignos para todos – na época, não existia salário mínimo…

Ditadura 

Em março de 1964, acontece o golpe militar. Mais preocupado com os que eram considerados “inimigos da nação”, com os comunistas, os militares não impedem eleições livres na cidade de Santos. 

Esmeraldo Tarquínio, crítico do novo regime, ao mesmo tempo que é poupado das primeiras cassações, é vigiado de perto pela polícia política, de repressão, o Dops. 

Em 1965, ele lança sua primeira candidatura à Prefeitura de Santos em disputa contra Fernandes Lopes,   tem  seu registro cassado, mas recupera sua condição de candidato após batalha jurídica

E “tudo fica bem” – aos olhos do poder –  porque Tarquínio perde nas urnas. Em contrapartida, sai fortalecido e ainda mais popular. Tanto que, em 1966, se reelege deputado estadual com quatro vezes mais votos – exatos 32.520. É o quarto parlamentar mais votado no Estado de São Paulo.

A eleição de 1968

O meio político santista não descarta a  possibilidade de sofrer uma intervenção durante o processo eleitoral. Mesmo assim, prepara a campanha para a substituição de Fernandes Lopes na Prefeitura. Tarquínio é o favorito

É uma eleição diferente, com duas novidades: a obrigatoriedade de chapa única de prefeito e vice-prefeito – antes, se votava separado para prefeito e  vice-prefeito – e o bipartidarismo, implantado a partir do final de 1965, com a permissão de apenas dois partidos: a Arena – Aliança Renovadora Nacional, dos conservadores, apoiadores do regime militar e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, reunindo todos os partidos de oposição.

Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Fundação Palmares)
Esmeraldo Tarquínio (Imagem: Fundação Palmares)

Tarquínio se filia ao MDB e convida o vereador Oswaldo Justo para ser seu vice. Ele vence a disputa – é deputado estadual e será prefeito. Mas a  vitória do homem negro, de origem humilde, audacioso, é uma afronta ao regime. 

Documentos secretos, revelados décadas depois, contam quem era Esmeraldo Tarquínio para os militares. A ata do Conselho de Segurança Nacional, de 13 de março de 1969, na qual consta a sua cassação e de outras 95 pessoas, rotula a sua campanha para prefeito como “nitidamente esquerdista e subversiva”.

A justificativa para tal “diagnóstico”? O apoio a greves em Santos, sua oposição ao golpe de 1964, suas críticas ao projeto de lei que retirava a autonomia das cidades de Santos e Cubatão… 

“Negro subversivo!”

O documento refere-se também a um discurso, feito por Tarquínio, na Fortaleza de Itaipu, em Praia Grande, em 1965, em um almoço no Grêmio dos Reservistas daquela unidade militar:

“(…) Atacou o Exército e a Revolução, tachando o primeiro de antidemocrático, por ter ‘se agasalhado atrás de saias’, por ser racista, encampar interesses estrangeiros e defender o alto custo de vida”. 

Não estava no papel, mas um tenente-coronel, na ocasião, retrucou: “Negro subversivo!” Quanto às “saias”, eram uma referência à participação feminina no movimento Marchas da Família, com Deus e pela Liberdade, que visava depor o então presidente Jango Goulart e frear o andamento de reformas, como a trabalhista e a agrária, identificadas como “ameaça comunista”.

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“Acredita que encontrará alguma reação como prefeito de Santos, por ser um homem de cor?” – pergunta em repórter 

“Acredito, não. Tenho certeza de que ela já está existindo. Embora numa faixa minoritária da sociedade, numericamente pouco expressiva, mas econômica e socialmente poderosa. Como, porém, este país vive proclamando ao mundo sua alegada condição de democracia racial única, espero poder ajudar o Brasil a confirmar a alegação”

(Esmeraldo Tarquínio,  em resposta, logo após ser eleito) 

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O “comportamento subversivo” do prefeito eleito de Santos, de acordo com avaliação do CSN – Conselho de Segurança Nacional, é o que gera a cassação de seu mandato de deputado, em 13 de março de 1969, e a suspensão de seus direitos políticos por dez anos. Nesta condição, ele está impedido de assumir a Prefeitura de Santos.

Oswaldo Justo, seu vice-prefeito, mesmo tendo condições jurídicas de assumir o cargo, renuncia. Os jornais da cidade comentam sobre a possibilidade de a intervenção ser temporária e apostam na convocação de novas eleições em 15 de novembro de 1970. 

Mas, meses antes, o general-presidente Costa e Silva nomeia um homem de sua confiança para o cargo vago, o general Clóvis Bandeira Brasil e a cidade é governada por interventores federais até 9 de julho de 1984

Cidadão não elegível

Cassado e sem clientes no escritório de advocacia – muitos ficaram com medo de contratar seus serviços -, o político pensa em deixar o país. A família resiste e ele se reinventa. 

Torna-se  um dos líderes da campanha pela autonomia política da cidade, atua como comentarista  no programa Titulares da Notícia, na TV Bandeirantes, e em programas de rádio; canta blues em casas noturnas;  forma-se em Jornalismo em 1974 pela atual Universidade Católica de Santos, onde leciona, e, ainda, preside o Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube, entre 1978 e 1981.

Com seus direitos políticos recuperados, em 1979, é o primeiro a assinar o abaixo-assinado pela devolução de autonomia da cidade de Santos, que desde sua cassação não elegia seus mandatários.

Em 1982, tem início a lenta reabertura democrática – é permitida a formação de partidos e pensadas as primeiras eleições para governador. Santos, no entanto, permanece sem autonomia política. Por isso, Tarquínio concorre a uma vaga como deputado estadual, numa eleição considerada certa

Às vésperas do pleito, um aneurisma cerebral muda seus planos e, após 20 dias de internação, nosso pioneiro morre, aos 55 anos de idade,  em 10 de novembro de 1982.

O único negro eleito prefeito de Santos não vive para assistir a volta da autonomia da cidade, que acontece em 2 de agosto de 1983. Mas é o símbolo desta luta.

Um novo prefeito é eleito em 3 de junho de 1984: Oswaldo Justo, do PMDB – o vice de Tarquínio, que renunciou, quando da sua cassação em 1969. A seu lado, para administrar a cidade de Santos, o vice Esmeraldo Tarquínio Neto, filho do prefeito impedido

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Além de Esmeraldo Neto, Esmeraldo Tarquínio Soares de Campos Filho e  Alda Terezinha, sua esposa, tiveram a filha Débora.

Leia também a história de  Tintino, vereador quilombola de Santos, eleito em 1895!

Fontes: Fundação Palmares, Museu da Pessoa, A TribunaJuicy SantosGov,Acervo Fug, Wikipédia, Novo Milênio, Novo Milênio 2, Instituto Histórico e Geográfico de Santos, Memória Santista

Escrito em 11 de fevereiro de 2025

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