Brancos discriminam negros. Homens discriminam mulheres. E a estratégia por uma existência plena segue a mesma: dar ênfase, destacar, colocar luz na nossa potência.
Uma mulher criou a escova para pentear cabelos femininos – Lydia O. Newman; o absorvente íntimo externo – Mary Beatrice, que registrou mais patentes do que qualquer outra mulher americana e negra na história; o condicionador e o pente quente para alisamento de cabelos crespos – Madame C.J. Walker, primeira mulher negra a enriquecer por conta própria nos Estados Unidos.
A escova, de Lydia, tinha cerdas separadas por igual – semelhantes às de plástico usadas hoje -, ranhuras que mantinham a sujeira e o cabelo bem contidos e um compartimento removível para facilitar a limpeza.
O absorvente, de Beatrice, era um cinto sanitário com bolso para guardanapos sanitários à prova de umidade – bem antes dos absorventes descartáveis -, que reduzia muito as chances de a menstruação vazar.
O condicionador e o pente quente, de Madam C. J. Walker, garantiam cabelos crespos macios e emprego, numa época em que cabelos naturais de pessoas negras não eram sinônimo da ‘boa aparência’ exigida nas vagas publicadas nos jornais.
Trabalho doméstico
Outra invenção de mulher para mulher, a tábua de passar roupas, assinada pela costureira Sarah Boone, ex-escravizada, projetada com uma prancha mais estreita, curvada e retrátil, tornando-a perfeita para engomar roupas femininas.
A patente, registrada em abril de 1892, é uma versão aprimorada da tábua de passar roupa original, que era boa para engomar mangas retas e pernas de calça, mas pouco eficaz para passar blusas e vestidos.
Para facilitar o trabalho ‘próprio’ das mulheres, também, Madeline Turner criou uma processador de frutas para fazer suco. Ela batizou sua invenção de Turner Fruit-Press e a patenteou em abril de 1916.
Caminho do meio
Se engana, porém, quem acredita que mulheres inventoras só viam o próprio umbigo ou limitavam o olhar à solução de questões ligadas ao seu dia a dia e à sua beleza. A segurança e o bem-estar da família também estavam no foco.
Marie Van Brittan Brown (1922-1999) inventou o primeiro sistema de segurança doméstico e muitas empresas começaram a adotá-lo por conta de sua efetividade.
A inspiração veio do medo que ela sentia em sua vizinhança na cidade de Nova York e da demora da polícia em responder aos chamados das vítimas. Assim, desenvolveu um sistema que consistia em um conjunto de olhos-mágicos instalados em diferentes alturas da porta de entrada da casa, uma câmera, um monitor e um microfone bidirecional.
Se a pessoa se sentisse ameaçada, era só apertar um botão de alerta para sinalizar um segurança nas proximidades da empresa ou a polícia, se estivesse em sua residência.
A patente, de 1966, foi registrada como ‘sistema doméstico de segurança de circuito interno de televisão’. E, hoje, sistemas muito semelhantes podem ser vistos em residências e prédios.
Mais de um século antes, em 1885, Sarah Goode se tornou a primeira mulher afro-americana a registrar uma patente: móveis compactos.
Sarah nasceu durante o período de escravidão nos EUA e, após a Guerra Civil, se mudou para Chicago. Lá, conheceu o marido e os dois abriram uma loja de móveis. Na época, entretanto, a maioria das famílias negras não comprava muitos móveis porque morava em casas ou apartamentos muito pequenos. Daí, a ideia inovadora de projetar uma cama tipo armário que, dobrada, virava uma mesa funcional, a cama-armário.
A calefação central, muito utilizada em países com inverno rigoroso, fundamental para manter residências aquecidas, também foi patenteada por uma negra, Alice H. Parker, em 1919.
Entre as vantagens do sistema estavam a praticidade de não ter que estocar madeira para fazer uma lareira, a propagação do calor por todo o ambiente através de dutos, a rapidez do aquecimento e maior segurança para a casa, reduzindo riscos de incêndio.
Estrelas
Só que mulheres negras não têm limites também quando o assunto é criatividade. O GPS – Sistema de Posicionamento Global, que facilita a nossa vida nos dias atuais, está diretamente ligado ao trabalho da programadora norte-americana Gladys Mae West, na base naval de Dahlgren, onde atuou por 42 anos.
Uma de suas atribuições era coletar dados de localização espacial dos satélites em órbita e inseri-los em super computadores, usando um programa rudimentar para analisar elevações de superfície – o ponto de partida para o desenvolvimento da tecnologia GPS.
Gladys nasceu em 1930, em uma família de trabalhadores agrícolas. Aluna brilhante, conquistou uma bolsa de estudos na Universidade da Virgínia, onde se formou em matemática. Ela é uma pioneira negra, a segunda a ser contratada para trabalhar na base naval de Dahlgren e esteve à frente do projeto do primeiro satélite a fazer um mapeamento dos oceanos via radar.
Essas mulheres são como Estrelas Além do Tempo, mas nem todas tiveram sua história contada em filme, como a Katherine Johnson, matemática, física e cientista espacial norte-americana que calculou a trajetória que levou o primeiro homem à Lua e era chamada pelos colegas da NASA de ‘computador de saias’.
Katherine deixou contribuições técnicas fundamentais para o avanço da aeronáutica e da exploração espacial e se destacou por ser uma mulher negra trabalhando para a maior agência espacial dos Estados Unidos num tempo em que vigorava a segregação racial inclusive na utilização de banheiros.
Do mesmo naipe, ainda, a cientista aeronáutica Annie Easley, que desenvolveu um software para o Centaur, um dos lançadores de foguete mais importantes da NASA.
Realidade pura
Também da agência espacial americana, a física, Valerie Thomas, que inventou o Transmissor de Ilusão. Ela percebeu que espelhos côncavos criavam a ilusão de objetos tridimensionais e começou a experimentar como poderia transmitir visualmente a ilusão 3D. Sua descoberta foi patenteada em 1980.
O olhar clínico de Valerie garante, até hoje, cirurgias, desenvolvimento de telas de televisão e vídeo, além de avanços da agência espacial americana.
A PhD em física nuclear Shirley Ann Jackson engrossa o time de mulheres negras de mentes brilhantes. Além de ser a primeira negra a conquistar o PhD do MIT – Massachusetts Institute of Technology, é a responsável pelo desenvolvimento de uma pesquisa que deu origem às telecomunicações.
A partir de suas descobertas, invenções como o fax portátil, o telefone de toque e cabos de fibra óptica puderam ser criadas. É uma pioneira das telecomunicações, a primeira negra presidente de um importante instituto tecnológico, a primeira negra indicada como presidente da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA, com uma lista de realizações, prêmios e nomeações que não para de crescer.
Na internet
Sem a invenção de Marian Croak, fazer reuniões ou conversar com amigos durante a pandemia seria muito mais difícil. Ela criou a Voz sobre IP – também chamada de VoIP (Voice over Internet Protocol), telefonia IP, telefonia em banda larga ou voz sobre banda larga. Dourota em Psicologia, ela desenvolveu a tecnologia central que torna possível a comunicação por áudio e vídeo pela Internet.
Não é pouca coisa – só neste texto reunimos 15 – , mas as patentes concedidas a mulheres ainda são minoria nos institutos de propriedade intelectual em todo o mundo, reflexo da desigualdade que, dia a dia, nos propomos a mudar.
Acesse a edição “Inventoras Negras”.
Fontes:
Sites: Feira Preta, BuzzFeed, Observatório3Setor, Geledes-Absorvente, Ilupi, G1, Revista Galileu, Hypeness
Livros: “Cientistas e Inventores Negros”, Ava Henry e Michael, Williams BIS Publications; “Cientistas e Inventores Negros”, Ava Henry e Michael; “Negros e negras inventores, cientistas e pioneiros”, de Carlos Machado; “História Preta das Coisas”, de Bárbara Carine Soares Pinheiros