Bailarino e coreógrafo, primeiro negro e estrangeiro à frente do Teatro Nacional Alemão e do Balé da Cidade de São Paulo.
Celebridade no mundo. Mais um negro no Brasil entre os muitos que morreram vítimas da Covid-19 e da irresponsabilidade do Estado. Pioneiro ovacionado nos palcos e pouco conhecido em seu país.
– São Paulo, 17 de janeiro de 1955 a 8 de abril de 2021 –
Durante 66 anos, Ismael Ivo, nascido paulistano, viveu. A celebração de sua vida, entretanto, aconteceu no mundo, onde conquistou seu primeiro pioneirismo. Apesar de pioneiro no Brasil também, aqui, nada acontece sem que o racismo deixe a sua pegada.
Quando ele morre no Hospital Sírio-Libanês, 400 mil outros brasileiros já haviam partido com o mesmo diagnóstico, covid-19, não resistindo aos efeitos do vírus que tomou o mundo, oficialmente, em março de 2020.
Homem negro, com os músculos definidos pelo trabalho de mais de 30 anos de carreira apenas no exterior, para muitos, era a definição perfeita de um Deus do Ébano.
Sua vida começa na periferia da Zona Leste de São Paulo, Vila Ema, parido do ventre de uma empregada doméstica, mãe solo e sua principal incentivadora.
Desde adolescente, ele se interessa pela dança, sente que é a sua vocação. Consegue bolsas de estudos em escolas de dança moderna e integra o corpo de dançarinos do Teatro de Dança Galpão e o grupo experimental de dança do Teatro Municipal, ambos na capital paulista.
Estreia como coreógrafo, ao lado de Juliana Caneiro, o espetáculo Cartas Portuguesas, em 1978.
Pelo mundo
Em 1983, durante uma apresentação solo na Bahia, conhece o coreógrafo norte-americano Alvin Ailey, que o convida para integrar sua companhia junior, a Ailey Dance Center, em Nova Iorque, lhe abrindo as portas para uma carreira internacional. Entre Estados Unidos e Europa, se passam 33 anos!
Lá, ele dança e coreografa Young Blood, pelo Departamento de Arte Moderna do City College.
No ano seguinte, na capital da Áustria, Viena, Ismael Ivo funda, ao lado do diretor artístico Karl Regensburger, o festival de dança contemporânea “ImPulsTanz”, considerado um dos maiores festivais internacionais de dança da Europa, e viu sua vida transformar-se por meio da dança.
No início dos anos 2000, se torna o diretor do festival de dança da Bienale de Veneza, na Itália.
Na Alemanha, conquista o pioneirismo de ser o primeiro negro e estrangeiro à frente do Teatro Nacional Alemão, na cidade de Weimar, onde atua por 12 anos.
Brasil
Para São Paulo, onde nasce, traz o espetáculo Othello, de William Shakespeare, e se apresenta ao lado do grupo de dança do Teatro Nacional da Alemanha.
Mas, o espetáculo que conta mais de sua vida na cidade e é considerado o seu melhor trabalho, Delírios de uma Infância, ele apresenta em Berlim, no ano de 1989.
Na obra, Ismael Ivo reúne, por meio da dança, as impressões de uma criança negra nascida na periferia do Brasil; condensa memórias afetivas de sua vida pessoal como a ancestralidade negra e o impacto da escravidão na história de um dos países mais racistas do mundo.
Pioneirismo nacional
A reaproximação com o Brasil, em corpo e alma, acontece em 2017 quando assume, a convite da Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, a direção do Balé da Cidade de São Paulo e se torna o primeiro negro à frente de uma das companhias de dança mais importantes do país.
Sua gestão aproxima a cidade de São Paulo de um de seus símbolos – o Theatro Municipal, ícone de beleza e segregação. O bailarino dirige Corpo Cidade, que usa a dança para falar da relação entre a metrópole e as pessoas que nela vivem.
No final de agosto de 2020, acusado de assédio moral – não comprovado -, Ismael Ivo tem seu pioneirismo manchado:
“Minha carreira artística e profissional é imaculada. No mundo todo, por onde passei, sempre respeitei e fui respeitado como ser humano e como artista. Manchar minha imagem tornou-se uma verdadeira obsessão. Tanto que mesmo após eu ter sido inocentado pela comissão especial continuo sendo atacado e impedido de retornar ao cargo que ocupava.”
(registrou em nota na época)
Influencer
“A cultura é um elemento transformador da vida”, afirmava Ismael Ivo. E ele com seu corpo forjado na cultura da dança impactou dezenas de milhares de jovens negros e negras com o sonho de fazer carreira na dança, como Ingrid Silva, a primeira bailarina negra do Brasil a chegar ao Dance Theatre of Harlem, em Nova York, nos Estados Unidos.
Para Cássia Navas, professora do Instituto de Arts da Unicamp, com seu trabalho Ismael Ivo mantém a tradição de trazer criações de nomes internacionais consolidados, mas abre chances para o novo: “Sua arte foi validada em vários lugares do mundo e, ao vir para o Brasil, ele coloca o balé em uma rede muito potente. Torna-se um mediador”.
Ismael Ivo teve uma carreira brilhante na arte, da periferia de São Paulo para o mundo, assimilando referências e apresentando formas distintas de fazer e pensar a dança. Não por acaso foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, uma homenagem a pessoas ou instituições como reconhecimento por suas contribuições à cultura brasileira. E isso em 2010, quando nem havia retornado ao Brasil.
Fontes: Hypeness, Wikipedia, Sesc, G1, Escola de Teatro de São Paulo, São Paulo Companhia de Dança, Elle