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Laudelina de Campos Melo, a sindicalista das mulheres

À frente do primeiro Sindicato das Empregadas Domésticas do Brasil, era conhecida como o “terror das patroas”, o que já conta muito do seu ativismo.

Laudelina de Campos Melo
Laudelina de Campos Melo

O que este artigo responde:
Quando surge o primeiro sindicato das empregadas domésticas?
Com que idade Laudelina de Campos Melo começou a trabalhar?
Laudelina de Campos Melo era do movimento negro?
Em que época Laudelina de Campos Melo viveu?
Laudelina de Campos participou da Segunda Guerra Mundial?

Pioneira na luta pela valorização do emprego doméstico, Laudelina de Campos Melo é  uma das ativistas mais importantes da sua época – vive todo o século XX praticamente, de 12 de outubro de 1904 a 12 de maio de 1991!  

Feminista, é personagem central na luta por condições dignas de trabalho para as empregadas domésticas, categoria profissional formada por uma maioria de mulheres pretas.  

Laudelina representa um divisor de águas na vida de toda uma geração, embora não tenha vivido para ver aprovada a Lei Complementar nº 150, de junho de 2015, que regulamenta os Direitos dos Empregados Domésticos e os iguala aos demais trabalhadores e trabalhadoras.

Treze de Maio

Laudelina nasce livre na Primeira República – oficialmente, não havia mais escravidão e o Brasil não era mais colônia de Portugal, “conquistas” dos anos de 1888 e 1889. 

Na prática, entretanto, nosso país mantinha o pensamento colonial e explorava o trabalho da população negra, como registra a sindicalista na tese “Etnicidade, gênero e educação : a trajetória de vida de D. Laudelina de Campos Mello (1904-1991)”, de autoria professora doutora em Psicologia Social, da Universidade Federal da Bahia, Elisabete Aparecida Pinto:

“A situação da empregada doméstica era muito ruim, a maioria daquelas antigas trabalharam 23 anos e morriam na rua pedindo esmolas. Lá em Santos, a gente andou cuidando, tratou delas até a morte. Era resíduo da escravidão, porque era tudo descendente de escravos.”.

Livre

Com 16 anos, vivendo em sua cidade natal – Poços de Caldas, em Minas Gerais -,  Laudelina – Nina, quando criança, e dona Nina, adulta – já participa do movimento negro e cria seu próprio grupo, o Treze de Maio, um ‘clubinho’, em resposta à  segregação racial imposta pelos brancos, que impediam a entrada de negros em espaços fechados de lazer.

Mais de 30 anos depois também, em 1954, morando no interior paulista, na cidade de Campinas, para confrontar o racismo estrutural, dona Nina, insubmissa, visionária, inovadora, abre a Escola de Bailado Clássico Santa Efigênia para meninas pretas, com professora de dança preta, em contraste com as escolas de bailes da sociedade branca que sequer admitiam alunas negras.

Raça e classe

Aos 20 anos – empregada doméstica desde os 17 -,  casada e com dois filhos, vivendo em Santos, no litoral paulista, cidade do seu marido, Jeremias Henrique Campos de Mello, Laudelina intensifica  seu ativismo, disposta a romper com velhas estruturas escravistas.

No início da sua carreira, o serviço doméstico era mencionado nas leis sanitárias e policiais somente com o intuito de proteger a sociedade contra a categoria, “percebida” explicitamente como ameaça em potencial às famílias empregadoras. 

Laudelina recebe cumprimentos em evento.
Laudelina recebe cumprimentos em evento.

Laudelina queria mudar essa história, ansiava por justiça social, respeito, valorização do seu trabalho, pelo fim das desigualdades e da escassez de direitos e o primeiro passo, primordial para ela, era o despertar de uma consciência coletiva de raça e classe.

É com esta potência no pensar que nasce a primeira Associação de Empregadas Domésticas do Brasil, no ano de 1936, em Santos. 

Na pauta de reivindicações, auxílio às trabalhadoras e a seus familiares, inclusão da categoria na CLT, a Consolidação das Leis de Trabalho, que reunia todas as normas que regulam as relações de trabalho entre o empregador e os empregados, direitos e deveres de ambas as partes.

Infância interrompida 

Quando criou a associação das empregadas domésticas, aos 32 anos de idade, Laudelina já tinha 14 anos de profissão e 25 de experiência em afazeres domésticos, na cozinha e no cuidado com as crianças. 

Isso porque desde os 7 anos de idade ajuda a sua mãe, lavadeira, a cuidar dos cinco irmãos menores e no preparo de doces para vender. Seu pai, lenhador, morre em acidente trabalhista quando ela está com 12 anos. Mas, nessa época, ele já não morava com a família.

Quase como uma predestinação que assombra a vida de muitas crianças pretas e pobres, Laudelina, ainda no primário, é tirada da escola… Ainda os tentáculos da herança escravocrata. 

Tanto, que sua história continua a se repetir, neste no século XXI, no cotidiano de muitas crianças negras, apesar de todas as conquistas do nosso povo. 

O Mapa do Trabalho Infantil no Brasil conta  que as crianças negras representam 62,7% da mão de obra precoce no país. Quando se trata de trabalho infantil doméstico, esse índice aumenta para 73,5%, sendo mais de 94% meninas. 

Que sejam todas Laudelinas na garra, 
no desejo de escrever outra história…

Frente Negra

A  trajetória de Laudelina ganha mais contornos políticos na década de 1930. Além de ter criado  a primeira associação de  domésticas do Brasil, ela se filia ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se torna uma das diretoras da  Frente Negra Brasileira (FNB), a maior entidade negra do século XX e primeiro partido político negro do país. Lá, ela cria o Departamento Doméstico com foco na conscientização da sua categoria.

A Frente Negra impunha-se como missão “integrar o povo preto à sociedade”, por meio de cursos profissionalizantes, da valorização da cultura negra, da conscientização racial, política e da luta por direitos da população negra e contra a violência policial.

Rosas Negras, grupo da FNB voltado para promover atividades lúdicas, artísticas e culturais. (Imagem: Arquivo pessoal de Márcio Barbosa | Folha)
Rosas Negras, grupo da FNB voltado para promover atividades lúdicas, artísticas e culturais. (Imagem: Arquivo pessoal de Márcio Barbosa | Folha)

Quando da instauração, em 1937, do Estado Novo  –  regime político caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo -,  toda e qualquer manifestação de grupos políticos, culturais e classistas fica proibida.

A Frente Negra não resiste, mas com o fim da também conhecida como “Ditadura Vargas”, em janeiro de 1946, a associação das domésticas volta à ativa e Laudelina enfrenta perseguições.

Na cadeia

Década de 1960, Campinas, interior de São Paulo, a vanguardista do movimento doméstico cria a primeira Associação Beneficente das Empregadas Domésticas daquela cidade.  

Com o golpe militar de 1964, que instituiu novamente uma ditadura no país, sua associação se ‘abriga’ na  UDN – partido União Democrática Nacional, para não fechar as portas.

Várias entidades trabalhistas, movimentos estudantis e organizações sociais e políticas entram na clandestinidade. E, desta vez, Laudelina é presa.  O crime? Ser comunista

A prisão dura pouco. A consequência maior é a sua destituição da  diretoria da Associação que criou. Mulheres brancas, patroas, assumem o comando da entidade que, logo, é fechada.

Passada pouco mais de uma década, a entidade é reaberta por sua fundadora que segue, nos anos 1970, na luta por reconhecimento, formalização e respeito pela atividade das empregadas domésticas.

Pesa, ainda, sobre a categoria o passado escravista de um país criado para discriminar o povo negro, o povo pobre, o povo trabalhador, mas que não abre mão de usufruir de seus serviços, sem pagar o preço justo por eles.   

Soldada comunista 

Registre-se que durante a Ditadura Vargas, Laudelina integrou, como voluntária, o Primeiro Batalhão Militar de Santos, mandado para a Itália na Segunda Grande Guerra (1939-1945). 

No campo de batalha, ela socorre as tropas, cuida da  alimentação dos combatentes e atua como soldada. E, ainda, desmascara um espião alemão infiltrado, fantasiado de freira.

Laudelina de Campos Mello fala sobre sua participação na Segunda Guerra Mundial
(Vídeo: Roniel Felipe | Produção MIS Campinas)

No filme-documentário Laudelina, suas lutas e conquistas,  lançado em 2015, ela conta desse seu outro pioneirismo: 

“Negras tinham quatro. Sempre a minoria, né! Eu fui a primeira a me alistar no  primeiro batalhão. No segundo, tinham três.”

Atual

Laudelina de Campos Melo não completa 87 anos de vida – morre em  12 de maio de 1991. Na sua história,  69 anos de ativismo negro, sindical, feminista e 28 anos de trabalho doméstico remunerado. Em meados dos 1950, ela se torna empreendedora: monta uma pensão em Campinas e vende salgados em campos de futebol.

E essa sua jornada, inteira,  é de fundamental importância na trajetória de cada uma de nós. Como comenta a acadêmica Elisabete Pinto, em entrevista para o canal da Casa Laudelina de Campos Mello, a líder síndical sempre esteve à frente de seu tempo, contemplando, na sua ação, o olhar para a interseccionalidade – gênero, raça e classe – que torna a discriminação ainda mais pesada para a mulher negra: 

“Ela conseguia entender, à sua maneira, a interseccionalidade  entre gênero, raça e classe (…), trazia na prática a ideia que a gente tem hoje (…). Quando a gente fala em gênero, não é simplesmente da relação homem e mulher, mas relação de poder (…)  Quando se fala em mulheres empregadas domésticas, mulheres negras e brancas, patroas e empregadas, nós estamos falando de uma relação de gênero que expressa desigualdades entre as mulheres. Laudelina conseguiu perceber isso, algo que muitas feministas conseguiram perceber só depois.” 

Gratidão a esta mulher que veio antes, nascida em 12 de outubro de 1904, 16 anos após a lei do ódio ao povo preto, chamada lei áurea.


Linha do tempo: as leis trabalhistas e as empregadas domésticas

1988  – Com a Constituição, a Associação das Empregadas Domésticas se torna sindicato. A diferença é que o sindicato é mais político, preocupa-se com a mobilização, representa toda a categoria profissional, e a associação representa apenas seus filiados. 

1989 – É criada a organização não governamental Casa Laudelina de Campos Melo, formada por mulheres e jovens negras educadoras, com o objetivo de busca honrar o legado da líder sindical, a partir de ações focadas na autonomia econômica, na produção, na troca de conhecimentos, na formação e na qualificação profissional de mulheres negras.

2000 – É concedido o recolhimento facultativo (o empregador deposita se quiser) do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para as domésticas.

2013 – É promulgada a Proposta de Emenda Constitucional nº 72, conhecida como PEC das Domésticas, garantindo direitos iguais aos dos trabalhadores de outras categorias, com  carteira assinada (regime CLT), como férias remuneradas e adicional noturno.

2015 – A Lei Complementar 150  regulamenta a PEC nº 72 garantindo direitos trabalhistas a todos empregados domésticos. O depósito do FGTS passa a ser obrigatório, bem como seguro contra acidente do trabalho, indenização compensatória em casos de dispensa involuntária, adicional de horas extras de no mínimo 50% sobre período que exceder a jornada diária de trabalho de 8 horas e 44 horas semanais, hora noturna superior à diurna, intervalo para refeição e descanso, adicional de 25 % em casos de viagem com a família do empregador, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, seguro desemprego, auxílio-creche e salário família.


Fontes: Mapa do Trabalho Infantil, Livre de Trabalho Infantil, Brasil Escola,Casa Laudelina, Constituição Federal, História do Brasil (UOL), Geledés e G1

Escrito em 10 de março de 2022 e atualizado em março de 2024

1 comentário em “Laudelina de Campos Melo, a sindicalista das mulheres”

  1. Quando criança, tive o prazer de ver dona Laudelina participando de algumas atividades, assim como me lembro dela junto com outras mulheres falando da criação do sindicato das domesticas. Hoje vejo o quanto essa mulher foi e é importante para nós mulheres em especial para as mulheres pretas. orgulho de ter presenciado um pouquinho da tua luta.

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