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Ibejis, ele é dois!

- Tania Regina

Alegre, ligado ao princípio da vida, à circulação de energia e à criatividade é o único orixá que se apresenta em dupla, sempre criança.

Ibeji, Ibejis, Orixá Ibejis representa todas as formas de nascimento – o que se inicia, brota, a nascente de um rio, o germinar das plantas, a vontade de viver, a alegria repentina, os corações cheios de felicidade e tudo o que decorre dos sentimentos puros.

É o orixá que vê a vida a partir de um olhar infantil, protege as crianças e a inocência. Para o povo africano, Ibejis é sinônimo de filhos, de continuidade, fonte de alegria por garantir a perpetuidade da família.

Divindade gêmea, orixá dois em um, é associada ao princípio da dualidade, das polaridades, a tensão, a ponte e a integração entre os opostos, como duas partes de uma mesma moeda.

Algo bastante peculiar sobre esse orixá é a sua capacidade de desfazer obras de outros orixás, ao mesmo tempo que nenhum orixá consegue desfazer os seus trabalhos.

A criação divina

A mitologia é rica nas versões do nascimento dos orixás e com a origem do Orixá Ibejis não é diferente – ora os gêmeos são filhos de Xangô, orixá da justiça; ora de Oxossi, deus da caça; ora de Oiá (Iansã), deusa dos ventos e das tempestades; ora de Oxum, deusa das águas doces.

Como filhos de Xangô e Iansã, os gêmeos foram abandonados à beira de um rio, logo após o nascimento. Oxum, que estava a passear por perto, escutou o choro das crianças e os encontrou. Conta o mito que os recém-nascidos sorriram para ela quando a viram, o que fez o seu coração derreter-se de amor pelos pequenos.

Assim, os dois passaram a ser filhos de Oxum e ganharam os nomes de Taiwo e Kehinde, uma representação do nascimento e da vida.

Oxum
Oxum (Arte: Candido Vinícius sobre foto de Reprodução)

Um dos mitos conta que Oiá teve os ibejis com Oxossi, mas ela não gostava de ficar cuidando dos filhos e ele, sempre, estava caçando. Daí, a causa do abandono.

Outro mito diz que a história não foi bem assim… Que Oxum e Oiá se desentenderam e Oxum, de propósito, deixou uma pele de novilha  à vista, mesmo sabendo que Iansã perdia a cabeça toda vez que a vestia. E, dito e feito, Iansã vestiu a pele a acabou por abandonar os próprios filhos.

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De qualquer modo, os mitos tratam de abandono, de rejeição, de sobrevivência e, ainda, evidenciam a realidade de não existir a ideia – construída pela sociedade – de que toda mulher só é completa quando se torna mãe.

Oxum e a mitologia grega

Há um mito em que Oxum é colocada como “mãe biológica” dos Ibejis. Por sonhar com a maternidade, ela consulta Orunmilá – orixá responsável pelo oráculo, regente do jogo dos búzios – e é orientada a fazer um sacrifício. Ela segue a prescrição e nascem três ibejis. Oxum aceita dois – queria um – e rejeita o terceiro, que passa a perturbar os irmãos, que vão ficando muito tristes.

Oxum volta a consultar Orunmilá que a orienta a pegar uns espelhos e colocar na frente dos filhos para ver o que estava acontecendo. Assim, ela descobre a perturbação e a recomendação para que um dos dois morresse para acabar a perturbação. Quer dizer, no mito, ela rejeita um e perde dois – um que ela não queria e outro que morre de saudade do irmão.

Nesse mito, ela desenterra o que morreu e o amarra ao corpo do irmão vivo, situação que nos convida a pensar o que é união e o que é dependência.

Esse mito lembra os gêmeos da mitologia grega – criada depois da mitologia africana -, Castor e Pólux, um mortal e outro imortal, conhecidos também pelo nome de Dióscoros, relacionados à constelação de Gemini, os “Gêmeos Celestes”.

“Psico-mitologia”

A expressão não existe, mas sugere o diálogo entre a Psicanálise e as Mitologias, que surgem a partir da Mitologia Africana, do berço da humanidade, criadas para responder às questões do nosso inconsciente.

No mito dos trigêmeos de Oxum, por exemplo, o olhar para o risco de enxergar só no outro a possibilidade de ser feliz. 

Quando não se é livre nos relacionamentos, acontece a nossa morte simbólica.

Certa vez – conta outro mito -, faltava água onde viviam os ibejis, mas as crianças foram cavando e encontraram água, fazendo – simbolicamente – a vida brotar novamente, se renovar. É uma história simples, mas que alerta para não perdermos de vista o olhar ingênuo da criança que, às vezes, faz falta para a solução dos problemas.

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O olhar ingênuo da criança, lúdico, de brincadeira, encoraja,  tira a rigidez que estreita a consciência e pode propiciar um olhar novo, lúdico, de brincadeira, que traz a vida de volta…

Os príncipes

Um mito mais ‘suave’, que também se refere à morte de um dos gêmeos, diz que os dois adoravam fazer traquinagens e, um dia, brincando próximos a uma cachoeira, um deles caiu na queda d’água e morreu afogado.

O irmão sobrevivente, em prantos de saudade, implorou a Orunmila que o levasse para perto de seu irmão. Tocado pelo sofrimento do pequeno, o babalaô atendeu o pedido e o desencarnou.

Para confortar a todos que os amavam – conta a tradição – foi deixada na Terra uma imagem em que a figura dos dois príncipes apareciam juntas e jamais poderia ser separada.

A partir de então, as promessas passaram a ser feitas para a imagem em troca de doces e brinquedos.

Ibejis aparecem como parte da realeza também na história sobre a humanidade do orixá e vai ao encontro da “psico-mitologia”.

Em vida, os dois príncipes eram capazes de trazer sorte a todos que os consultassem. Sábios e alegres, tinham um jeito infantil de enxergar as situações, buscar solução para os problemas, até questões de colheita.

Cosme e Damião, Ibejis ou Erês?

Na Umbanda – criada no Brasil, a partir da escravização -, Cosme e Damião; no Candomblé – adaptado da África -, Ibejis; no sincretismo religioso católico, São Cosme e São Damião. Em todos, o aspecto dual das divindades, a alegria, o viver e o 27 de setembro como dia de celebração.

Cosme e Damião Ibejis
São Cosme e São Damião, irmãos gêmos santos mais conhecidos por serem os orixás, isto é, as entidades Ibejis para as religiões de matriz africana (Foto: Kísie Ainoã/Campo Grande News)

A representação imagética varia, mas tanto na Umbanda como no Candomblé, Ibejis são reverenciados, principalmente, como filhos de criação de Oxum, com histórias de vida muito parecidas.

É verdade que o orixá é bastante confundido com Erês, pelas características infantis, mas Ibejis é divindade.

Erês são Guias, Seres Encantados que trabalham no plano espiritual e nunca habitaram a Terra como humanos. Por isso, mantêm a inocência e pureza preservadas. Erês aparecem comumente nos terreiros de Umbanda trazendo alegria, felicidade e muita pureza para as celebrações.

Bejiróó! Oni Beijada!

Esta é a saudação, que quer dizer “Ele é dois!”.

Fontes: Espaço Recomeçar, Memória EBC, Instituto Freedom

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4 comentários em “Ibejis, ele é dois!”

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