“Simbora” – seu grito de guerra – já colocou a postos integrantes de escolas de samba do Rio e de São Paulo.
O que este artigo responde: Quem é Grazzi Brasil? Quem é a primeira mulher intérprete de samba-enredo da escola de samba Vai-Vai? Quais são as influências musicais de Grazzi Brasil? Como Grazzi Brasil contribuiu para o Carnaval carioca? Qual é a importância de Grazzi Brasil para o samba e o Carnaval brasileiro?
Graziele Raquel da Silva Santos, conhecida como Grazzi Brasil, nasceu em 12 de agosto de 1987, é cantora, sambista e intérprete de samba-enredo.
Atualmente, sua voz ecoa nos desfiles das escolas de samba cariocas, mas foi em São Paulo que ela conquistou o título de primeira mulher negra intérprete de samba enredo de uma das mais tradicionais escolas de samba da maior cidade do país, onde nasceu.
Esta história de pioneirismo começa no bairro da Saracura, o Bexiga, a Bela Vista, na região central da capital paulista, no Grêmio Recreativo Escola de Samba Vai-Vai no ano de 2018.
Música na veia
Cantora desde os 13 anos, inspirada em Elis Regina e Clara Nunes, Grazzi Brasil participou de programas de calouros na televisão, nas redes SBT e Record.
Nos palcos, integrou o elenco do musical “Cartola – O Mundo é Um Moinho” e foi backing vocal do grupo Pixote, da cantora Quelynah e da banda Sambasonics.
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Versátil, Grazzi interpreta obras de compositores consagrados da música popular brasileira e de jovens compositores.
No meio carnavalesco, ela ganha os holofotes em 2016, quando defende o samba enredo vencedor da Vai-Vai para o carnaval de 2017 nas eliminatórias da escola, “No Xirê do Anhembi, a Oxum mais bonita surgiu… Menininha, mãe da Bahia, Ialorixá do Brasil”, sobre Mãe Menininha do Gantois.
Após a disputa vitoriosa, o convite para gravar uma participação na faixa da Vai-Vai no CD oficial das escolas do Grupo Especial de São Paulo, dividindo o microfone com Wander Pires, e para integrar o carro de som no desfile da escola. Assim, ela foi eleita pela crítica especializada a revelação do carnaval paulistano.
Nos sambódromos
A partir daí, o sucesso de Grazzi Brasil ultrapassou a divisa São Paulo-Rio e a cantora foi chamada para defender diversos sambas nas disputas do carnaval carioca, encantando a escola de samba Paraíso do Tuiuti, do Grupo Especial, que a contratou para integrar o carro de som ao lado de Celsinho Mody e Nino do Milênio e defender o samba “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?”, para o carnaval de 2018.
Ela defendeu a obra em formato acústico durante o esquenta do consagrador desfile vice-campeão da Tuiuti, arrebatando o público.
E, além do vice-campeonato carioca, Grazzi foi promovida a intérprete oficial da Vai-Vai, tornando-se a primeira mulher e negra, na história da escola, fundada em 1930, cantando o samba-enredo “Vai-Vai, o quilombo do futuro”.
Cheia de garra, voltou aos programas de calouros. Só que desta vez escolheu a edição de 2017 do The Voice Brasil, da Rede Globo, com os quatro técnicos virando a cadeira para ela.
Após o carnaval de 2019, anunciou sua saída das Paraíso e da Vai-Vai e foi contratada pela São Clemente para o carnaval de 2020, que não aconteceu devido à pandemia da covid-19.
Mulher no samba
Grazzi está na pegada do derrubar barreiras. Mulher de São Paulo ganhando espaço no Rio de Janeiro, onde pioneiras como Elza Soares, Leci Brandão e Dona Ivone Lara já combateram o bom combate para criar um espaço feminino para além da ala das baianas e das rainhas de bateria.
“Muita gente ainda torce o nariz pelo fato de eu ser mulher e cantar samba-enredo. Existem outras mulheres cantando no coro, mas eu sou a única intérprete oficial. Isso chateia. Tem gente que ainda não entendeu que música não tem gênero.”
Apesar de a maior parte dos componentes das escolas de samba hoje serem mulheres, Grazzi acredita que ainda estamos longe de ter um carro de som totalmente formado por mulheres. O samba ainda é cantado da forma mais confortável para o homem.
Em São Paulo, já tivemos Eliana de Lima, da Leandro de Itaquera; Bernadete, cantando no Peruche, quinze anos depois. E, depois, ela, na Vai-Vai.
“Às vezes dá um desespero quando eu vejo que não tem mais ninguém. Onde estão as outras mulheres? Tem muita gente merecendo uma chance. Eu indico, já tentei ajudar, mas é muito difícil.”
Em entrevista à revista Marie Claire, Grazzi lembra que, na adolescência, nunca tinha pensado em carnaval como ambiente profissional de trabalho e percebe, quando olha para trás, que chegar a uma das posições mais concorridas do carnaval da capital paulista e do Rio de Janeiro não foi fácil.
“As críticas não chegam diretamente a mim, mas o machismo existe. E já ouvi que não vou conseguir cantar, que minha voz não tem potência…”
Compositora
2021 marcaria a estreia da também compositora no samba-enredo da escola de samba Salgueiro, em parceria com Marcelo Lepiane, Leandro Thomaz, Rafael Gonçalves, Washington Rocco, Araken Alegria, Lanza Ouro Benê e Márcia Malandro Maneiro.O enredo aborda os lugares de resistência do povo preto no Rio de Janeiro e a música de Grazzi e seus parceiros foi escolhida entre 24 sambas inscritos para a competição.
Abaixo, a letra do samba:
“Salgueiro… é resistência na raiz
Essência da raça
Não nega a cicatriz
Marcas de tantas chibatas
Hoje mordaças…
Mascaradas de igualdade social
Adeus, baobá! Levo o meu orixá
e a sua justiça
Pra sempre lembrar
que enquanto eu lutar
teu fogo me atiça
Foi no axé de mãe baiana,saruê, que a herança yorubana vi nascer
Todo dia ela está; na entrada do terreiro
Batucada à luz do candeeiro.Baixa a guarda, camará (ô camará)
Minha fé não vou negar (nem me curvar)
Desse jogo que é meu, ninguém me tira
Das ruas, sou eu, o rei da giraEntre acordes de um violão
Ressoam tambores da pedra do sal (meu quintal)
Não sou mais um personagem
Guarde a sua maquiagem
Chegou o artista principal!
Eu sei a lei não me fez livre das mazelas
Cada quilombo, cada favela
Trago a força de zumbi
Salgueiro.. teu charme é ser diferente
Machado que quebra corrente
A ginga que mora em mim
Se nenhum canto de raça foi em vão
Fazer escola é fazer revolução!Tire a mão da minha história que eu vou passar
Meu herói tem pele preta
Não vão nos calar
Kabecilê Xangô
Não se faz Academia
Sem a voz de quem lutou.”
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Escrito em janeiro de 2021
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