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Henrique Dias, o primeiro afro-brasileiro letrado

Negro forro, capitão-do-mato, guerrilheiro, se destacou com o seu batalhão de negros descalços no século XVII, é considerado um dos fundadores das Forças Armadas.

Henrique Dias em quadro de Roberto Ploeg, 2012
Henrique Dias em quadro de Roberto Ploeg, 2012

Osvaldo de Camargo em seu livro, “O Negro Escrito”, relata que Henrique Dias é o primeiro negro que escreveu um texto no Brasil e, por conseguinte, “o primeiro afro-brasileiro letrado”.

Henrique Dias é uma figura controvertida. Mas isso não lhe tira o pioneirismo que, talvez, se estenda ao fato de ele ser o único negro a aparecer em uma das edições do primeiro Manual de História do Brasil, escrito por Abreu Lima, em 1843, ao lado dos dois imperadores do Brasil, do patriarca da Independência e do índio Felipe Camarão.

Henrique Dias: negro forro, capitão-do-mato, “governador dos crioulos, negros e mulatos”, mestre de campo, guerrilheiro que se destacou com o seu batalhão de negros descalços no século XVII, considerado um dos fundadores das Forças Armadas, herói da guerra contra os holandeses nas Batalhas dos Guararapes.  

Sua data e local de nascimento são desconhecidas. Imagine-se que sua terra natal seja a capital de Pernambuco, Recife. Em sua vitoriosa história de batalhas, oito ferimentos em combate ao longo de 24 anos.

Pela sua vida de bravura, dedicação, coragem e liderança, Henrique Dias foi escolhido, no ano de 1992, patrono do então 28º Batalhão de Infantaria Blindada (28º BIB), atualmente, 28º Batalhão de Infantaria Leve (28º BIL) localizado em Campinas, no interior de São Paulo.

A  Lei nº 12.701, de 6 de agosto de 2012, reconhecendo a importância de Henrique Dias na história do país, determinou que seu nome fosse inscrito no Livro de Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Pátria,  em Brasília.

O Texto nº 1

O texto que dá a Henrique Dias o status de pioneiro é a carta que escreveu a Dom João IV, rei de Portugal, datada de 1650. Esta carta representa um marco na história que seria escrita pelos negros no Brasil, o ponto de partida. Nela, Henrique Dias se queixa de ser tratado com pouco respeito por certo general que servia em Pernambuco. Afinal, ele também comandava um regimento e recebia soldo compatível com o posto de comandante.

Assim começa a missiva:  

“Senhor, prostrado aos pés reais de Vossa Majestade, com toda a devida submissão, manifesto em como há 20 anos que sirvo a Vossa Majestade com bom zelo, que é notório, derramando meu sangue por muitas vezes, e ficando sem uma das mãos que me não faz falta para deixar de continuar na guerra, como atualmente estou fazendo…”

Benesses reais

Por seu trabalho para a coroa portuguesa, Henrique Dias recebeu: a promessa do foro de fidalgo, a mercê de Cavalheiro, a comenda do Moinho de Soure, da Ordem de Cristo, o título de Governador dos Crioulos, Negros e Mulatos, pensão, manutenção de seu batalhão e a transferência de suas comendas das Ordens Militares para os genros, desde que fossem homens de “qualidades e serviços” – ele teve duas filhas e seus genros ficaram com algumas de suas comendas.

O batalhão de Henrique Dias, conhecido como “Terço da Gente Preta” ou simplesmente “Terço de Henrique Dias”, era um grupo militar com 500 negros escravos de origem africana que arrasou quilombos baianos e permaneceu em atividade como parte das tropas regulares de Pernambuco até meados do século XVIII.

Presença na História

A memória de Henrique Dias eternizara-se: seu nome fora adotado pelos batalhões de Pretos que surgiram em várias capitanias após sua morte.

Um século depois, ainda, estavam ativos dois corpos militares de homens de cor em Pernambuco. O de pardos possuía 31 companhias e contava com 1.401 pessoas e o de Henrique Dias, exclusivamente formado por pretos, que contava com 17 companhias formadas por 1.549 homens.

Vale saber que a guerra entre Portugal e Holanda era pelo controle dos pontos de produção e consumo de escravos no Atlântico. Na primeira Batalha dos Guararapes, Holanda saiu vitoriosa. Na segunda batalha, Dias demonstrou excepcional bravura e o batalhão negro perseguiu os holandeses até os portões da cidade, surpreendendo, inclusive, os portugueses que já não acreditavam na vitória.

Tal feito levou Henrique Dias a Portugal, onde foi recebido pelo rei Dom João 4o. Na ocasião, ele pediu que seu regimento de negros fosse perpetuado e o pagamento de pensão aos ex-combatentes. O rei concordou e mandou construir a cidade de Estância, perto de Recife, para os soldados. Dias ganhou o título de governador dos crioulos, pretos e mulatos do Brasil.

Informação histórica: naquele tempo, eram chamados de “crioulos” os negros nascidos em território nacional; de “pretos”, os negros nascidos no continente africano, e de “mulatos” ou “pardos”, os miscigenados nascidos no Brasil. Quer dizer, desde sempre a utilização da estratégia de controle via discriminação.

Resumindo a história: Dias morreu na pobreza, no Recife, em 1662, e seus comandados continuaram escravos até o final do século XIX.

Fontes: Acorda Cultura, SNH2007, Revista de História – retrato, Carta Maior, Revista de História – artigo, Educação – UOL, Wikipedia

Escrito em 16 de maio de 2021

11 comentários em “Henrique Dias, o primeiro afro-brasileiro letrado”

  1. Os Capitães-do-mato eram em sua imensa maioria pretos e mulatos forros (livres), caçadores de escravos fugitivos, que capturavam a troco de recompensa, realizavam o serviço por encomenda de latifundiários ou em busca própria por qualquer escravo que encontrassem em rota de fuga. Foi no Sec. XVII que a Profissão se desenvolveu.

    A seguir um trecho escrito em 1824 por Johann Moritz Rugendas encontrado no livro
    ( Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo, Martins-EDUSP, 1972. pp. 159-160.)
    "Poder-se-ia pensar que num país como o Brasil deve ser quase impossível pegar um negro fugido; é raro, no entanto, que este não seja rapidamente preso. Deve-se esta facilidade à instituição dos capitães-do-mato. São negros livres que gozam de um ordenado fixo e são encarregados de percorrer os distritos de vez em quando, com o fito de prender os negros evadidos e conduzi-los a seus senhores ou, não os conhecendo, à prisão mais próxima. A captura é em seguida anunciada por um cartaz afixado à porta da igreja, e o proprietário, desse modo, logo se encontra. Muitas vezes, esses capitães-do-mato empregam, nas suas buscas grandes cães ensinados."

    Henrique Dias, foi um deles, patriarca do exército brasileiro e herói da guerra contra os Holandeses nas batalhas dos Guararapes em 1648 e 1649, onde comandou o "Terço de Henriques" (formado por combatentes negros) pelo que recebeu o título de "Governador dos crioulos, pretos e mulatos do Brasil", ajudou a arrasar vários Quilombos principalmente na Bahia.

    De acordo com Nelson Rosa – Professor do Departamento de História da FEUDUC e Mestre em História, em seu texto "Entre Escravos e Senhores: a ambigüidade social dos capitães do mato" :

    " O cargo de capitão do mato, para um escravo liberto, atendia às demandas simbólicas de distinção social numa sociedade escravista. A “posição” de capitão do mato colocava aquele que vestia a dignidade de tal ofício mais próximo do senhor do que da escravaria, conferia autoridade e prestígio, ostentando um poder que o deixava acima dos escravos e dos pobres livres. É bom lembrar que os capitães do mato eram ou tornavam-se moradores das freguesias em que atuavam. Sendo assim, acabavam vivendo o cotidiano da comunidade, configurando relações sociais com taberneiros, tropeiros etc…Portanto, é a própria forma de configuração de interdependência numa sociedade escravista que cria a circunstância em que senhores acabavam por confiar seu poder armado aos capitães do mato como meio de defesa da ordem escravista, revestindo tal posição de algum prestígio, pois era um meio eficaz de se contrapor às ameaças ao patrimônio representadas pelas fugas de escravos e pela formação de quilombos "

    Em referências variadas pela propria web se encontra em relatos a presença de capitães-do-mato ou grupamentos formados de capitães-do-mato em investidas contra Quilombos, os piores inimigos dos capitães-do-mato eram os Capoeiras (quilombolas e escravos que praticavam a luta de origem Africana) que teriam tal nome por ficarem nas regiões de mata chamada capoeira de onde saiam para enfrentar os capitães-do-mato.

    NA ATUALIDADE o termo CAPITÃO-DO-MATO é utilizado por integrantes do movimento negro para designar aqueles afro-descendentes (pretos e pardos) que realizam serviço contrário aos interesses da causa negra, seja através de sua colaboração inconsciente com a ideologia racista e de negação do racismo através de seu posicionamento individualista e discurso meritocrático (principalmente ao atingir posição privilegiada ) e defesa dos falsos conceitos do "Mito da democracia racial brasileira" , seja através de ações discriminatórias levadas a cabo contra seu proprios irmãos de origem, seja através da própria negação da sua identidade enquanto negro (que é sinônimo de afro-descendente).

    Compilado por Juarez C. da Silva Jr. – 2005.

    1. Apenas pontuando.
      À época de Henrique Dias, não era ilegal manter escravos, porém, o escravo fugido violava a lei e o “direito” do seu senhor.
      Portanto, trata-se de anacronismo julgar seu trabalho no ataque a quilombos e na captura de escravos.
      Hoje, nossa forma de ver o relacionamento interracial é muito mais evoluído e, torna-se injusto cobrar tal postura em pleno século XVII.
      Isto posto, Henrique Dias é um ícone na luta por direitos iguais, sendo ele o primeiro a relatar as desigualdades de tratamento ao próprio rei.
      Dever-se-ia ter um altar para Henrique Dias na casa de qualquer defensor dos direitos dos afrodescendentes.

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