O “pai dos jogos” existe desde 7.000 anos antes de Cristo – ou um pouco menos -, mas é muito antigo. Criado no Egito, África, reúne estratégia, raciocínio lógico, plantar e colher… É um jogo da vida!
Mancala, quer dizer, mover, transferir. É tratado como “pai dos jogos” por ter muitos filhos. Em outras palavras, por ser ponto de partida para vários outros jogos de tabuleiro que trabalham o saber matemático, o pensar estratégico, o ampliar a visão para enxergar todas as possibilidades.
A história do mancala é formada por possibilidades. A primeira evidência do jogo é um fragmento de um tabuleiro de cerâmica e diversos cortes de rocha encontrados na Etiópia, que são datados por arqueólogos entre os séculos VI e VII a.C. Mas há relatos que falam de cerca de 2.000 a.C.
A similaridade com aspectos da atividade agrícola e a ausência de uma necessidade de equipamento especializado apresenta a intrigante possibilidade de que o jogo possa datar do início da civilização.
Nas Américas
Os Estados Unidos têm a população que mais joga mancala no mundo e muitos dos jogadores são descendentes de africanos escravizados – lá, o jogo de mancala tradicional, chamado Warra, era jogado em Louisiana no início do século XX.
No Brasil, o Aiú – o nome vem do ato de soletrar “Ayo” – foi observado em 1916 na Bahia, pelo historiador Manoel Raimundo Querino.
Detalhe: o Ayo é um jogo de mancala na Nigéria, de onde muitos africanos foram sequestrados e escravizados.
No sul do país, em 1995, o português Elísio Romariz Santos Silva defendeu a ideia que um jogo de mancala de quatro fileiras era jogado na região onde muitos angolanos foram desembarcados.
Patrimônio contra o preconceito
Os jogos de mancala não são patrimônio nacional, mas são reconhecidos como patrimônio da cultura afrodescendente no Brasil, sendo promovidos por acadêmicos e instituições de valorização da cultura negra.
Mesmo assim, na academia, há os que resistem em aceitar a sua origem africana. Isso devido o preconceito histórico contra os povos nascidos em África e seus descendentes – identificados como “primitivos”, “selvagens”, menos inteligentes, menos capazes…
Como afirmar que um jogo inteiramente matemático, de pura habilidade intelectual, comparável ao jogo de xadrez, tenha sido concebido por primitivos e seja considerado o “pai dos jogos”?!
É histórica, também, a dificuldade que pesquisadores têm em separar as regras dos jogos das implicações estratégicas. Isso se deve ao fato de os jogos de mancala unirem toda a África – do Egito ao Congo, da Etiópia a Gana -, se adaptando às culturas locais, bem como às culturas de todo o mundo.
Na sala de aula ou na sala de estar
Mancala abre as portas para conhecimentos e práticas dos povos da África, pode ser usado para desenvolver o raciocínio lógico, treinar conceitos de matemática – como a adição e a subtração – e promover habilidades em planejamento e estratégia.
O jogo pode contar mais sobre nossa ancestralidade, incluindo o trabalho de autoestima sobre nossa capacidade intelectual, servir ao lazer em família e nos fazer aprender mais sobre geografia, conhecendo a África como continente e os países que a compõem, bem como as rotas que levaram os jogos pelos mares, quando do sequestro de seus cidadãos…
Conforme a região onde é jogado, o mancala é conhecido por um determinado nome: Wari, no Sudão, Gâmbia, Senegal e Haiti; Aware, no Burkina, ex-Alto Volta; Adi, no Benin, ex-Daomé; Baulé, na Costa do Marfim, Filipinas e Ilhas Sonda; Ayo, na Nigéria; Gebeta, na Etiópia…
Para vencer
Quando a partida começa, existe um número X de sementes – 36 ou 48 -, divididas igualmente entre os participantes. O objetivo dos jogadores é conquistar a maioria delas, movimentando-as.
Há pelo menos 200 variações do jogo e, dependendo das regras – com três ou quatro sementes em cada uma das 12 cavas -, existem nada menos do que 1 septilhão (1024, ou, melhor dizendo, um número 1 seguido de 24 zeros) de opções de jogadas.
Quem avisa é Vanisio Luiz da Silva, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), estudioso da cultura africana e da Matemática.
Construindo junto
Originalmente, os mancalas eram jogadas com buracos cavados na terra ou esculpidos na pedra. Depois, surgiram os tabuleiros de madeira, com duas ou mais fileiras de concavidades alinhadas. As peças, tradicionalmente, eram sementes secas ou pequenas conchas, mas podem ser feijões, pedras ou contas pequenas.
Para experimentar, no entanto, pode-se providenciar uma forma de gelo com 12 divisões e dois poitinhos, quatorze recipientes (como forminhas metálicas para doces, por exemplo) e fixá-las numa bandeja, enfileiradas. Ou, ainda, uma embalagem de uma dúzia de ovos.
O lugar onde se colocam os ovos são as casas, também chamadas de “depressões”, “valas”, “cavas” ou “cavidades”. A tampa, dividida ao meio, será os oásis, os poços, dos jogadores, onde vão ser colocadas todas as sementes “conquistadas”.
Pronto o tabuleiro de duas fileiras – cada jogador controla uma, que será o seu lado do jogo – é só dividir as sementes – 18 ou 24 para cada jogador – e colocar três ou quatro sementes em cada uma das seis casas.
Jogando…
Os dois jogadores se sentam frente a frente e ficam com o oásis à sua direita, vazio no início.
Imagine as dozes casas como se fosse um círculo, que deve ser percorrido sempre no sentido anti-horário.
Quem começa escolhe uma das cavas do seu campo, pega todas as sementes dela e as distribui, uma a uma, nas cavas seguintes…
Quando a semente cair no seu próprio oásis, deixe-a lá. E ganhe o direito de jogar outra vez.
Se cair em uma cava vazia do adversário, pode adicionar ao seu oásis todas as sementes da cava seguinte.
A cada vez, o jogador deve pegar todas as sementes de uma casa não vazia do seu campo e repetir o movimento, semeando-as pelas casas seguintes…
Quando acontecer de uma semente cair no seu campo e a casa do outro jogador estiver com sementes, você pode capturar sementes do adversário e colocar no seu oásis.
Se passar pelo próprio oásis, o jogador deixa uma semente nele e segue colocando as demais no campo adversário, mas nunca no outro oásis..
Importante: o jogador não pode deixar o adversário sem sementes em seu campo. Se isso ocorrer, o jogador deve “dar de comer” ao adversário, como dizem tradicionalmente, fazendo uma jogada que recoloque sementes no campo dele, desde que isso seja possível num único lance.
Caso contrário, a partida termina e o jogador pega para si todas as sementes que restaram no seu campo.
A partida também se encerra se restarem tão poucas sementes sobre o tabuleiro que nenhuma captura seja mais possível. Neste caso, essas peças não ficam com ninguém.
O vencedor será sempre aquele que tiver capturado mais sementes.
Assista o vídeo para entender melhor.
Fontes: Revista Nova Escola, Wikipédia, Superinteressante
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